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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 A PERIODONTITE E SEUS IMPACTOS SISTÊMICOS

2.3.2 A periodontite como um processo disbiótico

Anteriormente compreendida como uma patologia decorrente da ação de patógenos individuais, dados recentes de análises metagenômicas, metatranscriptômicas e estudos mecanísticos conduzem a interpretação da periodontite como uma patologia decorrente de uma alteração disbiótica da cavidade oral (COSTALONGA; HERZBERG, 2014; WANG, 2015). Associa-se à patogênese periodontal uma dramática mudança na comunidade microbiana simbiótica, que em situações não patológicas é composta principalmente por microrganismos do gênero Actinomyces e Streptococci para uma comunidade disbiótica composta por microrganismos anaeróbicos dos filos Firmicutes, Proteobacteria, Spirochaetes, Bacterioidetes e Synergistetes (DEWHIRST et al., 2010; ABUSLEME et al., 2013).

A alteração disbiótica dos constituintes microbianos da cavidade oral perturba o equilíbrio da microbiota local acarretando na perda da homeostase imuno- inflamatória do tecido periodontal (HAJISHENGALLIS, 2015). Genericamente o sinergismo polimicrobiano decorrente da disbiose do periodonto sugere que a resposta imune do hospedeiro é inicialmente subvertida pelos fatores de virulência dos periodontopatógenos. Nesse processo, os periodontopatógenos são auxiliados por microrganismos periodontais anteriormente não associados a essa patologia e subsequentemente ativados por patobiontes presentes no periodonto (ZENOBIA; HAJISHENSHENGALLIS, 2015).

Essa cadeia de interação entre a microbiota disbiótica acarreta na perda da homeostase do tecido periodontal levando, em indivíduos susceptíveis, as conseqüências inflamatórias destrutivas da resposta imune (MEYLE; CHAPPLE, 2015). Essas conseqüências caracterizam-se histologicamente pela inflamação crônica mediada pela infiltração de linfócitos B, linfócitos T e monócitos; destruição do tecido conectivo e reabsorção óssea alveolar. Além do aumento dos níveis teciduais de mediadores inflamatórios incluindo a IL-1β, TNF-α, interleucina-6 (IL-6), prostaglandina E2 (PGE2) e MMPs no tecido periodontal afetado (KOLLENBRANDER, 2000).

Mecanismos moleculares específicos decorrentes do sinergismo disbiótico entre os periodontopatógenos e os patobiontes orais conduzem a manipulação das respostas imunes e inflamatórias do hospedeiro (AMANO, 2010). Diferentemente dos mecanismos imunossupressores de outros patógenos, a comunidade disbiótica periodontal necessita da inflamação tecidual como fonte de nutrição, mas precisa manipular a fagocitose mediada pelos componentes celulares do sistema imune. Para tanto, os microrganismos disbióticos periodontais apresentam a capacidade de modulação da migração e ativação de neutrófilos, subversão do sistema do complemento e modulação da resposta inflamatória da cavidade oral (MAEKAWA et al., 2014).

Os neutrófilos oriundos do epitélio juncional gengival formam uma primeira barreira de defesa celular da cavidade oral. Em decorrência disso, o epitélio gengival apresenta um gradiente estável de interleucina – 8 (IL-8), sendo essa citocina responsável pelo controle da migração de neutrófilos ao tecido gengival (FIGURA 6) (ZENOBIA; HAJISHENSHENGALLIS, 2015).

FIGURA 6 – Manipulação da migração de neutrófilos ao epitélio gengival induzida pela P. gingivalis

Nota: Em condições homeostáticas os microrganismos orais são controlados imunologicamente pelo recrutamento de neutrófilos em decorrência do gradiente de IL-8 produzido pelo epitélio gengival. A P.

gingivalis apresenta a capacidade de manipular o gradiente de IL-8 pela secreção de SerB, uma

enzima que é capaz de desfosforilar a subunidade p65 do NF-kB inibindo a transcrição de IL-8. Esse processo resulta na paralisação transiente do recrutamento de quimiocinas ao epitélio gengival possibilitando a formação do biofilme dental. Fonte: Adaptado de ZENOBIA, C.; HAJISHENGALLIS, G. Porphyromonas gingivalis virulence factors involved in subversion of leukocytes and microbial dysbiosis. Virulence. v. 6, n. 3, p. 236-243. 2015.

Como estratégia de defesa à barreira de neutrófilos gengivais, a P. gingivalis ao entrar em contato com neutrólifos, especificamente nas bolsas sub-gingivais secreta uma serina fosfatase (SerB). Essa enzima inibe a produção de IL-8 por meio da desfosforilação da serina-536 da subunidade p65 do NF-kB. Essa inibição previne a translocação nuclear e transcrição do gene IL8. Tal mecanismo molecular acarreta na paralisação da sinalização celular por quimiocinas e inibição da migração de neutrófilos para o epitélio gengival (BAINBRIDGE et al., 2010; TAKEUCHI et al., 2013).

A partir desse mecanismo transiente de subversão, a colonização do periodonto pela P. gingivalis leva ao retardo da migração de neutrófilos ao epitélio gengival permitindo a instalação do biofilme dental, sendo a formação deste biofilme um pré-requisito fundamental para a progressão da doença periodontal (MOUTSOPOULOS et al., 2014).

Em cooperação com a modulação dos níveis gengivais de IL-8 os microrganismos P. gingivalis, T. forsythia e P. intermédia a partir das proteases gingipains, karilysin e interpain A, respectivamente, podem proteger-se da opsonização e fagocitose induzida pelo sistema do complemento a partir da degradação da fração C3 do complemento ou de outros componentes-chave dessa via de opsonização (HAJISHENGALLIS, 2010).

A gingipain arginina-específica da P. gingivalis também pode clivar a fração C5 do complemento gerando altas concentrações da fração C5 ativada (C5a) independente da ativação do sistema complemento. Em neutrófilos que reconhecem a P. gingivalis por meio do receptor Toll-Like 2 (TLR2), esse patógeno pode coativar o receptor da fração C5 do complemento (C5aR) e o TLR2 levando a uma sinalização comum (WINGROVE et al., 1992). Em neutrófilos humanos a ativação C5aR-TLR2 leva a ubiquitinação e degradação proteossomal da proteína de diferenciação de resposta mielóide primária 88 (MyD88), que consiste em uma proteína adaptadora da sinalização do TLR2, essa ativação leva por fim a supressão dos efeitos antimicrobianos mediados pelo TLR2 (HAJISHENGALLIS et al., 2013).

Além disso, a interação C5aR-TLR2 ativa uma via alternativa em que a proteína adaptadora TLR-2/MyD88 (MAL) induz a sinalização da proteína fosfoinositídeo-3-quinase (PI3K), que posteriormente inibe a polimerização da actina dependente da família de Rho GTPases. A ativação da via PI3K também estimula a manutenção de uma robusta resposta inflamatória mesmo com a inibição pelos

demais mecanismos da migração de neutrófilos (FIGURA 7) (RYDER 2010; HAJISHENGALLIS et al., 2013).

FIGURA 7 – Subversão da resposta imune oral mediada pelo microrganismo P.gingivalis

Nota: A formação do complexo C5aR-TLR2 induzido pela P. gingivalis ativa a via alternativa da proteína adaptadora TLR-2/MyD88 (Mal) que induz a sinalização da proteína PI3K. Essa via inibe a polimerização da actina dependente de Rho GTPases. Por fim, a P. gingivalis consegue subverter as respostas fagocíticas e antimicrobianas e manter uma resposta inflamatória favorável mediada por neutrófilos. Fonte: Adaptado de ZENOBIA, C.; HAJISHENGALLIS, G. Porphyromonas gingivalis virulence factors involved in subversion of leukocytes and microbial dysbiosis. Virulence. v. 6, n. 3, p. 236-243. 2015.

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