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A possibilidade de exigibilidade plena e imediata da reparação civil ex delicto

5. REPARAÇÃO CIVIL EX DELICTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

5.3 A possibilidade de exigibilidade plena e imediata da reparação civil ex delicto

A reparação civil ex delicto é um direito fundamental que tem por escopo a garantia de condições materiais mínimas indispensáveis, para que o vitimado necessitado possa desfrutar de uma vida saudável e digna, de igual modo aos demais partícipes da vida em comunhão.

Trata-se, naturalmente, de um direito fundamental do qual, devido a sua fundamentalidade material, resultam importantes efeitos jurídicos, entre os quais a sua validade ética e deontológica dentro da ordem jurídica constitucional, sendo esses efeitos que conferem também a sua justiciabilidade.

Esse foi também um dos motivos, senão, a principal, com que sustentamos a obrigação de o Poder Público se submeter ao conteúdo do direito fundamental a reparação civil ex delicto e, consequentemente, criar condições indispensáveis para que o vitimado possa

denunciar o trauma e prejuízos suportados em decorrência da materialidade do delito, e traçar as formas para a sua recuperação. Enfim, para que as responsabilidades sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e curadas.

Para o efeito, o Poder Público deve garantir a participação efetiva do vitimado no persecutio penal para que este possa estar habilitado a fiscalizar, de perto, não apenas o que está sendo decidido em seu nome, mas de acompanhar a atuação do Ministério Público na ação pública incondicionada e, em caso da inércia deste órgão acusador de representação do Estado, dar prosseguimento ao feito.

Ainda, deve criar condições para que os vitimados possam obter uma indenização justa e adequada, isto é, um quantum in pecunio que corresponda, justamente, ao efetivo prejuízo suportado por aqueles, desde que observado o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Para que se configure a justeza na reparação civil ex delicto, essa deve refletir, como se viu, a integralidade do dano e prejuízo suportado pelos vitimados em decorrência da materialidade do delito, pelo que devem-se computar, nela, o quantum dos danos materiais ou morais, ou cumulativamente, desde que observadas todas as garantias que o processo penal e constitucional moderno assegura os vitimados, entre as quais, a segurança para noticiar os fatos e demonstrar os prejuízos, bem como a ampla defesa.

Computam-se, também, todas e quaisquer espécies de encargos monetários suportados pelo vitimado, consequente do andamento regular do processo ou de providências para a liquidação da sentença reparatória e a devida incorporação do referido quantum in pecunio no patrimônio do cidadão vitimado necessitado, inclusive o quantum dos honorários advocatícios, exceto nas situações em que o Estado faculta àquele, um representante legal e isenta-o de todos os encargos processuais, devendo o justo quantum in pecunio da reparação civil ex delicto ser prioritário em relação a qualquer ato da fase de execução.

O quantum justo da reparação civil ex delicto, porém deve ser devidamente atualizado e legitimado com base na justiça material, através da regra de proporcionalidade, pois, somente essa regra, fornece critérios indispensáveis para o contorno dos limites máximos ou mínimos juridicamente necessários, dos atos interventivos do Poder Público em face dos direitos fundamentais dos cidadãos, inclusive dos vitimados necessitados.

Em se tratando de situações em que o infrator for identificado e preso, porém sem condições econômicas e financeiras para arcar com os custos de prejuízos que sua conduta delituosa haja causado ao vitimado, observa-se que nessa situação, o Estado, deve entrar em

ação, assistindo o vitimado necessitado, mediante a garantia de um quantum in pecunia de um salário mínimo ou mais, sem prejuízo das garantias assistenciais em sentido amplo, como forma de inibir um novo trauma.

O dever assistencial do Estado em face dos vitimados estende-se, ainda, às hipóteses de inimputabilidade, “homicida menor de idade”, ou, ainda, a não instauração do processo criminal, pois, o vitimado não pode ser relegado à situação de extrema pobreza e marginalização, pelo simples fato de aquele ser inimputável.

Deve-se assinalar, ainda, que a assistência prestada pelo Estado pode inibir não somente um novo trauma ou a vitimação do vitimado necessitado, mas contribuir para apaziguar os ânimos no ambiente afetado pelo crime e evitar uma eventual vingança privada contra o infrator, por sentimento de injustiça.

Reparados os danos, sejam eles materiais ou morais, de forma justa e adequada a realidade, como forma de mitigar o sofrimento, a dor da alma e maximizar a realização da vida digna do vitimado, não só se reforça e se renova a vigência da norma penal lesionada, ou dos princípios que informam e fundamentam a ordem jurídica constitucional, mas, materializa-se o próprio direito justo.

Essa função que o jus fundamental à reparação civil ex delicto desempenha na ordem jurídica constitucional resulta também em sua vinculação junto aos órgãos do Poder Público, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, inclusive as pessoas jurídicas públicas ou privadas investidas na função pública.

A vinculação do Poder Executivo, ou do órgão da Administração Pública, deriva da sua função executória, pois é ele, o órgão do Poder Público, que planeja, regulamenta, fornece ou presta serviços com vistas à realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente dos vitimados necessitados.

Já a vinculação do Poder Legislativo ocorre por ser o órgão do Poder Público a que se incumbe constitucionalmente adotar medidas cabíveis, dentro do seu âmbito de atribuição e nos limites legais, para regulamentar e tornar concretos os direitos fundamentais, inclusive os da reparação civil ex delicto.

A vinculação do Poder Judiciário se dá, pois, é o órgão do Poder Público que se incumbe constitucionalmente da tarefa de dizer o direito ou tornar efetivos os direitos e garantias fundamentais, como bem registra Ingor Sarlet Wolfgang.

No âmbito das funções positiva e negativa da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais, assim como o dever de colmatação de lacunas à luz das normas de direitos fundamentais, o que alcança

inclusive, a justiça cível, esfera no qual – ainda com uma dimensão diferenciada – também se impõe uma análise exercida pelos direitos fundamentais sobre as normas do direito privado. (SARLET, 2012, p. 373).

Nesse sentido, ao Poder Judiciário, na sua função jurisdicional, além tornar concreto o direito fundamental e deferir a sua realização para o seu titular ou assegurar o seu respeito, cabe-lhe tornar vigente o conteúdo do jus fundamental, independentemente da sua menção no Texto Magno, a fim de possibilitar a sua aplicabilidade imediata, nos casos de ausência das leis concretizadoras.

Essa nobre função que o Poder Judiciário desempenha, dentro da ordem jurídica democrática, motiva a presente proposta a chamar o Estado-juiz de guardião da Constituição, principalmente dos direitos subentendidos nas normas jus fundamentais ou nos princípios que informam e fundamentam a própria ordem jurídica constitucional.

Dessa função emerge, igualmente, a tarefa de o Poder Judiciário controlar, em última instância, a constitucionalidade das leis, decisões ou atos jurídicos, proferidos pelos demais órgãos do Poder Público, que venham a comprometer os direitos fundamentais à reparação civil ex delicto.

Discorrendo, ainda, sobre a vinculação do Poder Público ao direito fundamental à reparação civil ex delicto, destaca-se também, a função do Ministério Público, órgão oficioso de representação do Poder Público, investido, constitucionalmente, da função fiscalizadora do persecutio penal em matéria dos direitos fundamentais.

Dessa função fiscalizadora, decorre a obrigação de o Ministério Público postular a Ação Penal Pública e instrumentalizar o processo junto ao juízo competente, a fim de esse órgão fazer prevalecer a vontade da Constituição, devendo ambos os órgãos jurisdicionais, no exercício de suas funções, se pautarem sempre pela máxima efetividade do direito fundamental do cidadão necessitado em concreto.

Nesse sentido, Eloísa de Sousa Arruda anota que “tem o Ministério Público o dever de impedir o uso seletivo das normas, democratizando o acesso à justiça e opondo-se a eventuais interesses políticos e econômicos que se afastem das premissas sociais delineadas pela Constituição” (ARRUDA, 2009, p. 376). Conclui-se, desse modo, que também o Ministério Público é guardião da Constituição. Assim sendo, somente a essa deve obediência.

A boa atuação do Ministério Público, principalmente no que tange ao direito fundamental à reparação civil ex delicto, em benefício do vitimado necessitado, significa, portanto, reforçar e renovar a vigência da Constituição ou fortalecer a vontade dela, como assevera Antonio Scarance Fernendes:

[...] o Ministério Público, como órgão que no processo criminal representa o interesse público, deve ter legitimação para pleitear a reparação do dano em favor da vítima do crime, estando, em consequência, autorizado também a requerer medidas cautelares civis tendentes a garantir a efetividade dessa reparação e, ainda, a promover a execução da sentença; a indenização deve ser fixada na sentença penal; o sursis, o livramento condicional, e a reabilitação devem ser condicionados ao pagamento dos prejuízos causados à vítima; a hipoteca e o arresto incidentes sobre bem do réu devem ser prioritariamente destinados à reparação dos danos; os condenados insolventes devem pagar o valor da reparação com o seu trabalho na penitenciária. (FERNANDES, 1995, p. 17).

Realmente, o Ministério Público, por ser o guardião da Constituição, está em sua obrigação de providenciar, dentro das provas de que dispõe e conforme a lei, as medidas cautelares cabíveis, para garantir observância e efetividade ao direito fundamental à reparação civil ex delicto, em benefício do seu titular.

O recurso ao sursis, o livramento condicional e a reabilitação, a fim de condicionar o pagamento dos prejuízos suportados pelo vitimado, ou às medidas cautelares reais75 como a hipoteca76 e o arresto77 incidentes sobre bens do infrator, no sentido de serem prioritariamente destinados à reparação dos danos, ou ainda, de os condenados insolventes pagarem o valor da reparação com o seu trabalho (salário decorrente do trabalho remunerado exercido na prisão), bem como as medidas de caráter de urgência, como, por exemplo: a tutela antecipada, para tornar célere a efetividade da reparação civil ex delicto, seja antes ou depois da sentença penal transitada em julgado, porém não deve ser visto como estigmatização do infrator, mas como motivo de felicidade para todos os sujeitos da relação jurídica do Delito Rei, inclusive para o próprio infrator.

Para o vitimado, isto é, os familiares ou dependentes necessitados, os quais o falecido mantinha, caso efetivada a reparação civil ex delicto, poderão ver sua vida digna, comprometida ou cerceada pelo delito, minimamente restaurada.

Caso a reparação civil ex delicto seja efetivada, principalmente quando essa é garantida e arcada pelos bens do infrator ou pelo seu salário enquanto na penitenciária, o Estado verá também reforçada e renovada a vigência da norma penal ou constitucional lesada.

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Conjunto de medidas que servem para garantir a responsabilização do sentenciado pela reparação civil ex-

delito in pecúnio e, consequentemente, asseguram aos vitimados o futuro ressarcimento pelos prejuízos que

hajam suportado em decorrência da materialidade do evento delituoso. 76

Hipoteca legal, inscrição do bem Imóvel do autor da conduta delituosa para garantir futuro ressarcimento do vitimado, caso aquele for condenado.

77

Arresto, arrecadação dos bens do patrimônio do autor da conduta delituosa para garantir futuro ressarcimento do vitimado, se aquele for condenado.

Também a sociedade, normalmente representada pelo Estado, verá reforçado o respeito pela vida humana e será restaurada da perturbação social, emergente em decorrência do evento delituoso.

Satisfeitos os interesses do vitimado, do Estado e da sociedade, sentindo esses minimamente curados seus interesses ou superada a perturbação social, defere-se o retorno do infrator ao convívio social com mais segurança. Com efeito, dá-se a tão desejada paz jurídica e social.

Sublinha-se, por outro lado, que o recurso às medidas cautelares reais ou assecuratórias, somente será legitimo, se tem por escopo estimular o infrator a efetivar, de forma voluntária, a obrigação de reparar o dano ou as decisões proferidas nesse âmbito, sem a necessidade de recurso a meios coercitivos legais ou quanto necessário recorrê-los em ultima ratio.

A regra é que o Ministério Público deve incentivar o infrator para que este possa efetuar o depósito do quantum in pecunia da reparação civil ex delicto de forma voluntária, sendo apenas em caso de sua inércia que o Estado-Juiz ou o tribunal deve promover a satisfação de tal quantum mediante o recurso às medidas cautelares assecuratórias, ou, caso necessário, usar os meios coercitivos legais.

Convém pontuarmos também que o recurso às medidas cautelares assecuratórias ou o uso dos meios coercitivos legais, além de assegurar a efetividade da obrigação de reparar o dano, inibe não somente as situações nas quais os infratores poderão subtrair-se dessa obrigação, mas os estimula a efetivá-la de forma voluntária, sabendo de antemão que dela poderão tirar proveito como, por exemplo, mitigar os efeitos da condenação e encurtar o tempo de cumprimento da pena.

Para o vitimado, portanto, a medida deve ser capaz de assegurá-lo condições materiais mínimas indispensáveis para o restauro de sua vida saudável e digna, comprometida pelo delito. Já ao infrator, deve ser capaz de mitigar os efeitos da condenação, encurtar o tempo do cumprimento da pena e facilitar a sua reinserção social com maior segurança.

Não sobram dúvidas, também, de que a função fiscalizadora processual do Ministério Público, em face do direito fundamental à reparação civil ex delicto, somente é legítima quando pugnar pela materialização do direito justo e legítimo. Para tal, sua atuação deve tirar obediência e fundamento da Constituição. Nesse sentido, Antonio Scarance Fernendes dispõe:

No campo dos direitos humanos, a atuação do Ministério Público como agente promotor das medidas necessárias para resguardá-los e promovê-los ganha especial relevância. É ele, por vezes, o detentor exclusivo do poder de sustentar a demanda em juízo, seja para a garantia de um direito inerente à dignidade humana que está

sendo negado, seja para dar resposta a uma violação já concretizada a direitos fundamentais. (FERNANDES, 1995, p. 385).

Em verdade, quando se diz função fiscalizadora processual do Ministério Público em face dos direitos fundamentais, quer isso significar, por excelência, que é ele o órgão do Poder Público a que se incumbe, constitucionalmente, remir quaisquer obstáculos que possam comprometer a persecutio penal, de tal sorte que o vitimado e o próprio autor do delito ficam imunes à vitimação por sentimento de injustiça.

Com a boa atuação do Ministério Público na persecutio penal, portanto, tanto o vitimado como o autor do delito estão imunes ao tratamento desumano, como, por exemplo, de serem meros objetos das instâncias formais de controle do crime e sua gestão.

Deve, desde agora, deixar assentado que o direito fundamental à reparação civil ex delicto tem aptidão para produzir seus efeitos jurídicos. Assim sendo, é plausível a sua aplicabilidade direta ou imediata, característica dos direitos fundamentais.

Avulta-se conferir também à aplicabilidade imediata ou direta do jus fundamental à reparação civil ex delicto, em sua função defensiva, cujo objeto é um non facere, ou seja, que impõe a abstenção estatal ou não obstaculizar efetividade à reparatória.

A dimensão prestacional do jus fundamental à reparação civil ex delicto, cujo objeto é um facere, porém, embora se trate de um assunto aparentemente complexo, acreditamos em sua aplicabilidade imediata ou direta.

Cremos, pois, como a reparação civil ex delicto pugna pela criação de condições materiais básicas indispensáveis para que o vitimado necessitado possa desfrutar a vida de forma saudável e digna, não sobra margem de dúvidas, também, a que seu reclame a um facere de natureza material e fática diz respeito à realização de um direito que não se pode deferir em um momento posterior, ou seja, é inadiável. Aliás, até hoje, sequer ouvimos falar em ser humano que já postergou o desfrute de sua vida para outro momento, talvez no cemitério.

Reitera-se, assim, a razão por que se deve recorrer, sempre que possível, às medidas cautelares assecuratórias, a fim de garantir efetividade à reparação civil ex delicto, inclusive as de caráter de urgência, como, por exemplo, a tutela antecipada, para tornar célere a execução ou efetividade ao direito fundamental à reparação civil ex delicto, seja antes ou depois da sentença penal transitada em julgado.

Enfim, ainda que se reconhecesse situação de carência econômica e financeira dos réus, ou a escassez de recursos financeiros do Estado, acreditamos, sem margem de dúvidas, que se observados todas as garantias constitucionais e processuais do direito fundamental da

ação, mediante um tratamento humano e digno para o vitimado necessitado, bem como a garantia do mínimo existencial, ou, ainda, em caso de escassez, remanejando os recursos financeiros de outras áreas menos prioritários ou finalidades realizáveis com o tempo, para a realização da sua vida digna e inadiável, sem prejuízo ao direito à assistência em sentido amplo, não há como declinar aplicabilidade imediata e efetiva à reparação civil ex delicto.