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A parentalidade: desconstruir o conceito

Capítulo 1- Enquadramento teórico

1.3. A parentalidade: desconstruir o conceito

A parentalidade requer mais do que o desejo de ter um filho, requer sim o desejo de ser mãe e pai. Segundo Hoghughi & Long (2004) procriar é fundamental para a continuidade da espécie, mas é necessário que os descendentes sobrevivam. Para isso é necessário criar condições, tarefa principal da parentalidade. Os mesmos autores e Cruz O. (2005) definem parentalidade como atividades destinadas a assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento das crianças de forma mais plena possível. Cruz acrescenta ainda que estas ações são encetadas pelas figuras parentais (pais ou substitutos) utilizando recursos existentes dentro da família e na comunidade, referindo que o “comportamento dos pais não é um acto automático, mas sim algo que resulta e interage com aquilo que não é directamente observável – os pensamentos, as ideias, os valores, os conhecimentos, etc” (2005, p.16). Quando se fala em parentalidade, o termo remete para um fenómeno abrangente que acolhe a mãe e o pai no desempenho dos seus papéis. Embora durante muito tempo, tenha sido

atribuída exclusivamente à mãe a obrigação e a competência supostamente inata para a criação dos filhos, cada vez mais, na sociedade atual, o pai tem um papel fundamental na prestação de cuidados e na promoção de um desenvolvimento harmonioso na criança. “Foi-se mostrando a necessidade de inscrever o papel de pai, o terceiro habitualmente periférico e desempenhando papeis inscritos ou em registos simbólicos ou em pragmáticas providências, num lugar central, desfazendo a clássica díade mãe-bebé” Leal (2005, p.18). Também Parke (1996, como citado em Piccinini, Silva, Gonçalves, & Lopes, 2004) destacou que os pais vêm assumindo novas tarefas com relação aos filhos, muitas delas devido ao grande envolvimento das mulheres no campo profissional e o novo papel social do trabalho feminino, entre outros fatores socioeconómicos, alterando assim o estereótipo do pai incompetente e desinteressado e abrindo espaços para a participação ativa dos mesmos nos cuidados com seus filhos, exercendo influências diretas sobre o desenvolvimento das crianças.

Considerando o que foi exposto anteriormente, o processo da parentalidade ocorre independentemente do género e carece de maturação e de restruturação psicoafectiva, o que permitirá aos indivíduos responderem às necessidades físicas, afetivas e psíquicas do(s) seu(s) filho(s), sendo que a “parentalidade pode ser adquirida através de uma descendência biológica ou então pela adopção, ou por técnicas artificiais de concepção” (Bayle, 2005, p.322). No caso de adoção, e segundo a mesma autora, é fundamental que se caminhe para uma “afiliação reciproca”. Não se pode olhar para a criança adotada e para o casal adotivo, como “tábuas rasas” sem passado. A parentalidade tem de ser construída e trabalhada considerando o passado e as vicissitudes de ambas as partes, para que o verdadeiro processo de vinculação se estabeleça.

Hoghughi e Long (2004) no seu “Handbook of Parenting”, apresentam uma visão completa da parentalidade, abrangendo os seus processos essenciais, áreas de aplicação e pré-requisitos necessários para o desenvolvimento da atividade parental, onde se incluem o conhecimento e

compreensão, motivação, recursos e oportunidades e que fazem todo o sentido serem

descritos adiante para se entender as condições prévias relevantes para o exercício da mesma:

Conhecimento e compreensão: reconhecer e interpretar as necessidades e os

comportamentos das crianças, consoante o seu desenvolvimento, atuar e responder adequadamente e de modo ajustado. São os pontos de partida essenciais para que exista um processo parental concreto. Os pais não partem para a sua tarefa sem qualquer tipo de conhecimento, mas baseados nas suas competências e crenças resultantes dos processos de socialização. Estes pré-requisitos tornam-se relevantes quando utilizados em simultâneo e estão de certa forma, interligados com a

motivação, na medida em que o conhecimento, só é relevante se for traduzido em

ação.

Motivação: diz respeito aos desejos e compromissos dos pais em direcionar os

A motivação implica relacionar elementos como o estímulo biológico de ter filhos, pressões culturais, apoio pessoal e social para a parentalidade e restrições sobre a mesma e prende-se obviamente com questões ligadas aos papéis sociais e à identidade de cada um dos progenitores, exigências profissionais e aceitação da responsabilidade e correspondente autoridade em relação a criança, equilíbrio económico e familiar ou com fatores culturais ou de integração de outras culturas.  Recursos: serão tudo o que os pais precisam, querem ou desejam implementar na

criação dos filhos. Assim, torna-se óbvio que o suporte económico para a obtenção de bens e serviços são apenas um dos recursos. Outros devem incluir competências psicológicas e sociais dos pais e do ambiente familiar e cultural mais amplo em que se desenha. Os recursos básicos para pais incluem qualidades (tendências de comportamento dos pais que surgem de características fundamentais da personalidade), habilidades (adquiridas de modo formal, por exemplo, através de programas parentais e informal, recebidas, por exemplo, pelas suas próprias experiencias ou observando outros pais), rede social (presença, envolvimento e responsabilidade dos outros, sendo eles amigos, vizinhos ou familiares) e materiais (recursos económicos necessários para a subsistência e para o desenvolvimento da criança).

Oportunidades: inclui-se o tempo necessário que os pais necessitam para exercerem

as suas atividades parentais, que cada vez é mais escasso já que nas sociedades atuais há cada vez mais necessidade de envolvimento profissional de ambos os elementos do casal, o qual por vezes acarreta um menor tempo despendido com os filhos.

Adaptar-se e exercer a parentalidade pressupõe assim um conjunto de especificidades que elucidam a complexidade envolvida no processo de criar uma criança. Muitas delas não são inatas, mas resultam das vivências, valores e conhecimentos adquiridos pelos indivíduos durante o seu desenvolvimento e processo de socialização. Se alguns desses requisitos são intrínsecos ao indivíduo e mais fáceis de concretizar, outros dependerão de agentes externos e das características dos próprios filhos.

Bayle (2005) refere que atualmente ter um filho acarreta mais responsabilidade e peso social pela própria construção da sociedade acerca da criança. Daí que Houzel (2006) ressalta a ideia já anteriormente apontada de que o termo parentalidade não pressupõe apenas ser pai, mas sim “tornar-se pai”. Ele considerou três perspetivas para avaliar as funções parentais: o exercício da parentalidade, referindo-se aos direitos e deveres jurídicos subjacentes ao papel parental; a experiência da parentalidade, a experiência consciente e inconsciente de vir a ser pai e de preencher os papéis parentais, compreendendo o desejo pela criança e o próprio processo de transição para a parentalidade; a prática da parentalidade que diz respeito às atividades que os pais desenvolvem junto dos seus filhos. Considerar os três eixos de igualitariamente relevantes e indissociáveis, é fundamental para entender a dimensão geral do conceito e as complexidades que podem surgir durante a sua concretização. Já Dix (1991,

como citado em Cruz O., 2005, p.16) indicou que a “parentalidade é porventura um dos domínios onde as emoções e os afectos se vivem com maior intensidade, consistência ao longo do tempo, gasto de energia nos investimentos e frustrações”.

A adaptação à parentalidade, pela sua dimensão abrangente e por ser, como se mencionou atrás, uma fase de crise, pode desencadear sentimentos de insegurança, incapacidade, tensão emocional e ansiedade, devido às novas responsabilidades decorrentes do cuidar de uma criança, e que podem comprometer o processo normal. Daí ser de todo relevante compreender como o fenómeno se desenrola.

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