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2. DISABILITY STUDIES

2.4 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA MÍDIA

Segundo estudos de teóricos dos Disability Studies, historicamente as caracterizações das pessoas com deficiência foram infantilizadas na significação de suas anormalidades. A visão que a mídia e a arte tinham sobre a pessoa com deficiência era (e talvez continue sendo) tão estereotipada quanto a visão geral da sociedade. Estudos feitos nos EUA e na Inglaterra mostraram que a televisão costuma tratar a deficiência com a abordagem da tragédia pessoal. Em estudo feito com a mídia jornal, Smith e Jordan (1991) identificam a presença de forte dramatização e sensacionalismo nos textos sobre a pessoa com deficiência. Já os estudos de Karpf (1988) mostraram que no rádio e na TV a pessoa com deficiência aparece como meio de curas miraculosas e caridade. O sujeito com deficiência é

invisível aos olhos da sociedade. Não é visto como um ser humano com direitos como todos os outros, apenas como uma atração, não muito diferente da figura dos freak shows do século XIX (BARNES; MERCER, 2001).

O cinema foi, durante muito tempo, o lugar de propagação dessa figura dos freaks. Ainda em 1898 o filme Fake beggar, de 50 segundos, feito por Thomas Edison, mostrava a deficiência visual de forma cômica. Personagens clássicos da literatura que traziam anormalidades físicas foram sucessos de bilheteria, como Frankenstein de James Whale (1931), O Corcunda de Notre Dame (1923, Wallace Worsley; 1939, William Dieterle; 1957, Jean Delannoy) e O Fantasma da Ópera (1925). Em todos esses filmes, a pessoa com deficiência é retratada de forma caricata e estereotipada, quase sempre com a imagem da maldade e tristeza (NORDEN, 1998). Filmes como esses foram classificados como freaks, por apresentarem as deficiências como atrações, assim como nos freak shows do século XIX. Segundo Longmore,

Dar deficiências a personagens vilões reflete e reforça, embora de modo exagerado, três preconceitos comuns contra deficientes: deficiência é uma punição por maldade; pessoas com deficiência estão amarguradas com seu “destino”; pessoas com deficiência se ressentem dos não-deficientes e poderiam, se pudessem, destruí-los (apud ALBUQUERQUE, 2008, p. 31).

A deformidade do corpo passa a ser, segundo essa visão, a deformidade da alma. Dentro desse gênero, um filme tornou-se um clássico do cinema Cult: Freaks, de Tod Browning (1932). Nesse filme foram exploradas diversas deformidades, sendo que os atores foram recrutados em circos da Europa e Estados Unidos: microcéfalos, anões, irmãs siamesas, homens e mulheres sem braços e pernas. No seu lançamento foi um fracasso de bilheteria. Entretanto, ao relançarem o filme 30 anos mais tarde, tornou-se um clássico. A versão em DVD (EUA, 2004) mostra na introdução um texto sobre a condição dos anormais e seu código de ética, o que fez do filme uma obra definitiva: “Nunca mais uma história como essa será filmada, uma vez que a ciência moderna e a teratologia estão rapidamente eliminando do mundo tais erros da natureza” (CHINELATTO, 2008).

Foi após a Guerra do Vietnã, da qual muitos soldados americanos voltaram para seus lares com múltiplas deficiências, que o movimento das pessoas com

deficiência ganhou força, e a sua representação passou a ter uma visão de maior respeito. O filme Amargo regresso, de Hal Ashby (1978) é um dos tantos que contam a história de um soldado que regressa tetraplégico da guerra (NORDEN, 1998, p. 499).

Hoje em dia, muitos filmes retratam a pessoa com deficiência, alguns de forma positiva, outros nem tanto. Em sua dissertação, Albuquerque (2008), cita alguns dos mais conhecidos: Marcas do destino, de Peter Bogdanovich (1985), Meu pé esquerdo, de Kim Sheridan (1989), Despertar para a vida, de Neal Jimenez e Michael Steinberg (1991), Perfume de mulher, de Martin Brest (1992), Nascido em 4 de julho, de Oliver Stone (1994), e Dançando no escuro (2000), de Lars Von Triers.

Em estudo sobre a representação das pessoas com deficiência na mídia, Barnes (1992) identifica os estereótipos culturais mais frequentemente mostrados pela mídia sobre as pessoas com deficiência: lamentável, patético, objeto de violência, sinistro, do mal, “curioso”, aleijado, objeto do ridículo, como seu próprio mal ou próprio inimigo, sexualmente anormal, incapaz de participar da vida em comunidade e como indivíduo normal.

Dentre os estudos mais representativos nos Disability Studies, estão aqueles que cruzam o estudo de gênero com o estudo da pessoa com deficiência. Nesses estudos, foi identificado que o homem com deficiência é visto como impotente e incapaz de amar e manter relações sexuais. Em contraste, a mulher é tipicamente representada como vulnerável, passiva, e dependente – figura trágica e santa, a ser salva por um “homem capaz” (BARNES; MERCER, 2001).

A hierarquização social acaba por valorizar uma determinada hegemonia sobre as demais, causando a exclusão das singularidades. E nessa categorização, as pessoas com deficiência são consideradas inaptas à vida social. Entretanto, como aponta Castel (2000), o problema não está na pessoa com deficiência, e sim na sociedade que não cria condições para que o sujeito com deficiência possa ser produtivo e participar da vida social. Essas condições poderiam ser expressas em forma de abertura do mercado de trabalho e melhor acessibilidade a locais públicos e escolas, a fim de que a pessoa com deficiência tenha as mesmas condições de educação que toda a população. Uma das formas de ver a marginalização dos chamados “excluídos”, é de que essa exclusão acontece em função da estrutura

social e não por causa de uma incapacidade pessoal. O corpo deficiente, apesar de chamar atenção do olhar, passa invisível aos olhos da sociedade.

Além da falta de políticas públicas que promovam a inclusão da pessoa com deficiência, vemos cotidianamente na mídia a exaltação do corpo belo, perfeito e saudável. A feiúra, deformidade ou descaso com a aparência física são considerados como desleixo, preguiça e falta de vontade do sujeito “se melhorar”, de ir atrás de uma “cura milagrosa”. O corpo considerado feio precisa ser normalizado.

Em oposição à exclusão da “grande sociedade”, as deficiências geram, na maioria das pessoas que as têm, um senso de comunidade. É assim que a comunidade de pessoas com deficiência se fortalece. A identidade da pessoa com deficiência não é algo único e definido. Tampouco é algo aceito imediatamente. O reconhecimento da pessoa com deficiência como tal acontece aos poucos, como uma conversão, que pode ir se modificando e precisa de uma afirmação pública, assim como acontece com os homossexuais. Entretanto, noções como “cultura da deficiência”, “orgulho da deficiência”, e “celebração da diferença”, não parece adequada para a maioria das pessoas com deficiência, assim como existem os movimentos de “orgulho negro” ou “orgulho gay”, uma vez que a deficiência pode resultar em dor ou em morte prematura (BARNES; MERCER, 2001). Para a maioria das pessoas com deficiência seria mais correto desenvolver um conceito de deficiência ligado a valores humanos e à vida, do que uma glorificação da deficiência. Nesse sentido, a arte e as representações midiáticas, quando abandonam o discurso paternalista, representam para as pessoas com deficiência um tipo de empoderamento, um espaço para a reflexão social e variedade de experiências.

Segundo Barnes e Mercer (2001), o principal objetivo dos movimentos políticos das pessoas com deficiência tem sido conter a individualização e medicalização da deficiência, as definições essencialistas e deterministas da deficiência, a “moral carregada”, o caráter de “normalidade” e estereótipos negativos das pessoas com deficiência, bem como a deficiência como uma metáfora da exclusão social. A proposta “nova cultura política da diferença” procura resistir às representações dominantes das deficiências e estabelecer uma nova identidade (identidades) à deficiência.

O grande dilema desses movimentos é que as pessoas com deficiência, assim como outros grupos oprimidos, precisam constantemente negociar muitos tipos de diferença, assim como gênero, raça, classe e idade em suas vidas.