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CAPÍTULO 2 – O PERCURSO METODOLÓGICO

2.2 A PESQUISA ETNOGRÁFICA

Além de documental, esta pesquisa tem um cunho etnográfico por

tentar compreender os vários comportamentos e relações de/entre grupos de pessoas (professores, alunos de uma sala de aula, pais, funcionários, e administradores de uma escola, etc.) dentro de um contexto social específico (escola, comunidade, família, etc.). Seu propósito é descrever, interpretar a cultura e o comportamento cultural dessas pessoas e grupos (TELLES, 2002, p. 103).

De acordo com Bortoni-Ricardo (2008, p. 38), “[o] termo etnografia foi cunhado por antropólogos no final do século XIX para se referirem a monografias que vinham sendo escritas sobre os modos de vida de povos até então desconhecidos na cultura ocidental”. Segundo a autora, “[a] palavra se compõe de dois radicais do grego: ethnoi, que em grego antigo significa ‘os outros’, ‘os não gregos’ e graphos que quer dizer ‘escrita’ ou ‘registro’” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 38).

De acordo com Magnani (2009), antes da década de 1970, os estudos antropológicos

no Brasil eram dedicados principalmente à investigação das populações indígenas. “A antropologia mantinha-se à margem das grandes questões nacionais, diferentemente da sociologia e da ciência política, que discutiam padrões de desenvolvimento econômico e alternativas de modelo político para o país” (MAGNANI, 2009, p. 130). Segundo o autor, a conjuntura política do Brasil, a partir do golpe de 1964 e, principalmente, depois de 1968, “quando a repressão por meio de novas medidas de exceção se intensificou contra os partidos, os sindicatos, as organizações de estudantes e outros segmentos da sociedade civil”, serviu para que, na década de 1970, a antropologia fosse vista, “entre as ciências humanas, como uma via de acesso privilegiada para o entendimento das mudanças sociais, políticas e culturais que estavam a ocorrer na dinâmica da sociedade brasileira” (MAGNANI, 2009, p. 130).

Ainda de acordo com esse autor,

Essa conjuntura – política, acadêmica, institucional – abriu espaço para estudos de caráter antropológico sobre a realidade da periferia dos grandes

centros, pois era preciso conhecer de perto esses atores, seu modo de vida, aspirações – já que conceitos até então em voga tais como “consciência de classe”, “interesses de classe” e outros não davam conta de uma dinâmica que se processava no cotidiano. Quem são? Onde moram? Quais são seus vínculos de parentesco? Em que acreditam? Como passam seu tempo livre? Nesse ponto a antropologia podia afirmar que estava em seu campo pois, seja no trato com seu tema tradicional, as populações indígenas, seja no estudo das “comunidades” ou de grupos étnicos, perguntas desse tipo sempre estiveram presentes, norteando as pesquisas (MAGNANI, 2009, p. 131).

Assim, para conduzir uma pesquisa etnográfica, nos moldes mencionados por Magnani (2009), o etnógrafo participa “durante extensos períodos na vida diária da comunidade que está estudando, observando tudo o que ali acontece, fazendo perguntas e reunindo todas as informações que possam desvelar as características daquela cultura, que é o seu foco de estudo” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 38).

2.2.1 Etnografia de sala de aula

Diferentemente, as pesquisas etnográficas em sala de aula “não são necessariamente desenvolvidas por extensos períodos de tempo” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 38). No entanto, essa modalidade de pesquisa configura-se como “[...] pesquisa qualitativa, interpretativista, que [faz] uso de métodos desenvolvidos na tradição etnográfica, como a observação, especialmente para a geração e a análise dos dados” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 38).

Para Bortoni-Ricardo (2008), a etnografia tenta “entender, interpretar fenômenos sociais inseridos em um contexto” (p. 34), cujo “[...] pesquisador está interessado em um processo que ocorre em determinado ambiente e quer saber como os atores sociais envolvidos nesse processo o percebem, ou seja, como o interpretam” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 43).

Assim sendo,

O objetivo da pesquisa etnográfica de sala de aula, como sabemos, é o desvelamento do que está dentro da ‘caixa preta’ na rotina dos ambientes escolares, identificando processos que, por serem rotineiros, tornam-se ‘invisíveis’ para os atores que deles participam (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 72).

Ainda para a autora, “[n]a pesquisa etnográfica [...] não há uma divisão rígida entre a fase inicial de observação para a coleta de dados e a fase de análise. A pesquisa tem sempre caráter interpretativo” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 72).

Siqueira (2008), tomando como base o pensamento de Watson-Gegeo (1988), que postula que a etnografia é “o estudo do comportamento das pessoas em situações naturais e recorrentes, tendo como foco a interpretação cultural do comportamento humano” (WATSON-GEGEO,1988, p 576), afirma que a pesquisa etnográfica centra-se no estudo do comportamento das pessoas em um determinado contexto de interação social, com foco na interpretação cultural desse comportamento. Para isso, o etnógrafo deve observar, de maneira sistemática, intensiva e detalhada, como as pessoas se comportam e como as interações sociais são construídas, visto que é somente a partir dessa observação que o pesquisador pode responder às perguntas de pesquisa levantadas no início do estudo e desenvolvidas no campo de pesquisa.

Nessa direção, Cançado (1994, p. 57), ao mencionar a importância da etnografia para os estudos voltados para a sala de aula, enfatiza que, para se ter maior confiabilidade nos seus dados, o pesquisador precisa fazer uso da técnica de triangulação, ou seja, o “uso de diferentes tipos de corpora, a partir da mesma situação alvo, com diferentes métodos, e uma variedade de instrumentos de pesquisa”.

Dessa forma, Cançado (1994, p. 56) pontua que é cada vez maior o interesse pela pesquisa etnográfica devido à “importância de se estudar o contexto social” e, especificamente, o campo educacional. A autora ressalta que a busca pela etnografia aplicada à sala de aula se dá pela “insatisfação com os resultados obtidos através de pesquisas experimentais”, por não retratar o que realmente acontece na sala de aula.

Em uma perspectiva ‘êmica’, na qual se procura analisar e compreender os comportamentos intrínsecos em contextos culturais específicos, Cançado (1994, p. 56) ainda menciona que esse “princípio ‘êmico’ exige que o observador deixe de lado visões pré- estabelecidas, padrão de mediação, modelos, esquemas e tipologias e considere o fenômeno da sala de aula sob o ponto de vista funcional do dia a dia”. De igual importância, ela cita o princípio ‘holístico’, pela importância em “examina[r] a sala de aula como um todo”. Nessa visão, “todos os aspectos têm relevância para a análise da interação: tantos os aspectos sociais, como os pessoais, os físicos etc.”.

2.2.2 Etnografia de sala de aula e narrativas

O estudo etnográfico de sala de aula proporciona um olhar de dentro para fora, a partir dos próprios atores sociais envolvidos no processo, buscando retratar realidades implícitas que, muitas vezes, passam despercebidas pelos participantes envolvidos naquele contexto. No

entanto, “a pesquisa qualitativa reconhece que o olho do observador interfere no objeto observado” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 58). Para a autora, “o olhar do pesquisador já é uma espécie de filtro no processo de interpretação da realidade com a qual se defronta. Esse filtro está associado à própria bagagem cultural dos pesquisadores” (p. 58). Assim, não existe observação/pesquisa neutra, pois, de acordo com o pressuposto da reflexividade,

[...] a pesquisa qualitativa aceita o fato de que o pesquisador é parte do mundo que ele pesquisa. Segundo o paradigma interpretativista, o cientista social é membro de uma sociedade e de uma cultura, o que certamente afeta a forma como ele vê o mundo. Portanto, de acordo com esse paradigma, não existe uma análise de fatos culturais absolutamente objetiva, pois essa não pode ser dissociada completamente das crenças e da visão de mundo do pesquisador. Assim, uma linguagem de observação neutra seria ilusória, pois todas as formas de conhecimento são fundamentadas em práticas sociais, linguagens e significados, inclusive aqueles do senso comum. O pesquisador não é um relator passivo e sim um agente ativo na construção do mundo. Sua ação investigativa tem influência no objeto da investigação e é por sua vez influenciado (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 58).

De acordo com Bortoni-Ricardo (2008), o pesquisador é parte do mundo social que ele pesquisa e, por meio da sua capacidade de reflexividade, “ele age nesse mundo social e é também capaz de refletir sobre si mesmo e sobre as ações como objetos de pesquisa nesse mundo” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 58).

Pensando assim, a escrita de narrativas surge como uma forma de minimizar a subjetividade do pesquisador, considerando que o aluno tem a oportunidade de se mostrar ao relatar os seus sentimentos, emoções e experiências de aprendizagem. É certo que em qualquer modalidade de investigação haverá a interferência de quem ouve na interpretação de significados; desse modo, “de alguma forma a investigação que usa narrativas pressupõe um processo coletivo de mútua explicação em que a vivência do investigador se imbrica na do investigado (CUNHA, 1997, p. 4). Com base nos aspectos epistemológicos da etnografia de sala de aula, dentro do paradigma qualitativo, acredito que essa abordagem seja a mais apropriada para o presente trabalho, poisao escrever uma narrativa de aprendizagem, o sujeito se revela, ou seja, faz um autorretrato e isso é etnografia de sala de aula.