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2 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DO

2.3 A Perspectiva da Contextualização no Ensino de Ciências da Natureza

Discutir a perspectiva da contextualização dos conteúdos do ensino de CNT, neste trabalho, pressupõe a visão de que a Ciência é uma atividade humana que permite a produção e validação de conhecimentos no âmbito de comunidades específicas de pesquisadores, mediante um caminho nunca linear. Podemos chamar de Ciência um conjunto de processos histórico-culturais de produção e validação de novos conhecimentos sobre realidades que mudam, ou podem mudar, nos diversos tempos ou lugares sociais. Os cientistas são histórica e culturalmente influenciados pelos pensamentos típicos de diferentes períodos e contextos. Mesmo as teorias que hoje são refutadas, de alguma forma, contribuíram para a Ciência se consolidar e dispor de todos os conhecimentos dos dias atuais.

Contudo, como já referido, o ensino de CNT denota influências tradicionalmente disseminadas, em contextos educativos diversificados, marcadas por concepções empiristas/indutivistas de Ciência, o que coloca a necessidade e importância de estudos e discussões, em processos de formação de professores sobre implicações de concepções de Ciência no ensino de CNT. Assumir que é papel da escola e, dentro dela, do professor de CNT, disponibilizar aos cidadãos o acesso aos conhecimentos produzidos nas Ciências implica desenvolver e compreender modos adequados de transformação dos conhecimentos científicos em conhecimentos escolares, os quais, por natureza, mantêm relações com

conhecimentos cotidianos. Neste trabalho a atenção volta-se à compreensão de processos de significação do conceito ‘energia’, frente às críticas ao ensino tradicional, referidas anteriormente, assumindo a visão de uma formação escolar ‘para todos’, na qual uma das perspectivas atualmente consideradas é a da contextualização dos conteúdos do ensino escolar.

A universalização do direito à Educação Básica até o final do EM é reveladora da mudança radical do perfil da reforma educativa que passou a marcar o desenvolvimento curricular, no país, buscando superar o modelo caracteristicamente elitista de organização do ensino, no seio das políticas públicas anteriores à LDBEN (BRASIL, 1996). No entanto, apesar das novas políticas, muitos professores de CNT ainda se mantêm alijados do acesso aos avanços dos conhecimentos, sejam os relativos às novas perspectivas curriculares, sejam os relativos aos próprios conhecimentos dos conteúdos do ensino que ministram. Convivemos, ainda hoje, com a tendência de manutenção do status quo, sendo constantes os desafios e as dificuldades enfrentadas por parte de grupos organizados que buscam propiciar, na prática, a reforma curricular do sistema educacional.

Preocupações de educadores e pesquisadores da área de ensino CNT, em especial a partir da década de 1980, diante das limitações percebidas no contexto educacional marcado pela pouca significação dos conteúdos, inexistência de vinculação a situações reais, pouco interesse e aprendizado por parte dos estudantes, ensino de transmissão e repetição com caráter conteudista, altos índices de repetência e evasão escolar, entre outras dificuldades, trilharam um caminho propulsor para a construção e estabelecimento de leis, parâmetros e diretrizes que orientam o desenvolvimento de um ensino que supere as dificuldades presentes até então.

Nessa perspectiva, as reflexões de educadores, pesquisadores, instituições governamentais e cidadãos interessados em mudar os rumos da educação neste país permitiram a construção de documentos que fundamentam as ações educativas atuais. De acordo com Nardi (2007):

A institucionalização da ciência em nível escolar se dá através do estabelecimento de vários mecanismos: legislações e normas, posteriormente assumidas em caráter oficial pelos governos através da determinação de parâmetros, diretrizes curriculares, currículos mínimos; a criação de cursos de formação de professores específicos para o ensino da ciência em suas diversas ramificações ou modalidades; e a criação de outras instâncias paralelas-geralmente chamadas de não-formais, como centros de ciências e revistas de divulgação (p.359).

Sugestões expressas nas orientações curriculares oficiais publicadas em documentos como a Constituição Federal (1988), a LDBEN (BRASIL, 1996), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 1999) e por fim as OCNEM (BRASIL, 2006), constituem uma documentação consolidada por uma caminhada histórica na educação, de fundamental importância na perspectiva de auxiliar na melhoria da qualidade educativa dos espaços de ensino e formação brasileiros, com uma preocupação voltada para a valorização dos docentes da educação básica.

Todos esses documentos resultam de quase duas décadas de intenso repensar e questionar sobre as maneiras de como a educação nacional estava sendo trabalhada nos vários níveis e áreas. Os parâmetros, diretrizes e organizações curriculares foram publicados após a instituição em nível nacional da LDBEN (BRASIL, 1996), com a responsabilidade de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas abordagens e metodologias.

Reflexões desenvolvidas durante a elaboração de leis, diretrizes e orientações curriculares partiram da consideração de que um avanço necessário estava se tornando presente na área de CNT. Nessa perspectiva, as mudanças passaram a ser compreendidas como um processo complexo e interligado, que contempla vários saberes, que não se restringem a uma única disciplina.

Mesmo que a LDBEN não coloque referências aos eixos da contextualização e interdisciplinaridade, ela explicita a preocupação com um ensino que garanta “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). Acredita-se que o desenvolvimento de um ensino com características conceituais e contextuais seja capaz de contemplar exigências de formação expressas pela LDBEN.

Pode-se dizer que a reforma curricular em andamento no país objetiva ampliar os processos de aprendizagem significativa ao longo do desenvolvimento dos conteúdos, relacionando-os com a realidade dos estudantes, na perspectiva da contextualização dos conhecimentos escolares, no ensino. Acredita-se que somente se voltarmos atenções a esta perspectiva é que será possível uma reorganização curricular do EM que contemple a formação dos estudantes com significações no contexto da ampla globalização que marca o meio social e escolar, de modo que no contexto escolar possa acontecer a formação de sujeitos ativos, críticos e participativos, capazes de construir respostas adequadas a problemas atuais e novas situações reais (BRASIL, 1996).

Atualmente vivemos a era da informação e dos avanços tecnológicos de comunicação, nos quais temas de CNT são amplamente apresentados nos variados meios de comunicação, instigando os professores a apresentarem esses assuntos aos estudantes, possibilitando que os mesmos associem suas realidades com os conceitos científicos básicos. Um ensino pautado na memorização e reprodução mecânica de conteúdos acabados contribui para a descaracterização de uma Ciência que se preocupa com os diversos aspectos da vida e com a formação de uma visão do homem e de seu papel no mundo em transformação (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, torna-se necessário repensar e superar as práticas tradicionais de ensino dos conteúdos científicos escolares, que ainda subsistem, em que pese às amplas possibilidades de mudança propostas pelas OCNEM (BRASIL, 2006). As possibilidades de ruptura com o modelo tradicional de ensino estão colocadas há vários anos como alternativa de os professores repensarem sua prática pedagógica, na perspectiva de promover um processo de ensino-aprendizagem mais significativo, que contemple expectativas de desenvolvimento mental, cognitivo dos estudantes.

No cenário da reforma curricular vigente no país, para ensinar CNT, é fundamental enfrentar e saber lidar com constantes desafios. Um deles é propiciar ao estudante a participação em debates contemporâneos, que exijam conhecimentos conceituais para tomadas de decisões com responsabilidade social. Outro desafio é a formação do indivíduo com um sólido conhecimento na área científica e com raciocínio crítico e (re)construtivo. Cotidianamente, a população, embora sujeita a uma variedade de propagandas e campanhas, e mesmo diante de uma gama de informações e posicionamentos, sente-se pouco confiante para opinar sobre temas polêmicos e que podem interferir diretamente em suas condições de vida (BRASIL, 2006).

Nessa perspectiva, o ensino de CNT tem a pretensão de instrumentalizar o estudante, mediante conhecimentos associados a atitudes, valores e ações, para que ele possa se posicionar crítica e responsavelmente, diante de questões que se apresentam no seu dia-a-dia. Trata-se, portanto, de capacitá-lo para interpretar fatos e fenômenos à luz dos conhecimentos escolares, mais especificamente, da área de CNT, para que seja sujeito ativo, com visão crítica e argumentativa, usando conhecimentos enriquecidos pelos estudos escolares. Defende-se uma (re)contextualização e significação dos conhecimentos científicos em aulas de CNT, não como conhecimentos ‘colocados a prova’ mas sim como conhecimentos cuja apropriação pelos estudantes, em âmbito escolar, é importante.

Nesse cenário problemático, com as discussões apresentadas neste capítulo, defende- se a atenção à necessária reflexão epistemológica sobre a especificidade dos conhecimentos científicos e cotidianos que, produzidos pela humanidade, são prementes de co-participarem no ensino de CNT, nos espaços educacionais diversificados, proporcionando e estimulando uma visão mais ampliada e crítica da realidade, à luz das Ciências. Refletir sobre a especificidade dos conhecimentos escolares e sobre o que se pretende com a produção e recriação dos mesmos é algo bastante complexo, sendo importante promover reflexões sobre tal complexidade, em espaços de formação para o ensino de CNT. Tal formação carece de novas ações e interações, em busca de novas compreensões sobre as mudanças curriculares em andamento no país, sendo essencial a conscientização e participação ativa dos agentes envolvidos nos processos de mudança.

Nesse sentido, ao pensar num currículo para formação de professores do ensino de ciências, logo temos que pensar na necessidade de mapear os conteúdos dessa disciplina, de tal maneira a formar um currículo com disciplinas relevantes e que propicie a integração entre os conteúdos e áreas específicas da ciência que está dentro da disciplina de ciências. É importante pensarmos num currículo interdisciplinar de formação de professores para esse ensino, levando o educando a construir um conhecimento global, não permitindo uma organização curricular fragmentada e compartimentalizada. Assim, acreditamos que devemos dar uma melhor atenção nos modelos de currículo para a formação desses professores, e também, analisar qual seria um modelo de currículo que contemple a formação de um professor que seja apto a trabalhar interdisciplinarmente com os conteúdos das diversas ciências no ensino fundamental (FRACALANZA, 2006, p. 211).

Assim, está-se ciente da necessidade de maior consideração, em contextos de ensino e de formação para o ensino em CNT, da dinamicidade e complexidade dos conhecimentos e das relações imbricadas na construção de uma organização curricular com características contextuais atualmente propostas, frente ao pressuposto de que:

O conhecimento escolar seria estruturado de maneira a viabilizar o domínio do conhecimento científico sistematizado na educação formal, reconhecendo sua relação com o cotidiano e as possibilidades de uso dos conhecimentos apreendidos em situações diferenciadas da vida. Essa proposta depende, para a concretização, de que o professor se torne mediador entre o conhecimento sistematizado e o aluno, para que este consiga transpor para o cotidiano os conteúdos apropriados em sala de aula. (OCNEM, BRASIL, 2006, p. 18).

Nesse cenário problemático, situa-se e justifica-se a importância da linha de investigação deste trabalho, que, sem deixar de dar atenção a formas de (re)contextualização didática das abordagens tipicamente escolares, busca avanços na compreensão, sobretudo, dos

processos de significação conceitual, especificamente, de ‘energia’, temática que é enfocada no capítulo que segue.

3 O CONCEITO ENERGIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS