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Capítulo I: As idéias por trás da formação da estrutura sindical brasileira

1.4. A permanência do modelo sindical formado no governo Vargas

A estrutura sindical montada durante o primeiro governo Vargas manteve-se praticamente inalterada até os dias atuais. Essa assertiva merece maior explicação. Segundo Armando Boito Jr., aquela estrutura está assentada nos quatro pilares já apontados – necessidade de reconhecimento por parte do Estado (isto é, sindicato “oficial”), unicidade, imposto sindical e poder normativo da Justiça do Trabalho. Há, no Brasil, de acordo com esse autor110, o que ele denomina de sindicato de Estado, que é formado pelo conjunto de burocratas estatais, sindicalistas e trabalhadores, sindicatos oficiais, Federações, Confederações e a Justiça do Trabalho. Tais elementos se relacionam entre si de forma necessária, caracterizando um todo estruturado. A subordinação do sindicato oficial à cúpula estatal é inerente à forma de organização do aparelho sindical. Além disso, não há como romper com a estrutura sem romper com o sindicato oficial. Este integra o próprio Estado, ou seja, é um ramo do Estado e, nesta medida, está subordinado à cúpula da burocracia estatal – aliás, as palavras de Oliveira Vianna, citadas há pouco, dão mesmo conta de que essa integração era desejada. É o Estado quem concede ao sindicato oficial os poderes de representatividade e negociação (que são, vale lembrar, elementares à atividade sindical). Essa outorga se materializa na investidura sindical, cuja relevância na estrutura vincula-se principalmente à unicidade e às contribuições obrigatórias.

Essa estruturação do aparelho sindical produz diversos efeitos, que podem ser contingentes ou necessários. Armando Boito Jr. distingue, assim, a estrutura de seus efeitos, destacando a invariabilidade daquela. Já quanto a estes, mais superficiais, visíveis e variáveis em intensidade conforme a conjuntura, podem ser constatados principalmente na deposição de diretorias de sindicatos, na existência de normas obrigatórias para os estatutos, na tutela das eleições sindicais e da própria ação reivindicativa (com o escalonamento das datas-base, por exemplo).111

Partindo dessa constatação, ou seja, da identificação dos quatro pilares e da diferença entre a estrutura e seus efeitos, é possível acentuar de forma mais clara a longevidade do arranjo construído entre 1930 e 1943. Mas a significativa duração de nosso

110 Cf. BOITO JR., Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil – uma análise crítica da estrutura sindical. 111 BOITO JR, Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil – uma análise crítica da estrutura sindical, p.

modelo sindical é igualmente enfatizada por autores que, contudo, não procedem àquela distinção entre a estrutura e seus efeitos (pelo menos não de forma explícita).

Também Michael Hall destaca que os aspectos essenciais do sistema sindical brasileiro foram mantidos até hoje, resistindo a sensíveis mudanças econômicas, a dois momentos de “transição democrática” e a uma diversidade de regimes políticos.112 Já Leôncio Martins Rodrigues considera o modelo sindical brasileiro, que começou a ser estabelecido na década de 30, uma das instituições mais duradouras do país. Para ele, o sindicalismo corporativo previsto na Consolidação das Leis do Trabalho conviveu com o regime plural da Constituição de 1946, com o bipartidarismo da ditadura militar e com o atual pluripartidarismo. Esse modelo sobreviveu a mudanças político-institucionais e a modificações sociais, econômicas e culturais. Leôncio Rodrigues defende que a estrutura sindical possui “raízes profundas em nossa vida política e social”.113

Angela Araújo destaca que, na transição democrática dos anos 1980, o regime político foi alterado, mas não a estrutura sindical corporativista, ou seja, esta, novamente, em um contexto de ruptura, não passou por mudanças significativas. A autora afirma que elementos como a unicidade e o imposto sindical resistiram devido à pressão de certos setores majoritários do sindicalismo, o que a levaria a supor que “a sobrevivência da estrutura corporativista era garantida também pelo próprio movimento sindical”.114

Como indicam esses autores, a estrutura sindical corporativa foi mantida em ocasiões que, potencialmente, poderiam alterá-la de forma decisiva. Diversos usos da estrutura foram feitos tanto pelo Estado quanto pelos próprios trabalhadores. Ela resistiu à saída de Vargas do poder e à redemocratização do país na década de 40. Foi preservada também pela ditadura militar iniciada em 1964, subsistindo ao enfraquecimento dessa última nos anos oitenta e à transição democrática subseqüente.

O objetivo do presente trabalho, a partir daqui, será investigar um desses momentos, considerado fundamental para a democracia e o constitucionalismo brasileiros, qual seja, a elaboração da Constituição de 1988, no contexto da ruptura com a ordem autocrática instaurada na década de 60. Procederemos ao exame dos debates ocorridos na

112 HALL, Michael. “Corporativismo e Fascismo”, p. 13/15.

113 RODRIGUES, Leôncio Martins. “O sindicalismo corporativo no Brasil”, p. 49. Segundo esse autor, essas

raízes estariam vinculadas principalmente à debilidade de algumas classes sociais em face do Estado burocratizado, o que, aliás, teria estimulado o pensamento autoritário na década de 1930. A estrutura corporativa teria sido utilizada também por tradicionais famílias agrárias, como forma de manutenção do status, e pelos próprios trabalhadores, sobretudo os menos organizados e combativos.

114 ARAÚJO, Angela Maria Carneiro. “Estado e Trabalhadores – a montagem da estrutura sindical corporativista

Assembléia Nacional Constituinte, que funcionou no período de 1º de fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988.

Teremos por eixo de nossa investigação as discussões em torno da regra do sindicato único, prevista no art. 8º, inciso II, da Constituição. A exigência legal de reconhecimento do sindicato pelo Estado subsiste exatamente pela previsão da unicidade sindical. Com efeito, numa ordem em que a criação das entidades profissionais independe de autorização estatal – como disposto no atual texto constitucional (art. 8º, inciso I) –, o reconhecimento pelo Estado, por meio do Ministério do Trabalho, destina-se de forma preponderante a assegurar a própria regra da unicidade.115

A pesquisa será orientada em torno de algumas indagações. Qual a perspectiva da relação entre Estado, sindicatos e trabalhadores subjacente à previsão constitucional da unicidade? Será ela um resquício de uma concepção própria de Estado Social? E mais, até que ponto a regra da unicidade e as implicações que dela decorrem - como a imposição estatal da forma de organização dos trabalhadores - são compatíveis com a identidade constitucional da Carta de 1988, que afirma instituir (ou melhor, “constituir”) um Estado Democrático de Direito?

115 No julgamento do Mandado de Injunção nº 144-8/SP, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o registro no

órgão competente (a que se refere o art. 8º, I, da Constituição) tem por finalidade, tão somente, garantir a observância do princípio da unicidade (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão publicada no Diário de Justiça de 28.5.1993).

Capítulo II: Os debates sobre organização sindical na Assembléia