• Nenhum resultado encontrado

A pesquisa maior com homens usuários de serviços

3 MATERIAL E MÉTODOS

3.1. A pesquisa maior com homens usuários de serviços

Foram selecionados serviços ambulatoriais, porta de entrada para atendimento geral no sistema público de saúde, unidades de atenção primária ou unidades básicas de saúde situadas nos bairros do Butantã e da Barra Funda. Tal seleção baseou-se em quatro critérios: serem unidades com significativa demanda de usuários masculinos; a percepção do problema da violência como necessidade de saúde por parte da chefia e das equipes; o suporte assistencial oferecido aos homens que relataram situações de violência vividas no presente ou passado, quando estes mostravam interesse, e qualidade dos registros médicos em prontuários que possibilitasse a obtenção de dados sobre o uso dos serviços e sobre as morbidades daqueles sujeitos. Além disso, ambos os serviços são centros de saúde-escola que oferecem uma série de ações programáticas, as quais permitem a adesão a um cuidado em saúde de modo longitudinal e também uma maior captação de usuários acessando os serviços, o que também se reflete no caso dos homens. Assim, são unidades de saúde diferenciadas na rede de atenção primária, até mesmo por ter serviços de saúde mental bem estruturados e de referência. Constituíram, portanto, situações de conveniência, adequadas ao estudo originalmente conduzido.

Nesse estudo, o objetivo foi estimar, da perspectiva masculina, as prevalências das violências perpetradas contra parceira íntima relatadas pelos usuários investigados, para comparar com relatos produzidos em estudos com mulheres. O cálculo da amostra foi baseado em duas pesquisas realizadas no município de São Paulo com mulheres, uma em unidades básicas de saúde (Schraiber et al., 2007) e outra populacional (Schraiber et al., 2002) para obter: 1. estimativas de prevalência das diferentes formas de violência conjugal atual e, consequentemente, identificação da porcentagem de potenciais “agressores” e suas características sócio-demográficas, sob uma precisão de 5% entre a prevalência estimada e o verdadeiro valor populacional, e com intervalo de

22

confiança de 95%, com base nos dados do estudo em unidades de saúde; 2. estimativas de razão de prevalência mínimas, as quais seriam alcançadas com um poder do teste de 80%, ou seja, com uma chance de 80% de detectar diferenças entre usuários ‘agressores’ e ‘não-agressores’ a um nível de significância de 5%, quanto aos potenciais fatores de risco que estariam sujeitos, como desemprego, alcoolismo, história de violência na família e história de violência física sofrida na infância, com base nos dados do estudo populacional.

A amostra foi dividida entre os serviços de modo proporcional ao volume de homens atendidos em cada qual.

A coleta dos dados ocorreu entre outubro de 2002 e julho de 2003.

A captação dos entrevistados foi consecutiva, por ordem de chegada, com repartição proporcional da amostra aos volumes de atendimento por dia da semana e período de atendimento. Os sujeitos foram entrevistados durante a ida ao serviço de saúde, que se deu de maneira espontânea ou por consulta marcada.

A entrevista foi realizada com os sujeitos que apresentassem condições físicas e mentais para participar da pesquisa. A duração foi de 30 minutos e realizada durante a espera por atendimento nos serviços. Para cada recusa, outro usuário foi abordado, até se completar o tamanho da amostra desejada.

A todos os participantes do estudo foram aplicados questionários por pesquisadores do sexo masculino, em entrevistas realizadas em locais privativos dos serviços, mediante a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este e outros procedimentos de natureza ética em relação aos participantes da pesquisa foram adotados com base em recomendações para estudos de temas sensíveis, tais como previsão de suporte assistencial e cuidados especiais na escolha, treinamento e supervisão dos pesquisadores de campo (Schraiber et al., 2007).

Os dados foram coletados por meio de três instrumentos da pesquisa original: um questionário aplicado por entrevistadores e duas fichas de leitura padronizadas para os registros em prontuários médicos.

O questionário (Anexo I) coletou dados relacionados a: questões sociodemográficas, seguindo a Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME) para a classificação por estrato socioeconômico; questões de saúde em geral e saúde reprodutiva e sexual; acesso a serviços de saúde; uso de álcool e/ou drogas ilícitas; problemas com bebida alcoólica; frequência de ocorrência, recorrência e gravidade dos episódios referente a situações de violência psicológica, física e/ou sexual contra suas parceiras; frequência de ocorrência e recorrência dos

23

episódios de violência psicológica, física e/ou sexual sofrida pelos homens com discriminação dos agressores, levando em conta a idade em que os episódios ocorreram.

Para coletar dados sobre episódios de violência sofrida, foram utilizadas perguntas adaptadas do questionário validado (Schraiber et al., 2010) utilizado com mulheres, no relato de violência sofrida, como segue: para a violência psicológica - “Alguma vez, alguém (na rua, no bar, no trabalho ou em sua casa) já o insultou, depreciou ou fez com que você se sentisse desvalorizado?”; para a violência física – “Alguma vez, alguém (na rua, no bar, no trabalho ou em sua casa) já o agrediu fisicamente (com tapas, empurrões, socos, chutes etc)? Se sim, quantas vezes? (Uma, poucas vezes, muitas vezes)”; para a violência sexual - “Alguma vez, alguém já o forçou a ter relação sexual contra sua vontade? Se sim, quantas vezes? (Uma, poucas vezes, muitas vezes)”.

Como dito, foram pesquisadas as violências perpetradas pelos entrevistados contra suas parceiras, nos tipos psicológica, física e sexual, mas também foi investigada a violência contra outros que não a parceira, apenas no tipo físico. Além disso, foi perguntado se os homens haviam testemunhado violência na família durante a infância (presenciar brigas na família e/ou ver a mãe ser agredida por pai ou companheiro).

Perguntas sobre as várias formas de violência, sofrida ou perpetrada, não continham o termo violência, mas discriminavam atos de agressão, justamente para não induzir a resposta do entrevistado. Para a estimativa da percepção dos homens quanto a considerarem o sofrido como violência, foi indagado, no final do questionário: “Você considera que sofreu violência por alguma pessoa na vida?”

Com as fichas padronizadas, fez-se a leitura dos prontuários dos entrevistados que tinham matrícula de usuário a mais de um mês, a partir da data da entrevista.

Com a ficha de leitura I (Anexo II) buscou-se caracterizar a frequência de comparecimentos ao serviço e a de uso das seguintes atividades assistenciais: consulta de pronto-atendimento; atendimento de enfermagem; participação em atividades preventivas em grupo; consultas no serviço de saúde mental; consultas agendadas em termos de comparecimento e faltas. Foram encontrados e lidos 461 prontuários médicos de homens que tinham matricula no serviço há pelo menos um mês. É importante ressaltar que as atividades mais utilizadas encontradas na amostra em geral foram, pela ordem, pronto-atendimento, consultas em saúde mental e atendimento de enfermagem.

Com a ficha de leitura II (Anexo III), fez-se uma análise das demandas registradas nos prontuários de homens que haviam utilizado o serviço durante os doze

24

meses anteriores à entrevista, contabilizando-se 410 prontuários do total de 477. Nestes, foram coletados queixas/diagnósticos segundo a atividade de atendimento ocorrida nos 12 meses anteriores ao levantamento dos dados, independentemente do profissional de saúde que a realizou.

Portanto, buscou-se identificar as queixas e/ou os diagnósticos e as resoluções dadas em cada atendimento, possibilitando o estudo do acolhimento/resposta às demandas apresentadas pelos usuários. Foram coletadas informações agrupadas por sistemas, tais como: osteomuscular (dor nas costas, dor nos pés, lesão); cardiocirculatório (angina, varizes, hipertensão); digestório (dor e estômago, náusea/azia, dispepsia/indigestão); respiratório (dispneia, estado ofegante, asma); neurológico (convulsão epilepsia, nevralgia); psicológicos (depressão, ansiedade, tentativa de suicídio), e queixas gerais (febre, sudorese, fraqueza). Deve-se enfatizar que foram priorizadas até cinco queixas por consulta ou qualquer outro tipo de atendimento. Nessa perspectiva, nos casos dos pacientes que tinham muita sintomatologia, foram abordadas as cinco primeiras e principais queixas/solicitações.

É importante ressaltar que, nos serviços de atenção primária à saúde, muitas vezes não são registrados a queixa do usuário e o diagnóstico definido pelo profissional de saúde separadamente. Portanto, os dados foram coletados na forma de queixas e/ou diagnósticos.

A pesquisa maior recebeu aprovação da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da (CAPPesq) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Os primeiros resultados, com análise descritiva das informações constituíram artigo submetido e aprovado pela Revista Brasileira de Epidemiologia, cujo texto final (aguardando publicação).

Documentos relacionados