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A pesquisa em gestão por competências no setor público

2.3 COMPETÊNCIA: ORIGEM E DIVERSIDADE DE CONCEPÇÕES

2.3.2 A pesquisa em gestão por competências no setor público

Molon-da-Silva e Mello (2011), em uma revisão integrativa sobre o tema na administração pública, apresentam algumas experiências vinculando competência à atuação

estratégica da GP em diferentes órgãos e setores de organizações públicas. Apesar da constatação de práticas estratégicas, as autoras concluem que ainda há um longo caminho a ser percorrido, tendo em vista os diversos obstáculos – individuais e coletivos - característicos deste setor. Alertam ainda que o sucesso para o desenvolvimento de competências parte do reconhecimento prévio que se trata de “um processo evolucionário com eventos planejados e espontâneos que visam transformar comportamentos e atitudes, o que leva tempo e exige paciência ao longo das ações organizacionais do dia a dia” (MOLON-DA-SILVA; MELLO, 2011, p. 178).

Sena (2012) analisou a produção científica sobre competências em instituições públicas nos seguintes periódicos: Revista de Administração Pública (RAP), Revista o Serviço Público (RSP) e Cadernos EBAPE, todas com qualificação Capes (Qualis) no nível A ou B, além de se caracterizarem como revistas de potencial interesse em temas correlatos ao setor público. O recorte temporal estabelecido foi de 1996 à 2011, compreendendo 20 artigos, analisados e categorizados por meio de análise de conteúdo.

Em termos quantitativos de publicações, percebe-se uma certa evolução linear no estudo de Sena (2012): entre 1996 a 1999, uma publicação; entre 2000 e 2005, cinco; entre 2006 à 2008, sete; por fim, o período final de 2009 à 2011 abrangendo oito publicações. Confirma-se, portanto, a influência da edição do Decreto 5.707/2006 na produção dos anos imediatamente posteriores. Os artigos, em geral, tratam o tema de forma bastante heterogênea, corroborando os achados de Ruas et al (2010), com tendência a adotarem os conceitos de competência individual e organizacional de forma mesclada, buscando atrelar-se ao conceito de gestão de - ou por - competências. Além disso, a ampla gama de conceituações dificulta uma sistematização eficaz para a consolidação do tema e de uma agenda de pesquisas.

Na mesma linha, o estudo realizado por Mello, Fonseca e Santos (2015) buscou analisar as publicações acerca de competências nos anais do Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho – EnGPR, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – ANPAD, entre os anos de 2007 à 2013, totalizando 59 artigos. A partir do estudo constatou-se a predominância de estudos qualitativos e atrelados à concepção de competências individuais (consubstanciada no termo CHA), além de debates teóricos superando o campo prático de aplicação. Considerando o recorte metodológico, verificou-se maior incidência de estudos teórico-empírico em organizações privadas em

relação às públicas. As conclusões indicam que barreiras tradicionais relacionadas ao setor público, como regulação específica e estabilidade no cargo podem justificar o menor número de trabalhos. Em contrapartida, corroborando estudos anteriores (SENA, 2012; MOLON-DA- SILVA; MELLO, 2011; MOLON-DA-SILVA, MELLO, TORRES, 2013) apontam para o longo caminho a ser percorrido por organizações públicas e a importância do debate acadêmico nesse processo.

Em um estudo realizado por Ubeda e Ferreira (2016), buscou-se identificar os desafios para a inserção da perspectiva da competência na gestão estratégica de pessoas, com foco em organizações públicas, através de um estudo bibliométrico em periódicos científicos classificados com Qualis Capes entre A1 e B3, entre os anos de 2002 a 2015. O estudo tratou o tema de forma mais abrangente, incluindo outros temas que mantém relação com competências, como remuneração e carreira, treinamento, clima organizacional e gestão do conhecimento. Entre as conclusões do estudo, aponta-se que os temas remuneração e clima organizacional foram os mais pesquisados neste período, nestes estratos selecionados, enquanto o tema gestão por competências foi de menor incidência nas publicações, corroborando a escassez de trabalhos quando se trata de organizações públicas.

Em um dos mais recentes estudos bibliométricos, Montezano, Medeiros e Filho (2018) realizaram amplo levantamento de artigos acerca da gestão de competências no contexto do setor público. Para tanto, buscaram nas bases de dados Periódicos Capes, SPEEL, SCIELO, Google Acadêmico, Anais da ANPAD, Anais dos Seminários de Pesquisas em Administração (SEMEAD), Anais do Conselho Nacional de Secretários de Estado (CONSAD). O levantamento considerou os principais congressos em administração do país, no intuito de identificar trabalhos que ainda não tivessem tido tempo hábil de publicação em periódicos, considerando a lacuna temporal entre avaliação e publicação de um artigo. Assim, foram selecionados 82 artigos, sendo 31 deles publicados em eventos científicos e 51 em periódicos. A figura 2 apresenta a distribuição das publicações estratificado por ano de divulgação.

Entre as publicações em eventos, destaca-se o ENANPAD e o Encontro nacional de Administração pública (ENAPG), ambos organizados pela ANPAD, representando 45% das publicações no referido período, confirmando a relevância e contemporaneidade do tema na academia. É aparente, ainda, o baixo número de publicações entre 2008 e 2011, situação que se alterou com a maior expressividade das publicações entre 2014 e 2017. Essa última análise contraria os achados de Ruas et al (2010), que sugeriram o possível esgotamento das

discussões sobre competências, haja vista a comprovação da sua aplicabilidade nas organizações. Nesse ponto, a aplicabilidade no setor público, pelo contrário, permanece como grande desafio ainda hoje.

Figura 2: Produção brasileira em gestão por competências no setor público

Fonte: Montezano, Medeiros e Filho (2018, p. 7)

Em relação ao objetivo dos artigos, identificou-se que 34,1% trataram a gestão por competências de modo geral; 57,3% abordaram apenas uma etapa da GC, enquanto os demais trataram de duas, três ou cinco etapas deste ciclo de GC, partindo da classificação proposta por Brandão e Bahry (2005), o qual compreende: formulação da estratégia, o diagnóstico de competências, a captação e desenvolvimento de competências, o acompanhamento e avaliação, seguidos da recompensa, conforme Figura 1. No que se refere ao campo de aplicação, as pesquisas em geral foram realizadas em organizações federais (69,4%), seguidas de estaduais (13,9%) e municipais (4,2%). Quanto a esfera de poder, tem-se o poder executivo concentrando a maioria dos estudos (75%), enquanto o legislativo e o Ministério Público apresentaram as menores incidências (1,4% ambos). (MONTEZANO; MEDEIROS; FILHO, 2018)

Entre as conclusões, destaca-se inicialmente a confirmação de que a GC neste setor é considerada estratégica e contribui para a melhoria da qualidade do serviço público prestado, havendo, em contrapartida, barreiras e facilitadores que precisam ser gerenciados para a efetiva implantação desse modelo. Quanto a aplicabilidade, corroborando estudos anteriores (ver MELLO, FONSECA e SANTOS, 2015), os autores apontam que o Decreto 5.707 deixou

lacunas nesse sentido, já que não definiu prazos nem mecanismos de implementação, deixando muitas questões em aberto para as organizações. Em razão disso, os estudos quanto a aplicabilidade continuam dispersos, havendo mais discussões de fundamentos teóricos do que investigação de cases reais de sucesso, deixando questões latentes, como: “por que a efetiva implantação do modelo de gestão por competências não está ocorrendo na prática?” e “quais foram as reais contribuições do Decreto nº 5.707/2006 para a gestão por competências no setor público?” (MONTEZANO; MEDEIROS; FILHO, 2018, p. 13).

Em síntese, os achados corroboram o interesse e a relevância deste tema para as organizações públicas. Embora o marco regulatório tenha ocorrido há mais de dez anos, através do Decreto 5.707/2006, há praticamente unanimidade entre os autores quanto aos desafios para a efetiva implantação desse modelo de gestão. Os estudos ainda são dispersos e a multiplicidade de conceitos que permeiam este tema acaba dificultando a realização de estudos de maior amplitude e possíveis de generalização. Esse ponto é influenciado pela relativa autonomia delegada aos órgãos e entidades da administração pública, visto que não houve uma determinação normativa de “como” e qual modelo seguir quando da adoção da GC. Entre os principais achados, tem-se que a maioria dos estudos (57,3%) se preocupou em analisar apenas uma das etapas características desse modelo (MONTEZANO; MEDEIROS; FILHO, 2018), o que indica a necessidade de estudos de maior profundidade deste fenômeno, considerando toda a sua complexidade e o tempo de implantação envolvido, como no caso escolhido, em que se busca analisar a trajetória de implantação, por meio de um recorte longitudinal.

A crítica ao fato de a maioria dos estudos empíricos terem sido realizados em uma única organização ou estrutura de poder (executivo, judiciário, etc) esbarra na lacuna legal que norteia a política de desenvolvimento de pessoal, em que não há determinação dos procedimentos a serem adotados ou modelos prontos, dada a própria natureza distintas dos órgãos da administração pública. Dessa forma, a análise de cases específicos, como devido rigor metodológico, segue com potencial de contribuição para o tema, uma vez que já há consenso de que a abordagem por competências contribui positivamente para a gestão de pessoas. Ainda, entre os achados de bibliometrias, verificam-se poucos os estudos aplicados em IFES, reforçando a necessidade de novas pesquisas direcionadas a essas organizações.

Com base nos achados bibliométricos, evidencia-se a contribuição da presente estudo para agenda deste tema, através do estudo em uma instituição federal de ensino centenária e

representativa da região sul, com recorte longitudinal, que permite profundidade maior de análise da trajetória de implantação.