• Nenhum resultado encontrado

3. Um olhar sobre a deficiência: fragmentos de uma história

3.1 A pessoa com deficiência no contexto educacional brasileiro

Foram muito significativos os avanços sobre a questão da deficiência, especialmente na Europa após a Revolução Francesa, no entanto, a preocupação com o atendimento e educação de pessoas com deficiência no Brasil é relativamente recente. É notório nos documentos legais que regem a educação brasileira há a influência de documentos internacionais que, no decorrer da história, realçaram a necessidade de incluir pessoas com deficiência nos mais diversos espaços sociais, com destaque à escola que representa um importante espaço no qual a heterogeneidade deve ser reconhecida e aceita.

Instituído por Dom Pedro II em 1854, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos cegos foi a primeira iniciativa de atendimento escolar especial no país; “destinava- se ao ensino primário e alguns ramos do secundário, ensino de educação moral e religiosa, de música, ofícios fabris e trabalhos manuais” (JANNUZZI, 2006, p, 12). Funcionava em regime de internato, assentado na concepção europeia da época que acreditava que, para permanecer nesses espaços era preciso que houvesse uma ruptura com o mundo externo, no qual o aluno deveria ser constantemente vigiado (JANNUZZI, 2006).

Em 1890, teve seu nome alterado por meio do decreto nº 408, para Instituto Nacional dos Cegos. Em seguida, em 1891, passou a se chamar Instituto Benjamin Constant (IBC) em homenagem ao ex-diretor e professor Benjamin Constant Botelho de Magalhães (MAZZOTTA, 1996). Benjamin Constant permaneceu à frente do instituto por 20 anos e foi o responsável pela elaboração do regulamento que contou com a preocupação com o ensino literário, bem como disciplinas científicas e prática profissional (JANNUZZI, 2006).

Em 1857, Dom Pedro II fundou ainda o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, que mais tarde, em 1957, passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). O Instituto caracterizou-se por promover a educação literária e o ensino profissionalizante de meninos surdos-mudos entre 7(sete) e 14(catorze) anos de idade. A instalação de oficinas para a aprendizagem de ofícios se deu algum tempo após a inauguração de ambos os institutos, sendo que, para os meninos cegos havia oficinas de tipografia e encadernação e para as meninas havia oficinas de tricô; já para os meninos surdos havia oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração (MAZZOTTA, 1996).

Apesar da existência desses institutos, a educação dos deficientes foi por muito tempo ainda relegada. Por volta de 1920, em busca de um espaço efetivo para a sua efetivação pedagógica, profissionais de diversas áreas, como médicos, psicólogos e professores estruturam a base das associações profissionais e passam vislumbrar a possibilidade dos mais prejudicados conviverem harmoniosamente com suas famílias e demais membros da sociedade, por meio de práticas sociais mais eficientes (JANNUZZI, 2006).

Já entre os anos 1931 e 1932, há registros sobre atendimento especializado a deficientes físicos em classes especiais, realizados na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo por professores primários. Consta que em 1982, dez classes especiais estaduais estavam em funcionamento no Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Tais classes funcionavam como classes hospitalares, e os alunos que alí permaneciam, na condição de pacientes, recebiam atendimento individualizado pelas professoras (MAZZOTTA, 1996).

Criada em 1950, a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) se tornou uma dos Centros de Reabilitação mais importantes do país. De caráter particular, a instituição se especializou no “atendimento a deficientes físicos não-sensoriais, de modo especial portadores de paralisia cerebral e pacientes com problemas ortopédicos” (MAZZOTTA, 1996, p. 41). Posteriormente, em 2000, quando completou 50 anos de existência, a AACD passou a se chamar Associação de Assistência à Criança Deficiente, em razão de um plebiscito realizado pelos próprios pacientes, que julgava o termo ‘Defeituosas’ inadequado. Atualmente, com uma equipe multidisciplinar (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicólogos, entre outros), a AACD atende crianças e adolescentes com paralisia infantil, sequela de acidente vascular cerebral, traumatismo crânio encefálico, amputações, doenças neuromusculares, malformações congênitas; mielomelingocele, lesão medular- paraplegia/tetraplegia, paralisia cerebral, bem como síndromes genéticas que comprometam o aparelho locomotor. Além disso, a AACD desenvolve projetos em diversas áreas, inclusive na educação e, por acreditar que a escola é um importante espaço de reabilitação, possui 2 (duas) escolas que contam com Educação Infantil e Ensino fundamental – ciclo I (1º ao 5º ano), destinadas a alunos com deficiência física que, em função de alguma dificuldade específica, apresentam defasagem em idade é série (AACD, 2014).

O movimento em prol de uma sociedade na qual as pessoas com deficiência passaram a ser reconhecidas enquanto sujeitos de direitos ganhou força em diversas partes do mundo, especialmente após representantes de diversos países assumirem o compromisso, com seus povos, de promoverem uma sociedade alicerçada nos direitos fundamentais de cada pessoa, baseados nos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No Brasil, tal movimento inspirou e norteou a formulação de diversos documentos legais que regem o país. Dentre eles, um dos mais importantes é a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada pela Assembleia Constituinte em 1988, que influenciada pelos ideários apresentados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, passa a reconhecer, por meio de seu artigo 5º - sobre direitos e deveres individuais e coletivos -, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988, p. 2). Entende ainda que a educação é um direito de todos, sendo dever do Estado e da família a sua efetivação (BRASIL, 1988, p. 97).

A partir de meados da década de 1990 inicia-se um novo movimento, que se prolonga até os dias atuais, em que se busca a inclusão plena de todos os educandos nas classes regulares, desde a Educação Infantil. Ou seja, reconhece-se que crianças, jovens e adultos com necessidades especiais devem aprender junto aos demais alunos, independentemente das suas diferenças (MARTINS, 2012, p. 28).

Em 1990, por meio da Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é criado com a finalidade de garantir a proteção dos direitos de crianças e adolescentes de todo o país, considerando criança toda pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente a pessoa entre doze e dezoito anos de idade. Dentre outras indicações, o ECA estabelece que

a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, p. 1).

Em 1992, a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), norteada pelos princípios de normalização, integração, individualização, simplificação e interiorização, instaura a Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a qual destaca que uma das maiores dificuldades de integração das pessoas ‘portadoras de deficiência’ residia no preconceito e na gravidade dos problemas sociais, considerando que a falta de informação, por parte da comunidade ou desconhecimento das pessoas sobre a deficiência eram alguns dos fatores que geravam tal discriminação. O documento ainda se referia às ‘pessoas portadoras de deficiência’, muitas vezes como ‘portadores de necessidades especiais’, utilizando-as como expressões sinônimas (MAZZOTTA, 1996).

O posicionamento político-social do Estado estabeleceu um novo direcionamento ideológico para a educação no país e, em 1996, a concepção de uma nova lei educacional: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Darcy Ribeiro, nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - LDBEN 9.394/96 –, inspirada nos “princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana” consolidou a educação, de qualidade, como um direito de todas as pessoas, tendo por finalidade o desenvolvimento do educando, bem como seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Além disso, o documento considera que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996 p. 1). Desta forma, o ensino no país passou a ser ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais

A menção da Educação Infantil, enquanto etapa de ensino, é apresentada pela primeira vez por meio do art. 29 da LDBEN 9.394/96, constituindo-se um grande avanço: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

Em 1998 são criados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no intuito de direcionar estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais, destinados aos professores do ensino fundamental. Os PCN foram elaborados com a finalidade de construir referências nacionais comuns a todos os sistemas de ensino, em todas as regiões brasileiras.

Em 2001, pela resolução CNE/CEB nª 02/2001, foram instituídas a Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Tal documento originou-se devido à falta de parâmetros que indicassem de que maneira os sistemas de ensino deveriam se organizar para realizarem o atendimento adequado às necessidades educacionais especiais, apresentadas pelos educandos1 que apresentassem necessidades educacionais especiais. As Diretrizes, portanto,

propuseram uma reestruturação nos sistemas de ensino, conforme se verifica no art. 2º da referida resolução:

os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar- se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001b, p. 1).

1Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional,

apresentarem:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;

II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001b, p. 2).

Ao entender que o processo de formação de educadores e gestores é algo permanente, em 2005, o Ministério da Educação (MEC), juntamente com a Secretaria de Educação Especial (SEESP) desenvolveram um material denominado: Ensaios Pedagógicos: construindo escolas inclusivas. O intuito foi ressignificar reflexões e práticas pedagógicas de educadores e gestores da rede pública de ensino, a fim de disseminar a proposta da educação inclusiva nos municípios brasileiros.

No sentido de fortalecer a política da educação inclusiva, em 2006, o MEC e SEESP elaboraram o segundo volume do material: Ensaios Pedagógicos: Educação Inclusiva: direito à diversidade. No ano seguinte, em 2007, o MEC, mais uma vez em parceria com a SEESP, desenvolveu e disponibilizou nas redes públicas de ensino o terceiro volume, com o seguinte título: Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade.

De forma a complementar as ações implementadas com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, o MEC juntamente com a SEESP, em 2008, elaboraram a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva, tendo como objetivo:

assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 14).

Em 2009 são apresentados os Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica, que evidenciam a importância de se constituir um processo de escolarização com vistas à universalização do ensino, qualidade na educação, além de comtemplar a diversidade em todas as etapas da educação básica.

A fim de assegurar a efetivação da educação inclusiva no país, muitas têm sido as iniciativas, principalmente associadas ao governo federal, por meio do MEC e SEESP, no sentido de estabelecer estratégias que possam concretizar o ideário da inclusão. Nota-se que, mesmo com tantos esforços, ainda há muito a se fazer, especialmente no que diz respeito à formação de professores, uma vez que é possível observar a quantidade expressiva de material publicado a fim de promover a formação continuada de professores da rede pública de ensino.

Isto posto, a próxima seção destacará o cenário no qual se instaura a Educação Infantil, entendida como uma das etapas mais importantes na consolidação de uma escola inclusiva.

4. EDUCAÇÃO INFANTIL: O PRIMEIRO CONTATO DA CRIANÇA COM A

Documentos relacionados