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2.5 A doutrina do habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (1904-

2.5.2 O Supremo Tribunal Federal e a “doutrina brasileira do habeas

2.5.2.2 Os casos de dualidade de assembleias estaduais e municipais

2.5.2.2.3 A posse em mandatos políticos e o caso de dualidade de

Na disputa eleitoral pela presidência do estado do Rio de Janeiro em 1914, Nilo Peçanha concorreu com Feliciano Sodré. Ao longo do processo eleitoral, houve uma divisão da Assembleia Legislativa em dois grupos, cada um deles defendendo sua própria vitória e empossando seus próprios correligionários. As tensões que se seguiram foram grandes, tendo o governo federal, inclusive, disponibilizado tropas militares para garantir a ordem no local. Nilo Peçanha, então, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, pedindo que lhe fosse concedido habeas corpus preventivo para tomar posse como Presidente do estado. Em 16 de dezembro de 1914, sendo relator o Ministro Eneas Galvão, a Corte decidiu:

Ementa: o habeas corpus concede-se preventivamente a todo aquele que eleito e proclamado Presidente de um Estado pelo Poder competente, se considerar ameaçado de penetrar no edifício destinado à residência do presidente do Estado para exercer as funções desse cargo, porque as expressões do texto constitucional (art. 72, §22) compreendem quaisquer coações, e não somente a violência do encarceramento ou do só estorvo à faculdade de ir e vir. Nenhum outro meio existe em nosso direito processual capaz de amparar eficazmente o livre exercício dos direitos, a liberdade de ação, de fazer tudo o que a lei não proíbe, de proteger o indivíduo para não ser ele obrigado a fazer o que a lei não lhe impõe, uma grande porção de atos, enfim, de natureza pública ou privada, e cuja execução pode ser embaraçada não somente privando alguém de locomover- se.

O habeas corpus é meio judicial idôneo para amparar a liberdade individual no exercício de direito, de atos da profissão, do emprego, de funções públicas, os decorrentes da qualidade de cidadão e outros muitos, cujo desempenho se caracteriza por uma atividade moral, puramente abstrata, sem necessidade de ir e vir. A providência do

habeas corpus estende-se ao funcionário para penetrar livremente na

sua repartição e desempenhar o seu emprego, aos magistrados, aos mandatários do Município, do Estado, da União, para, também, francamente, penetrarem nos edifícios próprios e, ocupando suas sedes, praticarem a sua função ou mandato.

O habeas corpus não conserva mais o seu primitivo aspecto, não deve ser conceituado com as restrições da antiga legislação. Outra concepção dele resulta em face dos dizeres do §22 do art. 72. O

habeas corpus evoluiu com as necessidades do meio social e político,

não se preocupando mais o Supremo Tribunal com a sobrevivência da locução latina em nossas leis, mas com o espírito do direito novo a dominar os fenômenos de ordem jurídica.

O Supremo Tribunal Federal tem a faculdade de interpretar soberanamente as regras constitucionais, sem estar, de preferência, subordinado aos dispositivos das leis ordinárias. [...] Nenhum poder pode privar os indivíduos dos amplos benefícios do habeas corpus. Na ordem constitucional as leis só valem pela inteligência que lhes dá o judiciário, nos pleitos que julga.

O habeas corpus é o recurso mais adequado ao amparo da liberdade individual em todas as modalidades. Questões políticas envolvidas na causa em que se debatem direitos sujeitos à apreciação da justiça não podem excluir o julgamento desta. É indispensável a exibição desde logo do título hábil ou demonstrar-se a capacidade legal, em virtude da qual o indivíduo ou cidadão se julga com o direito de não ser tolhido nos atos funcionais ou de profissão, para proteger o livre exercício ou a prática profissional. A documentação dessa prova deve ser imediata, livre de dúvidas sérias, líquida para o Tribunal, porque o habeas

corpus não suporta diligências probatórias. (Supremo Tribunal

Federal, Habeas Corpus n. 3697. Rio de Janeiro, DJ 16-12-1914. Rel. Min. Eneas Galvão. In. Revista Forense. Vol. 4. P. 3-28)

Esse último acórdão é, em vários sentidos, um ótimo exemplo do conteúdo e do alcance atribuído ao habeas corpus nesse momento. Ele traz a ideia de que a Constituição de 1891 havia previsto uma forma mais moderna e atual para o instituto, permitindo seu uso para proteger outros direitos individuais, além da liberdade de locomoção. Além disso, reafirma o poder do Judiciário de realizar o controle de leis e atos administrativos, à luz da Constituição e inclusive em sede de habeas corpus. Por fim, admite a possibilidade de intervenção em questões de natureza política, ainda que, para tanto, seja necessária a prova de certeza sobre o direito.

E vários outros foram os casos que, nesse mesmo sentido, também abordaram a questão da posse em mandatos eletivos e do exercício de funções públicas. Sobre isso, escreve Lêda Boechat (1965, p. 135):

Repetem-se os pedidos de habeas-corpus para garantir o exercício de funções públicas. O fundamento dos acórdãos é tratar-se ou não do exercício de funções públicas baseadas em direito líquido, certo e incontestável. Alguns ministros ficavam na preliminar de tratar-se de “questão política”. Os casos levados ao Supremo Tribunal versam principalmente sobre deputados estaduais que se queixam de violências sofridas, Presidentes de Estado e juízes.

Apenas para ilustrar outro caso nesse sentido, onde já aparecia consolidada a ideia do direito certo, líquido e incontestável, decidiu o Supremo Tribunal:

Para garantir, por meio de uma ordem de habeas corpus o livre exercício de mandatos políticos é indispensável que a situação jurídica dos pacientes seja certa, líquida e incontestável. (Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 4003. Rio de Janeiro, DJ 17-6-1916. Rel. Min. Viveiros de Castro. In. Revista Forense. Vol. 28. P. 178)

Porém, nem só de casos políticos resumia-se a experiência jurisdicional da doutrina brasileira do habeas corpus. Houve, igualmente, casos que se debruçaram sobre outros direitos. No próximo tópico, será possível analisar o uso do instituto do habeas corpus, por exemplo, para a defesa da liberdade de expressão e contra a censura oficial do governo.

2.5.2.3 A liberdade de expressão e de imprensa: os discursos de Rui Barbosa e o