• Nenhum resultado encontrado

A Política Pública “Economia Solidária”: uma intenção

CAPÍTULO II – ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA INTENÇÃO E UMA AÇÃO

2 ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA INTENÇÃO E UMA AÇÃO

2.2 A Política Pública “Economia Solidária”: uma intenção

O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento tem como objetivo promover o fortalecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário. Assim, está relacionado com os objetivos da política setorial do Ministério do Trabalho e Emprego, que explicita: “crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades sociais” (BRASIL, MTE, 2003), visando desenvolver políticas de fomento e estímulo às atividades econômicas orientadas e organizadas pela autogestão.

É propósito da Secretaria Nacional de Economia Solidária-SENAES, em consonância com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego, combater a desigualdade e a exclusão social, mediante a operacionalização do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento. Para cumprir seu objetivo, o Programa busca ainda integrar e articular diversas políticas que vêm sendo desenvolvidas pelo Governo Federal, além de criar instrumentos para potencializá-

las. Para operacionalizar essas ações e como estratégias de implantação de suas políticas, trabalha em parceria com a Fundação Banco do Brasil, com a qual firmou convênio para desenvolver o Programa Trabalho e Cidadania. Através desse Programa, a SENAES tem realizado parcerias com entidades da sociedade civil ligadas à economia solidária e a Governos Estaduais e Municipais, para implantar e operacionalizar suas ações.14 (BRASIL. MTE, 2003).

Caberia, ratificando as propostas da SENAES, mencionar o livro: “Políticas Públicas de Economia Solidária,” resultado das oficinas de formação dos gestores públicos de economia solidária realizadas no segundo semestre de 2005. No texto, fica esclarecido que, no âmbito de uma política pública de economia solidária, há um processo intenso e tenso em curso, com o surgimento recente da economia popular solidária na agenda pública do país. Embora sejam muitos os atores sociais empenhados na sua construção, os sujeitos políticos desse setor ainda estão emergindo, identificando-se, criando alteridades políticas, formando- se, ocupando lugar no cenário político. Nas discussões da área, percebe-se o Fórum Social Mundial (2001) como um marco divisório, um elemento catalisador nos estudos que deram origem a elaboração de uma política pública voltada para o emprego e à geração de renda.

Essa também é a opinião de Wallerstein (2005, p.272, 273) que, comentando os movimentos anti-sistêmicos, menciona inicialmente os protestos ocorridos em Seattle, durante as reuniões da Organização Mundial do Comércio, em 1999. Para o autor, depois de Seattle – como mais um marco divisório, várias demonstrações ocorreram em todo o mundo, a cada vez que se realizavam reuniões intergovernamentais por uma agenda neoliberal. As manifestações, sem sombra de dúvidas, apontavam para uma percepção mais aguçada de vários setores sobre as políticas neoliberais implantadas mundialmente. Tais manifestações acarretaram a construção do Fórum Social Mundial-FSM, cujos primeiros encontros realizaram-se em Porto Alegre. “Em 2002, por ocasião da segunda reunião do FSM, estiveram reunidos mais de 50 mil delegados de mais de 1.000 organizações.”

14

A Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES - foi criada no Ministério do Trabalho e Emprego - MTE - em junho de 2003 e ao longo do ano desenvolveu ações de estruturação interna, de interlocução com a sociedade civil com os diversos setores do próprio MTE e com outros órgãos governamentais. 2004 foi o primeiro ano em que a SENAES contou com orçamento próprio. Neste contexto teve como desafio a implementação do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento e a institucionalização dos procedimentos de execução de suas políticas e dos recursos orçamentários discriminados.

Wallerstein menciona ainda que apesar de se ouvirem queixas, por parte de alguns movimentos da Velha Esquerda, de que o Fórum Social Mundial é uma fachada apenas reformista, o nível destas críticas e da divisão é até agora mínimo. Há protestos, questionamentos, sem dúvida, “mas não fizeram nenhuma denúncia”.

Também Sader (2003) comparece e explica que, na atual fase de acumulação sem desenvolvimento, na qual o capitalismo atinge os limites de sua expansão histórica, não apenas é difícil manter as conquistas históricas, como avançar com elas, além de se reinscrever, na ordem do dia, a luta pela emancipação humana. Essa luta só pode estruturar-se em torno dos direitos universais garantidos para todos. Para o autor, “essa é a luta essencial para que o Brasil deixe de ser uma democracia política assentadasobre uma ditadura social.”

Nessa perspectiva, incorporamos ao debate o resultado de uma pesquisa realizada por professores da Universidade Federal Rural de Pernambuco(2004), intitulado “Introdução ao estudo da economia solidária em Pernambuco.”15O trabalho, elaborado por Paulo de Jesus, Gilvando Rios, Guilherme Soares e M.ª Luiza Pires, aponta inicialmente as mudanças econômicas ocorridas nos dois últimos séculos. Nesse período, como sabemos, o sistema econômico classificou e separou gradativamente os indivíduos segundo sua cota de capital. Em seguida, os autores deixam evidenciado que, nesses últimos tempos, as formas clássicas de resistência dos trabalhadores “pela via dos afrontamentos de classe, pela reclusão em modos de vida tradicionais e por tentativas de entrar individualmente no jogo, em busca de um lugar ao sol, mostram-se mais e mais impotentes.”

Trata-se de mais uma contribuição, um estudo relevante sobre a temática, pois, além do ineditismo, seus autores consideram como território o Estado de Pernambuco. E então, iniciam a análise a partir dessa realidade geográfica, avaliando que o Estado é diferenciado e complexo, “com distintos ambientes naturais que, de certo modo, condicionam a dinâmica econômica local, configurando quadros sociopolíticos e econômicos particulares.” 16

15

O trabalho é parte do livro organizado por Gaiger, L. Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil. Porto Alegre: UFRGS; Unitrabalho,2004.

16

Os autores explicam as razões que balizaram as considerações analíticas empreendidas para a escolha das categorias: “(1) autogestão e democracia; (2) participação; (3) cooperação no trabalho; (4) sustentabilidade e viabilidade; (5) igualitarismo; (6) caráter formativo e educabilidade; (7) responsabilidade social.”

Concluindo as análises, os autores apontam situações vinculadas à responsabilidade social, presentes em todos os empreendimentos analisados e ainda o reconhecimento da importância atribuída à identidade coletiva. Correndo o risco de reduzirmos um trabalho saliente a uma análise parcial, podemos acrescentar que a economia solidária mostrou-se uma alternativa viável (ou possível) para o enfrentamento da realidade local. Nos relatos, encontram-se iniciativas carregadas de solidariedade - ligações de pessoas independentes - no interior das experiências e, sobretudo, a reinvenção do cotidiano de pessoas numa nova instância de “movimentos populares.”

Sobre a expressão movimento popular, concordamos com as explanações de Vakaloulis (2005, p.127) quando menciona que, sem prever ou inaugurar uma nova era de antagonismo social, na medida em que a dinâmica da mobilização coletiva não obedece necessariamente a uma lógica de ascensão, as atuais lutas por emprego, defesa dos direitos sociais ou de proteção social produzem efeitos intangíveis, ou invisíveis. Assim:

A noção de movimento social indica a persistência de uma interação antagônica prolongada que vai além do movimento crítico de conflitos isolados. Trata-se de efeitos de expansão e contágio, de repercussão intra e intersetorial.

[...] A expressão movimento social se refere ao surgimento de uma conflitividade essencialmente pós-política, que evolui na ausência de gravidade de um espaço político abstrato.17

Não se perde de vista que esse cotidiano não se dá sem contradições, limites e resistências. Principalmente quando se pondera sobre o território social, a realidade econômica do Estado de Pernambuco, a capital Recife e especialmente o bairro de Santo Amaro, apontado como o bairro mais violento da capital, com uma população estimada em 29.140 habitantes, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2000) e cuja discussão será incorporada ao debate mais adiante.

Antes, porém, deixamos evidenciado que a construção de uma utopia social precisa ser baseada na garantia dos direitos humanos como princípio moral. O que se constitui num dos principais aspectos da busca por uma transformação política na sociedade contemporânea, além de fundamento de movimentos emancipatórios. Direito a ter direitos e a reivindicação de uma inclusão igualitária no espaço dos cidadãos são os fundamentos constitutivos de práticas

17

Sobre o assunto, com interpretações de vários autores é importante a leitura do livro: Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos para uma nova práxis.

ainda não consagradas por toda a sociedade, como nos ensina Arendt (1971). Mesmo assim, essa tentativa de inclusão igualitária no espaço dos cidadãos será abordada no próximo item, como capital social.