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5 AS RELAÇÕES CONTRADITÓRIAS DE PRODUÇÃO NO TERRITÓRIO

5.2 A PECUÁRIA DE LEITE NO ASSENTAMENTO CELSO

campesinato, de tal maneira que colocando o excedente produtivo a venda e adquirindo produtos que não produz em sua propriedade, seu objetivo continua sendo o valor de troca, daí então que suas mercadorias sofrem uma mutação. “Na medida em que ingressam na circulação capitalista, as mercadorias de origem camponesa sofrem uma mutação, pois o que o vendedor considera primordial é a simples possibilidade de se estabelecer uma relação de troca” (BARTRA, 2015. P. 16).

Nesse sentido, há uma distinção entre a produção camponesa e capitalista. Na produção

camponesa onde ocorre a circulação simples, a principal finalidade é obter os meios de reprodução necessárias à satisfação das necessidades, enquanto que na produção capitalista a sua principal finalidade é a reprodução ampliada do capital.

Para o autor, o fato de que o capitalismo se apresenta como única oportunidade de realização de compra e venda, os camponeses não têm outra saída a não ser colocar o seu excedente no circuito capitalista, logo a produção sofre uma decomposição de preços. Nesse processo, o sistema favorece a recriação do campesinato de acordo com seus interesses, por outro lado, a luta social contra o capitalismo pelos camponeses é uma condição de existência e recriação da classe.

Assim, percebe-se que o desenvolvimento da agricultura capitalista não eliminou por completo a produção camponesa. Esta condição deve-se à capacidade de resistência dos camponeses, o que tem resultado numa prática de recriação contraditória de formas não capitalistas no próprio processo de acumulação do capital.

5.2 A PECUÁRIA DE LEITE NO ASSENTAMENTO CELSO FURTADO

Entre as atividades desenvolvidas no assentamento sem dúvida que a pecuária do leite é mais amplamente realizada, sendo possível observar em praticamente quase todas as unidades produtivas como a principal fonte de renda. Durante o período de prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) desenvolvidas por entidades como o CEAGRO em convênio com o INCRA, os produtores tiveram contato com novas técnicas principalmente da utilização do método de Pastoreio Voisin (PRV) e da alimentação de animais o que possibilitou aumento significativo na produção, tornando assim a atividade econômica mais praticada pelos assentados, em raros casos são os lotes que o leite é suplementar as demais.

Porém, a comercialização ainda é realizada em vários laticínios da região em forma in natura. Segundo o nosso interlocutor que está na atividade desde que foi assentado, relata que

90 a produção no assentamento tem destino às agroindústrias de várias cidades próximas, ficando apenas uma pequena parte no município.

[...] Nóis vendemos a produção do assentamento em vários municípios da região, seja Cantagalo, Laranjeiras do Sul, Cruzeiro do Iguaçu, agora também em São Jorge do Oeste, Catanduva, Cascavel, então são vários laticínios que coletam leite aqui que a produção é uma produção grande no assentamento, então um só não tem condições de absorvê, no município fica muita poca coisa, a maioria pra fora do município mesmo (E. C. R. Assentada e produtora de leite, julho de 2018).

Na opinião do entrevistado, a falta de estrutura produtiva no assentamento ou mesmo no município que possa agregar valor na produção, deve-se entre os limites, principalmente a dificuldade de organização coletiva do trabalho, haja visto o tempo e as condições já descritas no texto que o assentamento foi criado mas ainda é carente de infraestrutura básica necessária para escoar a produção dos lotes, uma das razões pelas quais dos preços baixos pagos aos produtores. De acordo com o entrevistado, na contramão da falta de estrutura, a pecuária de leite se destaca como a principal atividade das famílias pela quantidade produzida nos últimos anos, porém desestruturado em consequência da fragilidade da organização social.

[...] Hoje nós temos um potencial nos assentamentos se fosse de uma forma organizada, ela seria importante pra agrega valor, uma agroindústria no setor de leite. [...] A questão de armazenamento também é importante, porque você tem como aguardá preço, a hora certa de fazê a comercialização, e assim do jeito que nóis somo desorganizado sem infraestrutura, sem estrada, hoje pra você tirá o leite muitos produtores ainda perde leite no tanque porque não tem como chega, choveu não chega, isso em quase 15 anos de assentamento, então pra você vê que as coisas não é face, ela é muito travancada quando você fala de assentamento. [...] Olha se nóis fazê uma média hoje pro assentamento, eu carculo assim, em torno de 5 mil litros por família, fazê uma média né, tem uns aí que produz mais, bem mais né, tem uns que produz bem mais que 10 mil litros por mês. Então eu chego a uma conclusão assim não é exato, mas é só multiplica aí 5 mil litros por mil e pocas famílias, então tem uma ideia de quanto leite é produzido, principalmente aí nos últimos anos tão produzindo mais né, í é o que mantém as famílias (E. C. R. Assentada e produtora de leite, julho de 2018).

Equacionando esses dados apresentados pelo interlocutor, chegaremos a uma somatória de 5 milhões de litros de leite mensais, bem próximo dos dados levantados por outro produtor de leite que também é representante do assentamento no Poder Legislativo Municipal, que indica uma produção de 4 milhões de litros mensais. “[...] Prá você vê, só o assentamento sozinho produz cerca de 4 milhões de litros de leite por meis (C. T .L. Assentado e produtor de leite, julho de 2018).

91 Esses números revelam a importância da atividade para a manutenção das famílias nos lotes, contraditoriamente comprovam também o grau de sujeição dos produtores ao setor agroindustrial e comercial de laticínios. Ao mesmo tempo que a pecuária do leite é a atividade mais realizada pelos assentados, é também a que mais subordina a produção ao capital industrial e comercial por meio dos cuidados zoossanitários e nutricionais dos animais. Com a necessidade de alimentar o rebanho no período de inverno, surgem despesas de insumos, sementes, agrotóxicos e horas máquinas no plantio na transformação do milho em silagem. Adicionado a essas despesas, verifica-se o uso de fontes de alimentos de origem industrial como é o caso da ração e sal mineral, e de medicamentos veterinários. Com relação aos cuidados fitossanitários, o capital industrial absorve outra parte significativa da renda da produção camponesa pela busca constante da padronização da produção, seja pela forma de armazenamento em resfriadores ou ainda pela ordenha mecanizada.

Todas essas condições impostas pelo capital industrial aos produtores de leite no assentamento, são verificadas pelo aumento do número de lojas no comércio, específicas para as atividades ligadas ao campo. “[...] Se multiplicô o número de agropecuárias em Quedas do Iguaçu depois que foi criado o assentamento” (C. T. L. Assentado e produtor de leite, julho de 2018). Ao mencionar as mudanças no perfil econômico do município com a criação do assentamento, o interlocutor relata que parte do comércio se estruturou visando principalmente atender as demandas dos assentados. Isso demonstra o quanto é o grau de sujeição da renda da produção camponesa ao capital e como o assentamento contribuiu para a economia do município.

Com a adesão quase que total dos assentados pela pecuária leiteira, a maior parte dos recursos disponíveis ao financiamento das atividades nos lotes, destinaram-se ao desenvolvimento desse sistema produtivo. Logo, as mudanças ocorridas no perfil econômico do município são vislumbradas pelos agentes do capital como oportunidades de negócios, pois a demanda por instalação de mais de mil novas unidades produtivas com máquinas e equipamentos, o comércio se estrutura com a oferta de produtos e serviços, desde os mais simples, as agroveterinárias e os complexos, as agências de financiamentos.

Nesse contexto onde a demanda era maior que a procura, o desenvolvimento da pecuária de leite ocorreu mediante uma situação de fracionamento de preços, descrita por um dos nossos interlocutores.

Quando nóis acessamo os pronaf, os recursos né, teve muita burocracia prá comprá material prá construí as salas de ordenha né, as vaca memo né, inviabilizô porque

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você não pega dinheiro, você vai fazê os investimentos em através de nota, daí se torno caro e muita exploração. Por exemplo, for aquisição de uma vaca, o preço já é outro, por que você não trabalha com dinheiro, trabalha com nota, então tudo isso dificulta a vida do assentado pra começa a produzí no lote (A. C. R. Assentada e produtora de leite, julho de 2018).

Percebe-se uma imposição das indústrias para que os produtores acompanhem as inovações tecnológicas, realizando assim uma clara transferência de renda da pequena unidade produtiva ao grande capital industrial, desde o início da atividade da agropecuária leiteira. Numa condição pré-estabelecida aos agricultores que se aventurariam na produção de leite, os investimentos em tecnologia seria o ponto de partida para o sucesso da atividade, tendo em vista que os rendimentos conciliados com a qualidade do produto sempre estiveram presentes na cadeia produtiva do leite.

Porém, constata-se que apesar desses investimentos em produção e qualidade, a classificação do leite através do teste de acidez, da quantidade de água e exame laboratorial, muitos produtores reclamam que são manipuladas, tornando os preço do leite ainda mais baixos.

Todavia, a decisão pelo sistema produtivo advém dos agricultores que concebem a pecuária leiteira uma fonte de renda significativa, onde se utiliza a mão-de-obra de toda a família, inclusive de mulheres, jovens e crianças. Ainda assim, os animais representam uma possível reserva de valor de fácil liquidez disponível na propriedade, além da garantia de recursos monetários mensais no orçamento das famílias (SILVA e TSUKAMOTO, 2001). Um processo nítido na produção de leite no assentamento, em que as tarefas são distribuídas de acordo com a hierarquia familiar.

Vale ressaltar ainda que os preços estabelecidos variam de produtor para produtor de acordo com os volumes de produção. Numa estratégia de forçar os produtores a se adequarem às suas exigências, às indústrias lácteas aplicam preços diferenciados onde quem produz menos de certa forma é penalizado, por outro lado beneficia quem produz maior volume. Assim, existe uma diferença de valores pagos por quantidade produzida, mas também pela qualidade (teor de gordura e acidez). Da mesma maneira, é indispensável acrescentar que a matéria-prima ao entrar no circuito mercantil, assume o caráter de mercadoria, estando portanto submetida às variações de preço decorrentes da dinâmica do mercado. Todos esses fatores afetam a rentabilidade e a sustentabilidade dessa cadeia produtiva.

Diante do exposto, reforça a proposição de que no Assentamento Celso Furtado há em curso a formação de um campesinato com níveis diferenciados de inserção no mundo mercadológico. Nesse sentido, a importância outorgada pelos trabalhadores a pecuária leiteira

93 deve-se pela a principal atividade econômica dos assentados, no entanto também ilustra o grau de dependência e autarquia frente às relações capitalista no campo.

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