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A pena privativa de liberdade na legislação penal

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CAPÍTULO III ± NORMAS QUE DISCIPLINAM A PENA PRIVATIVA DE

3.2. As normas que disciplinam a pena privativa de liberdade no Brasil

3.2.3. A pena privativa de liberdade na legislação penal

Inicialmente, as idéias de Direito Penal surgidas no Brasil foram advindas da organização social indígena, ligadas ao direito costumeiro e crenças tribais, intimamente relacionados à vingança e ao talião.

Durante a colonização, o país foi regido pelas Ordenações: Afonsinas, Manuelinas, pelo Código de D. Sebastião e pelas Ordenações Filipinas217. Nesse período, o conceito de crime confundia-se com o de pecado e desvio moral ± puniam-se os hereges, apóstatas e feiticeiros.

A aplicação das penalidades era deveras rigorosa e revestida de cerimônia e crueldade, no intuito de incutir o medo. As principais penalidades eram aquelas que atingiam, de forma direta e cruel, o corpo do delinqüente, tal qual a pena de morte e os suplícios, além de penas infamantes, o confisco, o degredo e as galés.

A codificação da legislação penal disseminou-se por toda Europa e América no século XIX. O Código de Napoleão (1810) serviu de modelo para outras legislações, trouxe penas severas e restabeleceu o ergástulo, apesar de ter sido recepcionado pela revolução.

O texto concentra seus esforços na proteção ao Estado e ao Imperador218. Por outro lado, o Código da Baviera (1813), redigido por Johann Paul Anselm Ritter Von Feuerbach, tinha viés liberal e era centrado no homem e na proteção dos bens jurídicos.

No Brasil, após a Independência, a Constituição de 1824 determinou a elaboração de nova legislação penal. Assim, em 1830, foi sancionado o Código Criminal do Império.

Toda a legislação da época foi influenciada pelas idéias liberais propagadas na França e nos Estados Unidos. Os ideais iluministas e os princípios previamente materializados no recente texto constitucional, serviram de alicerce ao Código Criminal brasileiro.

217 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal ± Parte Geral. 13. ed.. São Paulo: Atlas, 1998,

p. 40.

Em maio de 1827, os deputados Bernardo Pereira de Vasconcellos e José Clemente Pereira apresentaram à Câmara dois projetos distintos de Código Criminal. Em 1828, foi criada uma comissão bicameral para estudar e avaliar os projetos e o parecer final foi ofertado em 31 de agosto de 1829219.

A redação definitiva, com texto marcado pelo pensamento contratualista, foi apresentada em 19 de outubro de 1830 e sancionada em 16 de dezembro do mesmo ano. O Código Criminal brasileiro serviu de modelo ao código espanhol de 1848 (reformado em 1850 e 1870) e influenciou a legislação do restante da América Latina. A primeira parte do Código tratava dos crimes e das penas. O Título I dispôs sobre os crimes, os criminosos, causas justificativas, atenuantes e agravantes e a satisfação do dano causado pelo delito.

O Título II tratou especificamente das penalidades: pena de morte220; galés221; prisão com trabalhos forçados222; prisão simples223; banimento224; degredo225; desterro226; multa227; suspensão do emprego228; perda do emprego229 e açoite ± esta última destinada apenas ao réu escravo230.

$SULVmRFXVWyGLDQmRHUDFRQVLGHUDGDSHQDQRVWHUPRVGRDUWLJR³Não se consLGHUDSHQDDSULVmRGRLQGLFLDGRGHFXOSDSDUDSUHYLQLUDIXJLGD  ´+DYLDGXDV espécies de prisão: a prisão com trabalhos forçados e a prisão simples.

O Código trouxe previsões acerca dos estabelecimentos prisionais:

Art. 48. Estas penas de prisão serão cumpridas nas prisões publicas, que offerecerem maior commodidade, e segurança, e na maior proximidade, que fôr possivel, dos lugares dos delictos, devendo ser designadas pelos Juizes na sentença. Quando porém fôr de prisão simples, que não exceda a seis mezes, cumprir-se-ha qualquer prisão, que haja no lugar da residencia do réo, ou em, algum outra proximo, devendo fazer- se na sentença, a mesma designação.

219ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 216. 220 Artigos 38 a 43. 221 Artigos 44 e 45. 222 Artigos 46. 223 Artigo 47. 224 Artigo 50. 225 Artigo 51. 226 Artigo 52. 227 Artigo 55. 228 Artigo 58. 229 Artigo 59. 230 Artigo 60.

Art. 49. Emquanto se não estabelecerem as prisões com as commodidades, e arranjos, necessarios para o trabalho dos réos, as penas de prisão com trabalho serão substituidas pelas de prisão simples, acrescentando-se em tal caso á esta mais a sexta parte do tempo, por que aquellas deveriam impor-OKH´

A pena de multa, cuja forma de aplicação consistiu em importante inovação acerca da matéria, era estabelecida de acordo com o sistema do dia-multa e quando não cumprida, era convertida em prisão.

Os condenados às penas de galés, prisão com trabalho, prisão simples, degredo e desterro perdiam os direitos políticos enquanto durassem os efeitos da condenação231. Importante registrar que as penas eram imprescritíveis232.

Apesar de haver representado inegável avanço da legislação pátria, principalmente pela desvinculação com o sistema penal medieval, o Código de 1830, conservou resíduos da sociedade repressora e escravocrata. No entanto, foi criticado à época por ser liberal e, assim, contribuir para o crescimento da criminalidade.

Após a Proclamação da República, mostrou-se necessária a reformulação da legislação penal com vistas a adaptá-la às exigências da nova aristocracia burguesa. O novo projeto de código foi elaborado pelo Conselheiro Batista Pereira e submetido a exame por uma comissão nomeada pelo Ministro da Justiça e por este presidida.

Finalizados os trabalhos, o novo código integrou o ordenamento jurídico por determinação do Dec. 847, de 11 de outubro de 1890. O Código Penal republicano de 1890 sofreu forte influência do Código Penal italiano de 1888, conhecido como Código Zanardelli e do Código Holandês de 1881.

Apesar de haver sido criticado e tachado de arcaico, o diploma apresentou-se altamente racional, em conformidade com as idéias da Escola Clássica233. Por certo, tal conformidade se contrapôs aos ideais positivistas que flamejavam com a República; o que ocasionou as mencionadas críticas dirigidas ao texto legal. Assim, o código terminou por sofrer a interferência de inúmeras modificações através de leis esparsas.

O Código de 1890 foi dividido em quatro livros: Livro I ± Dos crimes e das penas; Livro II ± Dos crimes em espécie; Livro III ± Das contravenções em espécie e Livro IV ± Disposições gerais.

231 Artigo 53. 232 Artigo 65. 233

No Livro I, que mais interessa a este trabalho, tratou-se da aplicação e efeitos da lei penal, dos crimes e dos criminosos, da responsabilidade criminal e causas justificativas, das agravantes e atenuantes, das penas e seus efeitos, da extinção e da suspensão da ação penal e da condenação.

As penalidades foram previstas no artigo 43: prisão celular234; banimento235; reclusão236; prisão com trabalho obrigatório237; prisão disciplinar238; interdição239; perda240 ou suspensão241 do emprego público - com ou sem inabilitação para exercer outro; e multa242. O artigo seguinte243 estabeleceu a proibição de penas infamantes e determinou que as penas restritivas da liberdade individual eram temporárias e não poderiam exceder 30 anos.

A prisão celular era cumprida em estabelecimento especial, em regime de isolamento e com trabalho obrigatório, obedecendo-se às seguintes regras:

a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração;

b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder de dous annos; e nos periodos sucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o dia.

Interessante notar que o Código trouxe a delineação inicial de um sistema progressivo, nas regras acima transcritas e no artigo 50, que também merece transcrição:

Art. 50. O condemnado a prisão cellular por tempo excedente de seis annos e que houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser transferido para alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da pena.

§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu. 234 Artigo 45. 235 Artigo 46. 236 Artigo 47. 237 Artigo 48. 238 Artigo 49. 239 Artigo 55. 240 Artigo 56. 241 Artigo 57. 242 Artigo 58. 243 Artigo 44.

§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous annos.

A pena de multa poderia ser convertida em prisão celular, caso fosse descumprida. A reclusão era cumprida em fortaleza, praças de guerra ou estabelecimentos militares e a prisão com trabalho obrigatório em penitenciárias agrícolas ou em presídios militares. A prisão disciplinar era destinada apenas aos menores até 21 anos de idade e deveria ser cumprida em estabelecimentos industriais.

Além do esboço de progressividade no cumprimento da pena, o diploma também previu a possibilidade de livramento condicional,244 a detração penal245 e estabeleceu o direito ao trabalho de acordo com as aptidões do apenado246. No artigo 62 estabeleceu critérios para fixação das penas.

Sobre a legislação penal brasileira do século XIX, Zaffaroni & Pierangeli ensinam que:

O panorama geral da legislação penal do século XIX reflete momentos políticos sumamente demonstrativos e inaugura o claro paralelismo que se estabelece entre a política criminal e a política em geral, que caracteriza a história legislativa penal do Brasil até o presente momento. O século inicia-se com uma legislação de cunho liberal pragmático que corresponde a um despotismo ilustrado e culmina com uma orientação liberal clássica, que foi atacada pelo positivismo. Apresenta um panorama legislativo tão claro que pode-se afirmar que constitui um verdadeiro paraíso para qualquer estudioso da ideologia penal247.

Em 14 de dezembro de 1932, a Consolidação das Leis Penais foi aprovada pelo Decreto n. 22.213. O diploma não significava um novo Código, tratava-se, apenas, de composição do Código de 1890 com a legislação esparsa que o modificou. Contudo, serviu como documento de transição entre o Código Republicano e a reforma penal capitaneada pelo Estado Novo.

244 Artigos 51 e 52. 245 Artigo 60. 246 Artigo 53.

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