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A participação orientada no contexto dos jogos de mãos observados

No documento OS JOGOS DE MÃOS: UM (páginas 154-160)

INTERPRETANDO A EXPERIÊNCIA

4   OS JOGOS DE MÃOS E A PARTICIPAÇÃO ORIENTADA

4.2  A participação orientada no contexto dos jogos de mãos observados

 

4.2 A participação orientada no contexto dos jogos de mãos observados 

 

   

Este  estudo  fundamenta‐se  na  abordagem  sociocultural de  Rogoff  e  em sua  estratégia  metodológica  de  planos  de  análise, segundo o  enfoque  interpessoal que  corresponde à análise do processo desenvolvimental da participação orientada entre  crianças e seus parceiros na atividade sociocultural dos jogos de mãos. 

Segundo  Rogoff  (1998),  o  processo  criativo  no  qual  as  crianças  procuram  ativamente significados e situações relacionadas umas com as outras, é “por si só uma  atividade sociocultural” (ROGOFF, 1998, p. 139). É nesse sentido que os jogos de mãos  vivenciados  pelas  crianças  no  pátio  escolar  são  considerados  uma  atividade  sociocultural.  No  contexto  dos  jogos  de  mãos,  a  partir  de  processos  criativos  individualmente ou com seus companheiros, as crianças refletem sobre como tratar uma  nova situação ou um novo desafio presente em determinado jogo, com base nos seus  próprios saberes e nos saberes compartilhados. As crianças analisam, comparam e juntas  empenham‐se na busca por novos significados. 

A  opção  pela  análise  da  participação  orientada  favorece  o  enfoque  no  envolvimento e nos acordos realizados entre as crianças durante os processos de criações  musicais no contexto dos jogos de mãos. Entretanto, para compreender esses processos,  que se tornaram foco do plano interpessoal de análise (participação orientada), faz‐se  necessário sustentar os outros planos de enfoque – o plano comunitário (aprendizado) e  o plano individual (apropriação participatória) – como panos de fundo. 

  Desta  maneira,  primeiramente  será  necessário  compreender  o  porquê  de  se  considerar os jogos de mãos uma comunidade de prática, pois seria impossível abordar  o contexto dos jogos de mãos como participação orientada sem a descrição do plano  comunitário (foco do aprendizado).  

   

4.2.1 Aprendizado: uma comunidade de prática musical   

 

Para caracterizar que as crianças estão envolvidas em uma comunidade de prática  musical  devemos  encontrar  características que nos permitam  dizer que existe uma  prática musical presente nos jogos de mãos.  

Relacionando as características do conceito de comunidade de prática segundo  Wenger (1998) com o contexto dos jogos de mãos, pode‐se dizer que: (1) ocorrem em um  ambiente  de  aprendizagem  musical  (2)  envolvem  um  sistema  social  de  produção  musical e de formação de identidades, (3) são uma prática fundamentada na habilidade  de um grupo para conhecer e aprender, e (4) envolvem uma participação musical ativa. 

 

Um ambiente significativo de aprendizagem musical 

 

Considerando  as  características  musicais  presentes  nos  jogos  de  mãos  observados, verifica‐se que as crianças desenvolvem habilidades musicais significativas  e  sofisticadas  neste  ambiente:  relações  polimétricas,  melodias  sincopadas,  versos  ritmados em uma relação interdependente de música, texto e movimento, apresentando  um ambiente de aprendizagem musical significativa. Essa aprendizagem significativa é  especialmente  evidenciada  na  maneira  como  as  crianças  se  mostram  satisfeitas  e  orgulhosas  por  serem  reconhecidas  como  produtoras  de  conhecimento  musical  e  valorizadas em uma prática específica de seu universo. Além disso, no convívio entre as  crianças foram claras as relações de amizades intensas e significativas que provinham de  trocas musicais elaboradas. 

Segundo Wenger (1998), o objetivo da aprendizagem é vivenciar o mundo e  engajar‐se com ele de maneira significativa. Para o autor, aprendemos com os outros  quando  estamos  engajados  em  atividades  significativas  que  são  valorizadas  pelas  pessoas que nos são importantes.  

Acredito que essas aprendizagens se tornam muito significativas no contexto dos  jogos de mãos devido ao fato de que nesses ambientes as crianças aprendem tanto para  si, como visando às situações e relações sociais e coletivas que se apresentam. O que  motiva as crianças para se encontrarem durante o recreio e brincarem com os jogos de  mãos diz respeito, primeiramente à prática social, que, segundo Wenger (1998), é o 

ponto de partida da aprendizagem. Para ele, a aprendizagem é um aspecto inerente à  natureza humana, é parte integrante da prática social.  

 

Sistema social de produção musical e de formação de identidades 

 

  O envolvimento na prática social que é definida pelos jogos de mãos acontece em  torno das habilidades e dos conhecimentos que as crianças têm sobre esses jogos. Nesse  sentido,  as  crianças  participam  e  contribuem  mutuamente  no  desenvolvimento  da  prática social, comprometidas em compartilhar suas competências.  O engajamento com  os jogos de mãos estimula um ambiente dinâmico de produção musical, desenvolvendo  a identidade musical da cultura infantil, através da criação, da reprodução e da recriação  desses jogos. Segundo Wenger (1998), a participação na prática cultural, na qual o  conhecimento existe, é um dos princípios epistemológicos da aprendizagem. 

 

Prática fundamentada na habilidade de um grupo para conhecer e aprender 

 

  As crianças que se interessam pelos jogos de mãos no recreio escolar envolvem‐se  em atividades conjuntas de trocas, reflexões e de ajuda mútua, na qual compartilham  significados e informações. A partir dessas trocas, as crianças aprendem conjuntamente  através  das  interações  sociais,  desenvolvendo  o  sentido  de  pertencer  a  um  grupo  específico, construindo uma comunidade na qual se pretende conhecer e aprender os  jogos de mãos. 

 

Os jogos de mãos envolvem uma participação musical ativa 

 

No contexto dos jogos de mãos, as crianças desenvolvem e se apropriam de um  repertório compartilhado de  gestos,  canções, ritmos, movimentos e brincadeiras.  A 

partir  do  envolvimento  mútuo,  as  crianças  participam  ativamente  junto  aos  seus  parceiros, desenvolvendo habilidades musicais capazes de provocar a ação, como o  trabalho com o corpo, com os ritmos e com a voz em diferentes níveis de envolvimento: 

aprendendo, ensinando, participando, observando, criando, transformando a partir de  uma participação ativa e responsável. 

Dessa  maneira,  a  prática  dos  jogos  de  mãos  oferece  um  ambiente  de  aprendizagem musical que é construído social e culturalmente. Essa perspectiva de  aprendizagem de Lave e Wenger (1991) altera o foco analítico do “indivíduo enquanto  alguém que aprende, para o aprender como participação no mundo social, e do conceito  de processo cognitivo para a visão de prática social” 79 (LAVE; WENGER,1991, p. 43,  tradução nossa). Nessa  perspectiva,  a  aprendizagem não é vista como  um tipo de  atividade, mas antes como um aspecto de qualquer atividade: “a aprendizagem é uma  parte  integral  da  prática  generativa  social  no  mundo  em  que  se  vive“  80  (LAVE; 

WENGER, 1991, p. 35, tradução nossa). 

O contexto no qual os jogos de mãos estão inseridos apresenta os critérios para  uma comunidade de prática musical, pois as crianças quando jogam são envolvidas em  situações intensas de aprendizagem social, nas quais, a partir de atividades conjuntas e  reflexões,  desenvolvem  entendimentos  musicais  em  um  contexto  de  interesse  compartilhado. 

       

79 “of shifiting the analytic focus fro the individual as learner to learning as participation in the social  world, and from the conept of cognitive process to the more‐encompassing view of social practice” 

(LAVE;  WENGER, 1991, p. 43). 

80 “learning, is an integral part  of generative social practice in the lived‐in world” (LAVE; WENGER, 1991, 

p. 35). 

4.2.2 Aprender e ensinar no contexto dos jogos de mão   

 

As crianças quando estão brincando no contexto dos jogos de mãos são  envolvidas  em  situações  intensas  de  aprendizagem.  Elas  assistem  atentamente umas as outras para perceber pistas e respostas de como  desempenhar o jogo. Elas se tocam, elas criam algo novo. A brincadeira  exige concentração, mas nunca fica monótona, ao contrário, sempre  risos e divertimento (D.c, 2008, p. 22). 

   

Conforme o relato das crianças, elas aprendem os jogos de mãos com os colegas  de outras escolas, com os primos e irmãos, com as crianças vizinhas do bairro, na rua, na  igreja, ou no ônibus escolar. Sendo parte da cultura tradicional mantida pela tradição  oral, os jogos de mãos são considerados, segundo Mirsky (1986), uma subcultura da  infância  existente  para  e  pelas  crianças  sem  a  interferência  dos  adultos.  Essa  independência das crianças ocorre na prática e na perpetuação dos jogos, vivenciados  espontaneamente  e  transmitidos  oralmente  de  criança  para  criança,  ou  seja,  são  aprendidos de maneira direta, por imitação e por repetição na própria ação.  

É surpreendentemente eficaz a maneira como as crianças aprendem e ensinam os  jogos  de  mãos  umas  às  outras.  Esta  habilidade  e  capacidade  caracterizam‐se  por  envolver  uma  aprendizagem  holística  e  colaborativa  mediante  trocas  e  vivências  mútuas. O caráter holístico, por sua vez, apresenta‐se na maneira integrada como as  crianças vivenciam o processo de ensino e aprendizagem: as crianças aprendem o jogo  integralmente não separando as partes de texto, música e movimento. Aprender ou  ensinar o jogo em partes isoladas, somente a batida das mãos sem a canção, ou começar  o jogo em outra parte que não seja no início, é um processo complicado na visão das  crianças:  

 

C3: A tá, deixa eu ver, é assim, ai não consigo, é confuso, é estranho  quando começa da metade, fica mais difícil, não consigo. 

P: Como que eu faço pra aprender, então?  

C3: Tem que repetir, repetir, repetir, ficar olhando e ir tentando até  chegar no fim. 

C1: É, aí você aprende. Quando a gente erra, começa de novo, é mais  rápido, aí fica mais fácil. 

   

Como  pôde  ser  observado  pelo  depoimento  das  crianças,  fragmentar  a  aprendizagem causa confusão e perda de tempo, pois as crianças somente aprendem e  ensinam executando o jogo todo, sem pausas, vivenciando o jogo por completo (música,  texto e movimento). Quando o jogo é interrompido, seja por razão de um erro, distração  de  alguma  criança  ou  quando  alguém  apresenta  dificuldades  em  aprender  uma  determinada parte, o jogo para e recomeça desde o início.   Segundo Gainza (1996), as  crianças concebem a música e o verso, o ritmo e os gestos como uma só coisa. O mais  importante para as crianças no contexto dos jogos de mãos é a brincadeira. Isolar partes  do jogo compromete o caráter lúdico, torna‐o monótono e pouco desafiador. Errar e  começar novamente ou seguir no erro faz parte da brincadeira, é o que o torna divertido  e colaborativas presentes no contexto dos jogos de mãos, nas quais os jogadores trocam  ideias e colaboram mutuamente no processo de aprendizagem. As crianças aprendem a 

No documento OS JOGOS DE MÃOS: UM (páginas 154-160)