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A Paraíba e seus problemas de insalubridade

CAPÍTULO III AS CONDIÇÕES FÍSICAS E DE SAÚDE DOS ESCRAVOS NOS ANÚNCIOS DE JORNAIS DA PARAÍBA (1850-1888)

3.1 A Paraíba e seus problemas de insalubridade

Durante a segunda metade do século XIX a Paraíba, assim como outras províncias do império, apresentava grandes problemas no que diz respeito à questão da salubridade de suas cidades. A capital da província, cidade da Parahyba do Norte, era constantemente alvo de notícias nos jornais que denunciavam os mais diferentes problemas, a exemplo da falta de saneamento das ruas, fontes, matadouro público e mesmo no cemitério.

Nesse período, a cidade da Parahyba do Norte achava-se edificada em um terreno sinuoso à margem Leste do Rio Sanhauá ao lugar denominado Zumbi.92 Conforme Doralice Sátyro Maia, em seu estudo sobre a modernização da cidade da Parahyba do Norte, até o início do século XX, essa centrava-se em duas porções geomorfológicas que lhe deram origem, sendo elas: as margens do rio Sanhauá e Baixo Planalto. A mesma autora salientou que esta compartimentação topográfica determinou a divisão da cidade em duas áreas, a Cidade Baixa e a Cidade Alta, sendo a primeira dominada por construções comerciais e a outra por edifícios administrativos e religiosos.93

Conhecida também como Varadouro, a Cidade Baixa abrigava não só construções comerciais, como também o porto e as casas dos negociantes que, geralmente, eram construídas na parte superior do comércio. As ruas sem calçamento e esgoto eram apenas uma de muitas paisagens urbanas que predominavam na cidade de uma maneira geral, já que eram poucas as que possuíam calçamento.94 As ruas que estavam passando por esse processo de saneamento eram alvos de denúncias nos jornais, que informavam que existiam diversas versões a cerca desse aspecto, sendo uma mais esquisita e disparatada que a outra.95 Segundo a Gazetilha do jornal O Tempo, seria conveniente que a questão do calçamento fosse tratada

92

Sobre a geografia da cidade da Parahyba do Norte consultar o artigo de Vicente Ramos Jardim (1910, p.89),

Monografia da cidade da Parahyba do Norte.

93

O estudo a que me refiro é Ordem, higiene e embelezamento na Cidade Alta e Cidade Baixa: a modernização

da cidade da Parahyba-Brasil, publicado pela Revista Convergência Crítica no primeiro semestre de 2012. 94

Segundo Maurílio Augusto de Almeida (1985), em seu estudo sobre a Cidade da Parahyba no ano de 1859, as únicas ruas calçadas nesse momento era a Rua Direita e parte do Varadouro.

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com mais seriedade e com mais patriotismo e dedicação, uma vez que todos conheciam a urgente necessidade desse serviço para o embelezamento das ruas.96

Com relação, ainda, as ruas, essas serviam de depósitos de lixo, imundícies, animais mortos e até excrementos de indivíduos e animais, o que dificultava, por vezes, a circulação de pessoas que não podiam atravessar certos pontos da cidade devido ao mau cheiro.97 Os excrementos, geralmente, eram despejados em barris que ficavam em algum compartimento das residências, que, quando cheios, eram levados pelos escravos para serem lançados nas praias, rios, ou, ainda, na via pública, em frente às moradias ou em terrenos desabitados que existissem nas proximidades. Isso porque, naquele momento, dava-se importância apenas a limpeza da casa, a qual incluía-se as fachadas e os cômodos internos.98

Os pântanos99 também faziam parte desse cenário. A estrada leste que fazia ligação com a Praça do Varadouro e com a ponte do Rio Sanhauá, em que existia a estação central da estrada de ferro Conde d’Eu, permanecia com um extenso pântano. Acreditava-se que através desses pântanos, existentes em alguns pontos da cidade, eram liberados miasmas, resultantes da decomposição de matérias orgânicas, vegetais e animais, que davam origem a moléstias diversas, além de facilitar a propagação da febre amarela100, que fazia diversas vítimas nesse momento.

Por sua vez, as casas residenciais “eram modestas, segundo a arquitetura típica das residências coloniais e despidas de muitos básicos necessários a prédios urbanos destinados a moradias” (VILLAR, 1985, p.75). Seguindo essa mesma linha de interpretação, o viajante Henry Koster, ao visitar a cidade da Parahyba do Norte, descreveu que a parte baixa da cidade era composta por pequenas casas situadas ao lado de uma espaçosa baía ou lago, que era formada pela junção de três rios que faziam a descarga de suas águas no mar por um longo canal101, o que nos demonstra o quanto eram precárias as condições de moradias. Nesse período existiam poucos sobrados que demonstravam a elevada situação financeira de seus habitantes, uma vez que a capital da província da Paraíba era cercada por sítios, alguns com

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Jornal O Tempo, publicado em 29 de setembro de 1865- IHGP. 97

Jornal O Publicador, 28 de agosto de 1869- ADBN. 98

Sobre a higiene das ruas da cidade da Parahyba do Norte, em meados da segunda metade do século XIX, ver o estudo de Maurílio Augusto de Almeida (1985), “Cidade da Paraíba, 1859- um pequeno aglomerado urbano”. 99

Segundo o jornal O Publicador, publicado em 28 de agosto de 1869, os higienistas designavam a palavra pântano, toda porção de água estagnada ou levemente agitada, que podia prejudicar a saúde do homem pelos produtos de sua evaporação. Desta forma eram considerados pântanos: brejos, lagos, tanques, poços, ribeiros, canos de esgoto, mas desde que determinassem a decomposição de matérias orgânicas e desprendessem eflúvios nocivos a saúde.

100

Jornal Diário da Parahyba, 31 de janeiro de 1885- IHGP. 101

Essas informações foram extraídas da obra Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro, organizada por Wellington Aguiar e José Octávio (1985, p.77), mais precisamente do estudo de Henry Koster, Uma Radiografia de Henry Koster.

muitos hectares de terras, engenhos102 e áreas com matas, que faziam dela uma cidade com características rurais.

Assim como as ruas e casas, a Fonte do Tambiá, que se localizava no bairro de mesmo nome, na parte alta da cidade103, enfrentava problemas no que se refere à questão de sua salubridade, sendo também notícia de jornal. Vejamos na íntegra:

Bica de Tambiá- Faz nôjo o estado em que se acha a única fonte da capital. Alem de immunda, tornou-se um lugar de obcenidades. A’ toda hora do dia, de mistura com os carregadores d’agua, grupos de indivíduos que lá vão pra banharem-se enchem a fonte, e com a maior sem ceromonia tomão banho, sem que haja a menor providencia que ponha termo a tal abuso. Além disso lava-se roupa constatemente dentro da mesma fonte, o que augmenta inda mais sua immundicie. A câmara não se move, apezar de dever providencias de qualquer [ilegível] de abstar a continuação de tão deplorável estado desta única fonte que possuímos. [...] Cumpra suas obrigações, illustríssima; veja que S. S. também soffre com a falta de boa agua potável. [...] Obrigue seus fiscaes a cumprirem seus deveres. (O Tempo, 01/05/1865- IHGP).

Então, como percebemos, nesse momento, a única fonte de água que abastecia a capital da província era a Fonte de Tambiá, que segundo a notícia encontra-se em estado deplorável.104 Esse espaço seria lugar de encontro de carregadores de água, que em sua maioria eram escravos, lavadeiras e outros indivíduos que sem maior cerimônia tomavam banho. O relato, ainda, nos informa que as autoridades, os representantes da câmara municipal, não tomavam nenhuma providência a esse respeito, exigindo que esses cumprissem suas obrigações e obrigassem seus fiscais a cumprirem seus deveres. Todavia, as famílias que não dispunham de escravos para carregar água da fonte, ou mesmo que não podiam e nem queriam ir buscar, em razão de residirem na parte baixa da cidade, retiravam água de cacimbas situadas próximas ao rio Sanhauá.105

Não se pode deixar de destacar que o matadouro público da capital, antes situado acima da Igreja do Bom Jesus, nas Trincheiras, também era alvo de denúncias nos jornais a respeito da questão de sua higiene. Conforme um apreciador do jornal O publicador, esse

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Conforme a pesquisadora Solange Pereira da Rocha (2011, p.3), na década de 1850, a Cidade da Parahyba do Norte, possuía 10 engenhos de açúcar (Água Fria, Gramame, Jaguaricumbe, dois denominados de Mandacaru, Marés, Paul e Velho), que eram áreas de produção de açúcar e outros produtos vindos da cana, a exemplo da aguardente e da rapadura.

103

Hoje Parque Arruda Câmara. 104

Conforme Vicente Gomes Jardim (1985, p.109-111), além da fonte do Tambiá, existia na parte alta da cidade a Cacimba do Povo, enquanto que na parte Baixa da cidade existiam a Bica do Gravatá e a dos Milagres. Arquimedes Cavalcante (1985) destacou que além dessas, citadas anteriormente, existia, ainda, a fonte de Santo Antônio, localizada no pátio interno do Convento de São Francisco.

105

A respeito dos aspectos urbanísticos da Cidade da Parahyba, ver o estudo de Francisco Vidal Filho, “Aspectos urbanísticos na Independência”, In: AGUIAR, W; OCTÁVIO (Orgs.). Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro. João Pessoa: Governo do Estado Da Paraíba, (1985, p.79-80).

lugar estava em um estado imundo, onde nenhuma pessoa poderia entrar em razão da lama que ali existia, além do mau cheiro de sangue podre. Isso se devia ao fato de que já se passava alguns dias e não ocorria a limpeza do ambiente. Pedindo providências, o mesmo apreciador denunciava que não aparecia nenhum fiscal ou outro qualquer encarregado de vigiar o bem público, aparecendo estes apenas nas casas dos pobres marchantes para exigir os quinhentos réis por cada rez que é morta. Sendo assim, era a população que sofria com o estado de podridão do lugar, já que os bois eram mortos ali sem nenhuma higiene, o que fazia com que esse alimento não fosse adequado para o consumo.106

Vale destacar, também, os lugares de sepultamento dos mortos, os cemitérios. Conforme o jornal O Publicador107 esse lugar era uma das causas de insalubridade da cidade da Parahyba do Norte. Além de sua má situação, já que se localizava em um lugar baixo, exposto aos ventos sul e sudeste, diariamente arrastava para cidade os miasmas que ali se desprendiam, fazendo dele um verdadeiro foco de infecção. A construção de carneiros108 foi relatada como sendo péssima, uma vez que não se observava nos enterramentos a mais insignificante regra de higiene.

De acordo com a mesma notícia, o enterramento nas covas era muito prejudicial a saúde pública devido a maneira que era feito. Cavava-se uma profunda sepultura para três ou quatro cadáveres, que iam sendo postos e posteriormente cobertos por uma camada de dois palmos de terra. A mesma sepultura, geralmente, era fechada definitivamente quando o número de mortos estivesse completo. Então, quando não completado o número de mortos para sepultura, esses ficavam enterrados próximos à flor da terra, fazendo com que os miasmas pútridos saíssem e infeccionassem o ar do ambiente. Paralelamente, tinha-se um ar impregnado de princípios miasmáticos e deletérios que ocasionavam febres e outras moléstias infectuosas.

Convém salientar que no início da segunda metade do século XIX a província abrigava 212. 466 almas, sendo destas 183.920 livres e 28.546 escravos.109 Todavia, conforme o recenseamento geral do império de 1872, o número de pessoas aumentou na Paraíba, passando a ser de 376.226. Desse número, 354.700 eram livres e 21.526 de condição

106

Jornal O Publicador, 20 de abril de 1864- ADBN. 107

Jornal O Publicador, 27 de agosto de 1869- ADBN. 108

Espécie de catacumba. 109

Estes dados foram extraídos do relatório apresentado a Assembleia Provincial da Paraíba pelo Presidente de província Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, em 02 de agosto de 1851, mais precisamente na página 12. Porém, segundo o mesmo relatório, esses dados não garantem exatidão em seu resultado, mas apenas o aproxima do verdadeiro número.

escrava.110 É importante lembrar que com o aumento da população, aumentaram também o número de pessoas que morreram durante esse período vítimas das mais variadas moléstias e doenças, as quais estavam relacionadas, geralmente, a questões voltadas a falta de higiene, alimentação e moradias precárias, que se não eram as responsáveis diretamente por algumas doenças, facilitavam o seu contágio, já que com essas situações não seriam poucas as pessoas com a saúde debilitada. Para ilustrarmos esse aspecto, vejamos o seguinte quadro:

Quadro 10 : Mortalidade na cidade da Parahyba do Norte: primeiros meses de 1861

MESES SEXO CONDIÇÃO TOTAL

Masc. Fem. Livres Escravos

Janeiro 21 10 22 9 31

Fevereiro 17 17 30 4 34

Março 15 11 25 1 26

Abril 15 14 22 7 29

Soma 68 52 99 21 120

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados contidos no Relatório apresentado a Assembleia provincial da

Paraíba pelo Presidente de província Silva Freire, em exposição no dia 18 de maio de 1861, p.10. Disponível em:<www.crl.edu/brazil/provincial>.

Como podemos observar nos primeiros meses do ano de 1861, apenas na cidade da Parahyba do Norte morreram 120 pessoas, das quais 99 eram de condição livre e 21 escrava. Conforme o relatório do Presidente de província Silva Freire, do mesmo ano, essa mortalidade foi proveniente de todas as moléstias. Todavia, se levarmos em conta a diferença entre o número da população livre e escrava nesse período, aproximadamente 212.000 pessoas, sendo 28.000 de cativos111, veremos que a maior incidência de mortes se deu entre os escravos.

Isso poderia ser reflexo das condições em que viviam os escravos na Paraíba. Provavelmente, existia uma grande indiferença, por parte de seus senhores, com suas vidas, já que medidas simples como a higiene das senzalas, vestimentas e alimentação não eram tomadas de maneira adequada, conforme iremos discutir adiante. Além disso, na maioria dos casos, o trabalho era excessivo, resultando em problemas de saúde e mesmo na morte de

110

Dados extraídos do site do IBGE: <bilblioteca.ibge.gov.br>. 111

Informações retiradas do relatório apresentado, pelo Dr. Luiz Antônio de Silva Nunes, à administração da província da província da Paraíba do Norte em 17 de março de 1861, p.10.

cativos. A sequela produzida por essas condições na vida dos cativos pode ser percebida nos indícios contidos nos anúncios de escravos fugidos, já que estes oferecem ricos detalhes que revelam uma população que foi constantemente atacada por problemas de saúde.