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Mapa 4 Corte do Distrito de Inhambane com indicação dos locais onde se fixou a IME

4 RELAÇÃO IME E AS POPULAÇOES ANCESTRAIS

4.1 ALGUNS VALORES CULTURAIS DAS COMUNIDADES ANCESTRAIS

4.1.1 A Poligamia

A poligamia era um dos valores culturais das comunidades ancestrais que divergia com os objetivos da evangelização promovida pelas igrejas protestantes no sul de Moçambique, incluindo a IME. Há varias explicações sobre a origem da poligamia. Patrick Harries (2007) considera que Junod ligou a origem da poligamia com a escravatura, ou insuficiência dos homens devido à sua morte nas guerras; também podia ter a sua origem no antigo sistema de casamentos em grupo e a formação de uniões poligâmicas e poliândricas (HARRIES, 2007, p. 260).

Ele afirmou categoricamente que o casamento em tribos primitivas ou semi- civilizados não é um assunto individual como se tornou conosco. É um assunto da comunidade. É uma espécie de contrato entre dois grupos, a família do marido e a família da mulher (HARRIES, 2007, p.260).

Partindo desta premissa Junod não via o lobolo como um contrato entre duas famílias com a finalidade de assegurar um bom tratamento da mulher, nem uma promessa ou segurança solicitada pelos pais da mulher como proteção da sua filha. Junod via o lobolo como uma compensação de um grupo para o outro para restaurar o equilíbrio porque, com o dinheiro do lobolo adquiria outra mulher, que era propriedade do grupo que a adquiria e não somente de um homem (JUNOD, 1996, p. 257 e 258). Entretanto Junod condenava a poligamia devido aos maus tratos sobre a mulher e o desenvolvimento das paixões sexuais entre os polígamos; os conflitos que se registravam nas povoações dos polígamos decorrentes do ciúme entre as mulheres; e a ruína da família provocada pela poligamia, quando praticada em grande escala (JUNOD, 1996, p. 262 e 263). Mais tarde acreditou que os polígamos não deviam ser expulsos das Missões e aconselhou o Estado para desencorajar, em vez de condenar a poligamia, registrar apenas uma mulher e cobrar imposto pelos casamentos subseqüentes (HARRIES, 2007, p.260).

Para Luis Polanah (s.d.) a poligamia era índice de prosperidade do ponto de vista econômico e alargamento da família. Por um lado, cada esposa de uma relação poligâmica reproduzia e contribuía no alargamento da linhagem do marido, por outro lado, cultivava uma porção de terra que para além da sua alimentação e dos filhos, contribuía para a criação do excedente de produção. Ora, esta prática foi objeto de combate por parte dos missionários de várias confissões religiosas, mas com poucos resultados “positivos” (POLANAH, s.d., p. 190). Para os anglicanos, por exemplo, a conversão e a monogamia deviam estar de mãos dadas, ou seja, a conversão era o sinônimo da eliminação da poligamia e fortificação da monogamia, como se pode constatar da seguinte declaração de W. E. Smyth, primeiro bispo dos Libombos:

A poligamia está totalmente em plano diferente; aqui nós tocamos a lei divina. Qualquer homem que tem mais que uma esposa está a agir ao contrário da lei como nos foi colocada a nós em palavras inconfundíveis por Cristo; e a pena para o cristão que ofender desta maneira é ser excomungado de todos os privilégios da Igreja até que ele se submeta a tal disciplina como a gravidade da ofensa parece exigir no juízo daqueles apontados para a autoridade na Igreja (...). Antes que qualquer um possa ser admitido a qualquer sacramento conosco deve haver arrependimento (SAÚTE, 2005, p. 259 e 260).

Esta medida pressupunha uma escolha difícil para quem fosse polígamo. A opção pela monogamia significava a expulsão ou, no mínimo, o abandono da outra ou das outras mulheres. Se por um lado esta decisão lhe permitiria aderir à nova religião, por outro lado lhe colocava numa situação de conflito social que envolvia uma ou mais famílias, incluindo os filhos nascidos das poligamias porque passariam a ser mulheres e filhos abandonados.

Nas Circunscrições de Homoíne e Morrumbene, parte das populações praticava a poligamia. A IME apesar da sua doutrina de promoção da monogamia, como era o caso de outras igrejas protestantes, não conseguiu erradicar esta prática. Alguns homens, mesmo convertidos à IME continuavam a praticar a poligamia. Os homens viam na poligamia uma fonte de riqueza uma vez que para poder ter maior rendimento na produção agrícola devia ter mais mulheres para permitir o cultivo de maiores extensões de terras e mais colheitas. A poligamia estimulava também o lobolo, outra prática que foi duramente combatida pela IME. A este respeito Marcos Nhantumbo afirmou o seguinte:

A poligamia, o nosso povo cá era generalizado por ter mais do que uma mulher, a maioria parte daqueles que teria conhecimento também aqueles que casaram da parte religiosa tinham outras mulheres, particularmente, que o pastor não podia conhecer quando casasse. O espírito de poligamia persistia cada vez mais, esse tentou trabalhar para ver o mau da poligamia na família, sobretudo no próprio homem, ficava escravo de cuidar mais pessoas sem ter recursos para poder ajudar e fazer mais filhos quando não podia então conseguir educá-los e prepará-los para a vida futura... (Marcos Nhantumbo. Entrevista realizada em Chicuque, 10. 12. 2006).

Se a poligamia continuava ainda que de uma forma clandestina, a aderência à IME, sobretudo a ascensão aos postos de evangelista, catequista e pastor, significava abster-se necessariamente dela. Houve mesmo casos em que tendo mais do que uma mulher, o indivíduo viu-se na obrigação de escolher uma e abandonar as outras para poder abraçar a carreira de evangelização. Oliveira Naftal Zunguze contou como o seu pai, inicialmente polígamo com três mulheres, abandonou duas delas incluindo a sua mãe quando foi indicado para assumir o lugar de evangelista:

Então, quando teve este trabalho de evangelista, o papá deixou as nossas mães e ficou com a outra nossa mãe chamada Isabel... as normas da igreja não permitem que um evangelista tenha mais do que uma mulher, deve ter apenas uma mulher. Foi por essa razão que deixou a minha mãe (Oliveira Naftal Zunguze. Entrevista realizada em Cambine, 07. 12. 2001).

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