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3. 1 INTRODUÇÃO

A área de estudos de história e metodologia da Ciência Política apresenta um duplo desafio ao pesquisador. O primeiro consiste em justificar-se quanto à relevância da pesquisa e o segundo em assumir uma postura quanto à compreensão da natureza da ciência e da atividade científica e, mais especificamente, do próprio espaço disciplinar. O primeiro desafio foi abordado na introdução, na qual defendi a importância da reconstrução da história do conhecimento. O argumento foi que o modo como fizemos ciência (nosso passado disciplinar) tem efeitos na ciência produzida no agora e essa, por sua vez, terá efeitos na ciência produzida no futuro. Além disso, compreender os processos, instituições e atores envolvidos na academia possibilita a autorreflexão, que é a base para a manutenção e a mudança da ciência.

O segundo desafio parte do entendimento de que a ciência e a prática científica podem e devem ser analisadas com base em diferentes enfoques e aspectos. Nesse sentido, defendo que a prática científica não se constitui como uma atividade neutra, visto que a ciência é um espaço de disputas e conflitos. Os cientistas se organizam em comunidades que têm sua dinâmica própria e são permeadas por valores, ideais e estruturas que condicionam a ação. Assumo a perspectiva de que há uma política da Ciência Política a ser estudada54. Ainda, que a evolução de uma área disciplinar é influenciada tanto pelo contexto político e social de sua época, como também possui uma dinâmica interna que lhe é própria55.

Estudos sobre a ciência têm-se utilizado de vários referenciais teóricos, atualmente valorizando aqueles que consideram os aspectos comunitários de uma disciplina. Nos Estados Unidos, como já mencionado, o debate desenvolveu-se em torno de referenciais clássicos da Filosofia da Ciência: Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Karl Popper56. Especialmente em relação

54 A expressão “política da ciência” tem sido amplamente utilizada em debates da disciplina. Ele refere-se aos

eixos tratados nessa tese no que tange a questões de produção do conhecimento e representatividade profissional. Exemplo recentes de uso dessa expressão pode ser encontrado nos trabalhos sobre metodologia de Fujii (2016) e Schwartz-Shea e Yanow (2016) e nas pesquisas de Paulo Ravecca (2010, 2014, 2016b, 2018).

55 Alguns autores têm utilizado as terminologias “história externa” e “história interna” como dimensões para a

análise da história disciplinar, ressaltando a relação de dialética entre desenvolvimento científico e contexto político e social (BULCOURF; JOLIAS, 2016).

56 Apesar de nos Estados Unidos o debate sobre ciência centrar-se nesses três autores, ou por vezes em uma

a Kuhn, a Ciência Política apropriou-se da noção de desenvolvimento da ciência pela sucessão de paradigmas hegemônicos, como indicado na narrativa apresentada. Essa narrativa e o próprio conceito de paradigma constituem-se ainda hoje temas de controvérsia para a comunidade de cientistas norte-americanos. Neste capítulo trato da compreensão da ciência e da atividade científica no espaço disciplinar da Ciência Política nos Estados Unidos. Localizo a tese nos debates sobre comunidade acadêmica, espaço científico e hierarquias do conhecimento para, em seguida, apresentar o enquadramento metodológico da mesma.

3. 2 THOMAS KUHN E A COMUNIDADE DE CIENTISTAS POLÍTICOS NOS ESTADOS UNIDOS

A compreensão do desenvolvimento científico por meio da noção de sucessão de paradigmas hegemônicos e de aspectos de interação, acordo e confronto existentes na comunidade acadêmica, teve papel relevante na história da Ciência Política nos Estados Unidos. A formação da APSA e o seu protagonismo no desenvolvimento da área são fatores que motivaram reflexões sobre a disciplina e seu status de ciência. Nesse sentido, a teoria de Kuhn tornou-se referência recorrente em análises de cientistas políticos (POLSBY, 1998), por meio de artigos científicos de história e metodologia da disciplina e do espaço dedicado ao tema dos encontros anuais da associação (ALMOND, 1966; DEUTSCH, 1970; TRUMAN, 1965).

Inicialmente, o conceito de paradigma foi utilizado com a finalidade de demarcar um momento distintivo na história da disciplina, decorrente de sua profissionalização e progressiva especialização. David Truman, em seu discurso presidencial Disilusion and Regeneration: A Quest for a Discipline (1965), faz referência à obra de Kuhn (2013) ao afirmar que a disciplina direcionou-se ao estabelecimento de uma ciência normal, em que “os trabalhos da maioria dos cientistas políticos apresentaram uma série de qualidades comuns que serviram para identificar a natureza do acordo geral e a forma e o caráter da disciplina”57 (1965, p. 866, tradução própria). A partir disto, Truman defende a importância de consensos na comunidade acadêmica, sob o argumento de que esta deve tornar-se capaz de utilizar “um

exemplo, o uso da teoria de Pierre Bourdieu e sua noção de campo científico no estudo da história da Ciência Política como um referencial importante para o debate (BOURDIEU, 2003, 2004).

57 “[…] the works of most political scientists had a number of qualities in common that serve to identify the

investimento adicional de energia com o qual se possa encorajar o crescimento de [...] habilidades coletivas”58 (1965, p. 873, tradução própria).

No ano seguinte, Gabriel Almond (1966) também em ocasião do seu discurso presidencial reforça a utilidade e aplicabilidade do conceito de paradigma para a análise da história da Ciência Política nos Estados Unidos. Apesar de ponderar as diferenças entre ciências sociais e ciências da natureza, compartilha da percepção de que a disciplina tornava- se uma ciência madura a partir das “mudanças na magnitude, estrutura, distribuição de idade e ambiente intelectual da profissão de Ciência Política” (p. 869, tradução própria)59. Sua abordagem sobre uma “sociologia da Ciência Política”, entretanto, concentra-se na identificação de momentos-chave de transformação da disciplina, fazendo o uso dos conceitos de anomalias e revoluções científicas.

A partir desse entendimento, a própria comunidade de cientistas políticos norte- americanos parece ter estabelecido o marco teórico que acreditava ser capaz de compreender a história e evolução da disciplina de Ciência Política naquele país. Apropriaram-se de conceitos kuhnianos e assumiram a narrativa da sucessão de paradigmas hegemônicos. Desde aquele momento, como já mencionado algumas vezes, foram identificados ao menos três paradigmas: Antigo Institucionalismo, Comportamentalismo e Neoinstitucionalismo60 (ADCOCK; BEVIR, 2005; ALMOND, 1990, 1998; DRYZEK, 2006; EASTON, 1969, 1985; FARR, 1995; GOODING; KLINGEMANN, 1996; MARCH; OLSEN, 2006, 2008; MILLER, 1997; PERES, 2008a, 2008b; PETERS, 1999; REDFORD, 1961; ROSS, 1991; SOMIT; TANENHAUS, 1967; WAHLKE, 1979).

Segundo Walker (2010), as ideias e conceitos de Kuhn ainda permanecem relevantes para a Ciência Política por pelo menos duas razões: porque são utilizados como referencial teórico (ALMOND, 1966; BALL, 1976; CHERNOFF, 2004; DESSLER, 2003; DICICCO; LEVY, 1999; ELMAN; ELMAN, 2003; TRUMAN, 1965; VASQUEZ, 2003; WALTZ, 2003) e porque, ao mesmo tempo, são criticados como referencial teórico (BENNETT, 2003; FARR, 1983; HIRSCHMAN, 1970; KATZENSTEIN; SIL, 2008; MONROE, 2005; SCHRAM, 2006; SIL, 2000; WALKER, 2010). Portanto, para compreender a história da

58 “[…] a further investment of energy those most likely to encourage the growth of […] collective capabilities” 59 “[…] changes in the magnitude, structure, age distribution, and intellectual environment of the political

science profession”

60 O conceito de paradigma na Ciência Política é geralmente utilizado em referência às três correntes

mencionadas – Antigo Institucionalismo, Comportamentalismo e Neoinstitucionalismo. Todavia, em alguns casos tem sido utilizado em referência a áreas específicas que, a princípio, são englobadas por uma das três grandes correntes. Por exemplo, Gary Cox (1999) utiliza o termo paradigma para se referir a Teoria da Escolha Racional e teoria dos jogos.

Ciência Política nos Estados Unidos é fundamental compreender a teoria da ciência de Kuhn. Ainda, essa relação permite questionamentos a respeito de 1. como a concepção de evolução da ciência pela sucessão de paradigmas orientou os debates da área e 2. em que medida as críticas direcionadas à Ciência Política nos Estados Unidos se equiparam às críticas direcionadas à teoria kuhniana.

Por essas razões, apresento a seguir a teoria da ciência de Thomas Kuhn. Em um primeiro momento, abordo as suas ideias – contribuições ao estudo do espaço científico, concepção de desenvolvimento da ciência e principais conceitos – e, em seguida, apresento algumas das principais críticas à sua obra, especialmente no que tange à sua validade histórica e às suas consequências para a Ciência Política nos Estados Unidos.

3. 2. 1 Teoria Sócio-histórica da Ciência

A obra A Estrutura das Revoluções Científicas61 de Kuhn, publicada originalmente no ano de 1962, representou um marco na filosofia e história da ciência no século XX e constitui- se como uma referência fundamental para o debate contemporâneo sobre a produção do conhecimento62. Por meio desta, o autor introduziu diversos conceitos que são de aplicação corrente nos estudos sobre ciência, tais como paradigma, ciência normal, anomalias, crises e revoluções científicas (ECHEVERRÍA, 2003). Suas contribuições são reconhecidas por diferentes áreas disciplinares e impactaram o comportamento dos próprios cientistas, que passaram a ressignificar suas práticas e relações no espaço acadêmico. Dentre essas contribuições destaco a importância de sua obra em pelo menos três sentidos: 1. valorização de estudos de caráter histórico sobre a ciência, especialmente em relação ao modo como teorias científicas são construídas e aceitas pelos cientistas63; 2. reconhecimento do espaço

61 Utilizo como referência para a construção desse capítulo a obra A Estrutura das Revoluções Científicas (2013)

visto que é a partir dela que a teoria de Kuhn é compreendida pela maioria dos cientistas, inclusive na área da Ciência Política. Algumas revisões e reflexões posteriores do autor em relação à sua obra serão apontadas em notas de rodapé e, na seção seguinte, retomadas com base na abordagem de seus críticos.

62 Há debates a respeito da obra de Kuhn tratar-se de uma obra de história ou filosofia da ciência. O autor

formou-se em física pela universidade de Harvard e trouxe contribuições importantes para ambas as áreas. Se inicialmente apresentou-se como historiador da ciência, destacando sua filiação à American Historical

Association, no decorrer de sua carreira reconheceu progressivamente os interesses filosóficos de sua obra

(HACKING, 2013). Ainda, devido ao reconhecimento da teoria de Kuhn vários autores propuseram-se a apresentar e analisar a sua obra. Dentre estes se destacam: Alexander Bird (2000), Ana Rosa Pérez Ransanz (1999) e Paul Hoyningen-Huene (1993).

63 A obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” (2013) é repleta de exemplos históricos do desenvolvimento

científico como um espaço de disputas, marcado por consensos e dissensos; e 3. compreensão do desenvolvimento da ciência como um processo não cumulativo.

A teoria sócio-histórica de Kuhn foi desenvolvida no contexto de surgimento da “nova filosofia da ciência”, influenciada pela Sociologia e pela “nova historiografia da ciência” (HOYNINGEN-HUENE, 1993; PÉREZ RANSANZ, 1999). Kuhn (2013) destaca que a prática científica observada no espaço acadêmico não corresponde à abordagem idealista e formal das teorias tradicionais, essencialmente filosóficas. Para o autor, estudos anteriores preocupavam-se em estabelecer um “ideal de ciência”, apresentando princípios e critérios adequados à prática dos cientistas. Em contrapartida, sua proposta é observar a história de uma comunidade de cientistas a partir de suas relações e estrutura reais. Na história encontram-se os elementos fundamentais para o estudo da ciência desde que consideradas as especificidades particulares de cada disciplina em perspectiva com seu próprio tempo e contexto. Para o autor

[...] a investigação histórica cuidadosa de uma determinada especialidade num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação (KUHN, 2013, p. 115).

A observação do comportamento de uma comunidade de cientistas indica que sua organização é semelhante à de qualquer outra comunidade e o seu desenvolvimento é marcado por consensos e dissensos. Esse desenvolvimento ocorre em duas fases64: uma de imaturidade e outra de maturidade. A primeira fase diz respeito ao momento de formação de uma área disciplinar. Esta é marcada pelo dissenso, em um cenário onde cientistas apresentam perspectivas diversas em relação a temas, teorias e métodos. Os debates disciplinares são frequentes, porém os cientistas estão preocupados em definir escolas, de modo que não é possível um acordo sobre os compromissos básicos da comunidade. Nesse sentido, a mudança de fase parte do acordo. Segundo o autor:

64 A noção da teoria kuhniana como um “modelo de fases” está presente na obra Reconstructing scientific revolutions: Thomas Kuhn’s philosophy of Science de Hoyningen-Huene (1993). A ideia de uma fase pré-

paradigmática e uma fase paradigmática foi mais tarde repensada por Kuhn em Second Thought on Paradigms (1977b) e aparece no posfácio da segunda edição de seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas (2013). O autor afirma que “os membros de todas as comunidades científicas, incluindo as escolas do período pré- paradigmático, compartilham os tipos de elementos que rotulei coletivamente de um paradigma. O que muda com a transição à maturidade não é a presença de um paradigma, mas antes a sua natureza. Somente depois da transição é possível a pesquisa normal orientada para a resolução de quebra-cabeças” (KUHN, 2013, p. 285).

Quando, pela primeira vez no desenvolvimento de uma ciência da natureza, um indivíduo ou grupo produz uma síntese capaz de atrair a maioria dos praticantes de ciência da geração seguinte, as escolas mais antigas começam a desaparecer gradualmente. Seu desaparecimento é em grande parte causado pela conversão de seus adeptos ao novo paradigma (KUHN, 2013, p. 82).

A segunda fase, também reconhecida como fase paradigmática, diz respeito inicialmente à formação de um consenso disciplinar, resultando na coesão de uma comunidade de cientistas em torno de valores e crenças. Estes passam a ser compartilhados e levam os cientistas a constituírem uma percepção do mundo de forma pré-determinada. Kuhn (2013) afirma que no momento em que uma área disciplinar atinge a fase madura o seu desenvolvimento pode ser descrito como uma sucessão de períodos de consenso intercalados por curtos períodos de dissenso (GUITARRARI, 2004).

O conjunto de valores e crenças de uma comunidade de cientistas determina o padrão de investigação científica que será seguido pelos seus membros. Esse comprometimento refere-se à adesão da comunidade a um paradigma. De acordo com Kuhn (2013), os paradigmas65 são “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante um certo período, fornecem problemas e soluções-modelo para uma comunidade de especialistas” (p. 13). Eles definem os temas, teorias e métodos legítimos, bem como os problemas, as perguntas, as hipóteses, os dados empíricos e os critérios de validação de uma pesquisa científica. Na medida em que permanece o consenso em torno de um paradigma, ele se torna hegemônico e os pesquisadores passam a se dedicar à prática da ciência normal. Nas palavras do autor:

[...] “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para a sua prática posterior (KUHN, 2013, p. 71).

65 A definição de paradigma que apresento é a mais reconhecida e utilizada, todavia é possível encontrar

diversas definições para a palavra paradigma na obra de Kuhn (MASTERMAN, 1979). O autor, reconhecendo posteriormente a possibilidade de divergências na compreensão do conceito utilizou-se de novos espaços para retrabalhá-lo, dentre os quais se destacam os seus ensaios Reflection on My Critics (1979) e Second Thoughts on

Essa prática é característica de uma ciência madura. É o momento em que os pesquisadores podem aprofundar-se em questões previamente determinadas por um paradigma. Nessa fase a ciência é cumulativa. Para isso, entretanto, assume um caráter dogmático e conservador. Os cientistas não buscam a inovação teórica e também são intolerantes com inovações propostas por outros cientistas. O autor reconhece que “talvez essas características são defeitos” e que essa prática “restringe drasticamente a visão do cientista”. Todavia, argumenta que “essas restrições, nascidas da confiança no paradigma, revelaram-se essenciais para o desenvolvimento da ciência” (KUHN, 2013 p. 89).

Portanto, Kuhn (2013) não apenas descreve o fenômeno da ciência normal, mas também justifica que esta possibilita a prática mais eficiente de produção do conhecimento. Na medida em que os cientistas ignoram ou não são capazes de perceber problemas fora do quadro de referência determinado pelo paradigma, eles podem dedicar-se integralmente ao mesmo. Desse modo, a prática dos cientistas não é dedicada à falsificação de suas teorias66, mas sim ao aprofundamento ou especialização. A prática da ciência normal pode ser descrita como uma atividade rotineira de resolução de “quebra-cabeças”67. Segundo o autor

Resolver um problema de pesquisa normal é alcançar o antecipado de uma nova maneira. Isso requer a solução de todo tipo de complexos quebra- cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos. O indivíduo que é bem sucedido nessa tarefa prova que é um perito na resolução de quebra-cabeças. O desafio apresentado pelo quebra-cabeça constitui uma parte importante da motivação do cientista para o trabalho (KUHN, 2013, p. 105).

A ciência normal evolui historicamente na medida em que é capaz de se reproduzir, ou seja, na medida em que é capaz de conquistar novos membros para a comunidade. Para tanto, é necessário que esses novos membros sejam socializados a partir dos valores e crenças determinados pelo paradigma hegemônico68. Essa socialização exige o reconhecimento da autoridade dos pesquisadores mais antigos da comunidade, o domínio da linguagem disciplinar e o respeito a regras formais e informais de comportamento. Desse modo, o pertencimento a uma comunidade demanda um processo de iniciação no qual se demonstram relevantes a participação de cientistas em associações disciplinares e a produção de manuais e

66 Nesse ponto Kuhn (2013) estabelece debates relevantes com Karl Popper (1993). Afirma que ele apresenta

uma perspectiva significativamente distinta da sua na medida em que Popper “nega qualquer procedimento de verificação” e “enfatiza a importância da falsificação, isto é, do teste que, em vista de seu resultado negativo, torna inevitável a rejeição de uma teoria estabelecida” (KUHN, 2013, p. 244).

67 A compreensão da atividade científica como a resolução de “quebra-cabeças” refere-se à busca pela adequação

da realidade a teorias aceitas pela comunidade de cientistas (KUHN, 2013).

outros tipos de publicações. Isto porque há uma mudança no próprio padrão de comunicação ao qual os novos cientistas devem adaptar-se. Para Kuhn:

Quando um cientista pode considerar um paradigma como certo, não tem mais necessidade, nos seus trabalhos importantes, de tentar construir seu campo de estudos começando pelos primeiros princípios e justificando o uso de cada conceito introduzido. Isso pode ser deixado para os autores de manuais (2013, p. 83).

As ciências maduras são ciências que se estruturam a partir de um paradigma hegemônico. Portanto, são dogmáticas e resistentes à inovação e ao pluralismo. Questionamentos aparecem apenas quando o paradigma está em crise, em decorrência de anomalias69, ou seja, quando o cientista se depara com fenômenos ou problemas não contemplados pelo paradigma. As anomalias podem ser compreendidas de formas diferentes ou mesmo não serem reconhecidas por parte da comunidade. Um período de crise gera um estado de insegurança e tensão70 aos pesquisadores da área que, inicialmente, tentam atribuir as falhas de pesquisa ao pesquisador e a sua incapacidade de resolver quebra-cabeças.

Há uma resistência à mudança, de modo que um paradigma passa a ser recusado pela maioria da comunidade de pesquisadores apenas no momento em que “existe uma alternativa disponível para substituí-lo” (KUHN, 2013, p. 160). É necessária a apresentação de um novo conjunto de valores e crenças disciplinares71, um novo paradigma. Este processo de transição, portanto, ocorre apenas a partir de uma revolução científica que, para Kuhn, pode ser comparada a uma revolução política. Segundo o autor:

As revoluções políticas iniciam-se com um sentimento crescente, com frequência restrito a um segmento da comunidade política, de que as instituições existentes deixaram de responder adequadamente aos problemas postos por um meio que ajudaram em parte a criar. De forma muito semelhante, as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma (KUHN, 2013, p. 178).

69 Kuhn (2013) ressalta que nem toda a anomalia provoca uma crise do paradigma. Em geral, questões não

previstas pelo paradigma são ignoradas ou consideradas como um quebra-cabeça mais difícil.

70 A tensão essencial no período de transição entre dois paradigmas também é abordada por Thomas Kuhn em The Essential Tension: Tradition and Innovation in Scientific Research (1977a).

71 Kuhn (2013) afirma que a rejeição de um paradigma por uma comunidade de cientistas sem que este seja, em

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