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2.3 O INPUT NA AQUISIÇÃO DE L2: SUBSÍDIOS PARA A COMPREENSÃO DA APRENDIZAGEM DA

2.3.1 Sobre a noção de Input

2.3.1.2 A pesquisa de Goodall

Goodall (2010) realiza pesquisa para avaliar a qualidade do input em livros didáticos destinados ao ensino de espanhol como L2, buscando averiguar se o input oferecido nos livros seria o adequado, em qualidade e quantidade, por meio da comparação da frequência de uso de duas estruturas gramaticais nos respectivos livros didáticos e em um corpus oral do espanhol.

O autor argumenta que o problema lógico da aquisição, além de ser um tema chave de pesquisa em aquisição de L1,50 também se manifesta em SLA.51 Para ele, traçar um panorama do fenômeno em L2 é mais complicado, uma vez que adultos apresentam particularidades que os tornam mais heterogêneos que as crianças em situação de aquisição de L1, como, por exemplo, a exposição a diferentes experiências prévias ao longo do processo. E, em se tratando de ambiente de aquisição em sala de aula, alguns dificultadores são adicionados; dentre eles, Goodall (2003) cita a relação com outros aprendizes que desconhecem ou conhecem muito pouco do idioma, havendo, portanto, dificuldades inerentes à criação de um ambiente linguístico para tal finalidade. Por outro lado, o ambiente instrucional manifesta algumas vantagens em comparação ao natural, como a possibilidade de se trabalhar com dados negativos ou a possibilidade de se adaptar ou seccionar elementos relevantes do input para facilitar a aquisição e reduzir a chance desses itens serem perdidos/ignorados.

A pesquisa aborda dois tipos de input instrucional para aquisição de espanhol como L2 que demonstram efeitos inversos: a) o primeiro deles seria um exemplo de input em que o ambiente de sala de aula aparenta ser mais rico que o natural e envolve o ensino das formas verbais progressivas; b) o segundo tipo exemplifica um caso em que o ambiente instrucional é mais pobre quando comparado ao dito natural e envolve o ensino de verbos pronominais. Para estabelecer o paralelo entre o ambiente instrucional e o natural, definido por Goodall (2010) como aquele em que o adulto seria exposto ao longo da vida cotidiana, o autor analisa a maneira como estruturas gramaticais são abordadas nos três livros didáticos mais adotados para o ensino de espanhol na América do Norte, e compara os resultados aos dados do Corpus del Español,52 de Mark Davies, relativo a textos orais do século XX, como uma aproximação do ambiente disponível para aprendizes em configurações naturais.

As formas verbais progressivas apresentam a seguinte estrutura: raiz + vogal temática + ndo e são acompanhadas, frequentemente, da forma finita do verbo ‘estar’, tal como ilustrado em (38):

50 Para mais detalhes sobre o ‘problema lógico da aquisição’, ver Weler & Culicover (1980). Para uma visão que explora a ideia de que o ambiente pode ser mais rico do que aparenta, ver Tomasello (2003). Porém, para uma análise em que se considera que as estruturas mentais inatas da criança desempenham um papel mais ativo e complexo no processo de aquisição, ver Pinker (1995).

51 Ver os trabalhos de Schwartz & Sprouse (2000), White (2003).

(38) Estoy hablando

Estar 1s falar – PROG ‘estou falando’

A frequência no emprego da forma verbal progressiva foi comparada a outras formas verbais do espanhol, tendo como base para análise as já citadas narrativas orais do século XX do Corpus del Español. O resultado é o que se apresenta na tabela abaixo:

Tabela 7: Frequência das formas verbais no Corpus del Español séc. XX

Fonte: Extraída de Goodall (2010, p. 261)

Somente 3,1% do total das formas verbais encontravam-se no progressivo, fato que revela a baixa frequência dessa formal verbal em ambiente linguístico natural. A análise do input instrucional, por seu turno, merece atenção maior, pois, como revela Goodall (2010), esse tipo de input difere do natural ao escalonar a introdução de estruturas gramaticais; em outras palavras, os alunos são postos em contato com as diversas estruturas gramaticais da língua paulatinamente. Dito isso, quanto mais cedo uma forma é introduzida, mais tempo de frequência ela terá no input, já que, a partir de sua introdução, a forma é licenciada para ser utilizada em capítulos subsequentes.

Forma verbal Número de aparições Porcentagem (%)

Presente 376.250 47,8% Infinitivo 143.839 18,3% Particípio 63.829 8,1% Imperfeito 57.134 7,3% Pretérito 54.079 6,9% Presente do subjuntivo 38.228 4,9% Progressivo 24.657 3,1% Condicional 10.526 1,3% Futuro 9.647 1,2% Subjuntivo - ra 7.596 1,0% Subjuntivo - se 753 0,1% Futuro do subjuntivo 34 0,0% Total 786.572 100,0%

Nos três livros didáticos analisados pelo autor, o progressivo é introduzido no capítulo 5 de um total de 16 ou 18 capítulos,53 o que sugere que a frequência do input é relativamente alta. Logo, parece haver uma discrepância na frequência entre os dois tipos de input: natural e instrucional. A pergunta de Goodall é: a diferença na qualidade e quantidade entre os input instrucional e natural afetaria de alguma maneira a aquisição do progressivo?

O autor examina a forma morfológica e o significado do progressivo e argumenta que este possui uma estrutura simples e bastante regular, demandando pouca exposição ao input. Em termos de significado, os falantes nativos do inglês precisam adquirir a noção de que o presente simples em espanhol, ao contrário do inglês, não é perfectivo, aceitando construções como em (39), que são abundantes na língua. E, considerando que formas mais simples bloqueiam formais mais complexas/elaboradas, o aprendiz concluiria que formas como (40) são empregadas em contextos marcados. Some-se a isso o fato de o aprendiz ser exposto a muitos exemplos de (39a) e poucos dados como (40a).

(39) a. ¿Adónde vas? where go.2s

‘Where are you going?’ b. *Where do you go?

(40) a. a. ¿Adónde estás yendo? where be.2s go-NDO ‘Where are you going?’ b. Where are you going?

Goodall conclui que, no que tange à morfologia, pouca exposição seria necessária, uma vez que a forma gramatical se mostra muito regular e, com relação ao significado, exposição elevada do aprendiz a tal estrutura camuflaria o caráter marcado da construção. Apesar disso, o input oferecido nos livros didáticos não condiz com a necessidade descrita pelo autor. O gráfico abaixo mostra que há uma quantidade expressiva de input do progressivo.

53 Duas obras possuem 18 capítulos, quais sejam: a de Knorre, Dorwick, Pérez Gironés & Glass (2008 apud Goodall, 2010) e Blanco & Donley (2007 apud Goodall, 2010), e uma obra possui um capítulo: a de Terrell, Andrade, Egasse & Muῆoz (2005 apud Goodall, 2010).

Gráfico 1: Porcentagem do Input das quatro formas verbais nos primeiros capítulos dos livros didáticos

Fonte: Adaptado de Goodall (2010, p. 264)

O segundo caso estudado por Goodall (2010) refere-se aos verbos pronominais, definidos como aqueles em que a flexão verbal concorda em número e pessoa com um clítico, tal como em (41):

(41) Me acuerdo. 1s remember.1s ‘I remember’

Os verbos pronominais podem ser usados em sentido reflexivo, que é o mais comum (41). Porém, outros usos são possíveis,54 tais como: verbos de processos mentais ou estado (42) e (43) e adição de informação aspectual (44):

(42) Me veo 1s see.1s ‘I see myself’

(43) Me alegro

1s make-happy.1s ‘I am happy’

(44) Me comí el pan.

1s eat.PRET.1S the bread ‘I ate the bread (completely)’.

54 Goodall (2010) reforça que essa classificação não é exaustiva e que muitos exemplos não se encaixam em nenhuma das categorias citadas.

100% 60% 60% 60% 30% 20% 20% 0% 40% 40% 40% 30% 20% 20% 0% 0% 0% 0% 40% 20% 20% 0% 0% 0% 0% 0% 40% 40% 0% 20% 40% 60% 80% 100% 120%

Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto Setimo

Porcentagem das formas verbais nos livros didáticos

Em sua análise do Corpus del Español, o autor chega a 4042 verbos pronominais, que classifica em reflexivos e não reflexivos. O resultado dessa classificação pode ser verificado na tabela (8) a seguir:

Tabela 8: Verbos reflexivos versus outros verbos Corpus del Español séc. XX

Fonte: Goodall (2010, p. 266)

A tabela 8 ilustra que a quantidade de verbos reflexivos é pequena quando comparada aos demais verbos pronominais. Goodall (2010) reforça, inclusive, que os verbos pronominais mais empregados na língua não são reflexivos, como podemos observar no gráfico (2):

Gráfico 2: Verbos pronominais mais frequentes no Corpus del Espanõl séc. XX

Fonte: Goodall (2010, p. 267)

Passando à análise do input instrucional, por meio da avaliação dos verbos pronominais nos livros didáticos mencionados inicialmente, o que se observa é a predominância de verbos reflexivos, de modo que há pouca ou quase nenhuma atenção aos demais verbos pronominais que são, na verdade, os mais usuais em ambiente natural.

Verbos Quantidades Porcentagem %

Reflexivos 468 12% Outros verbos pronominais 3.574 88%

Total 4.042 100% 735 610 301 228 181 172 162 146 140 65 0 200 400 600 800 acordarse ‘remember’ irse ‘depart’ imaginarse ‘imagine’ sentirse ‘feel’ referirse ‘refer’ quedarse ‘stay behind’ darse (idiomatico) encontrarse ‘find’ ponerse ‘start’ casarse ‘get married’

Tabela 9: Verbos reflexivos e pronominais mais frequentes nos três livros didáticos

Fonte: Adaptada de Goodall (2010, p. 267)

Diante do exposto, Goodall conclui que as diferenças entre input natural e instrucional podem prejudicar a aquisição do aprendiz de L2 em ambiente escolar.

No que tange ao progressivo, a diferença na quantidade e qualidade do input resulta em excesso de representação dessa forma no input instrucional, gerando déficit para a aquisição de significado, embora não prejudique a aquisição da morfologia. No que diz respeito aos verbos pronominais, a baixa representação dos verbos pronominais mais utilizados acarreta prejuízos para a aquisição tanto em aspectos morfológicos quanto de significado.

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