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A Prática Jurisprudencial

No documento Alteração das circunstâncias (páginas 50-53)

I. Introdução

I.I. Sequência da Exposição

3. A Teoria da Frustration no Direito Anglo-Americano

3.2. Estados Unidos da América

3.2.4. A Prática Jurisprudencial

Ainda que os Restatements tenham sido baseados em decisões jurisprudenciais, e a jurisprudência, por sua vez, seja influenciada pelos Restatements, mesmo no calor da publicação do Restatement (Second) of Contracts, a jurisprudência mostrou-se pouco disponível a não exigir o cumprimento de uma prestação em situações hipoteticamente enquadráveis nos institutos da frustration ou da impracticability114. Foi, inclusive, referido, expressamente, pelo tribunal na decisão Kel-Kim Corporation v. Central Markets, INC., de 1987, que as doutrinas que permitem a desobrigação do cumprimento de uma prestação são aplicadas restritamente e apenas em situações extremas115.

114 Como exemplo dos argumentos utilizados pelos tribunais para não desobrigar a parte da prestação, nos

primeiros anos após o lançamento do Restatement (Second) of Contracts: United States v. Grayson, 879 F.2d 620, 624 (9th Cir 1989); Arabian Score v. Lasma Arabian Ltd, 814 F.2d 529 (1987); Rivas Paniagua,

Inc. v. World Airways, Inc., 673 F. Supp. 708 (S.D.N.Y. 1987), cfr. NICHOLAS R. WEISKOPF, op. cit,,

p. 261 et seq.

115 Kel Kim Corp. v. Cent. Markets, Inc., 70 N.Y.2d 900, 524 N.Y.S.2d 389, 519 N.E.2d 295 (1987):

“Generally, once a party to a contract has made a promise, that party must perform or respond in damages

for its failure, even when unforeseen circumstances make performance burdensome; until the late nineteenth century even impossibility of performance did not provide a defense. While such defenses have been recognized in the Common Law, they have been applied narrowly, due in part to judicial recognition that the purpose of contract law is to allocate the risks that might affect performance and that performance should be excused only in extreme circumstance” (tradução livre da autora: “Geralmente, uma vez que um

contraente celebra o contrato, deve cumprir ou responder pelos danos do seu incumprimento, mesmo quando circunstâncias imprevisíveis tenham tornado a prestação onerosa; até ao fim do século XIX, mesmo a impossibilidade da prestação não constituía defesa. Ainda que essas defesas tenham sido reconhecidas em Common Law, têm sido aplicadas restritamente, devido, em parte, ao reconhecimento judicial que o fim da lei dos contratos é alocar riscos que podem afetar a prestação e essa prestação apenas deve deixar de ser exigível em situações extremas”). Decisão disponível para consulta no site de coletânea de jurisprudência

norte-americana CASEMINE, em

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Num caso mais recente116, foi reiterada a conceção de que as partes devem ser

diligentes na negociação e na definição do clausulado dos negócios onde intervêm. No contrato em questão, Gurwitz e a Mercantile acordaram que o primeiro venderia as suas ações de uma empresa e renunciaria ao seu cargo de presidente, na contrapartida de $456.000,00 a pagar pela segunda, em prestações mensais, durante um período de seis anos. A Mercantile apenas efetuou o pagamento da primeira tranche, o que levou a contraparte a exigir judicialmente o cumprimento.

A ré defendeu-se, argumentando que, na sequência da proliferação da internet, a indústria tipográfica (da qual fazia parte) tinha-se degradado, o cumprimento tinha-se tornado impossível ou impraticável, e a causa do contrato frustrada.

O tribunal não aceitou a justificação da Mercantile. Começou por referir que as alterações dos mercados são acontecimentos previsíveis nas economias de mercado, ainda que a sua razão (a proliferação da internet) não o seja. Como maior argumento, acrescentou ainda que o contraente não pode alegar frustration apelando a uma alteração que estava na sua esfera de risco, uma vez que se poderia ter protegido contratualmente contra essa circunstância. A ré deveria ter previsto a possibilidade da alteração ou de uma qualquer alteração, mesmo que em termos gerais, e incluído uma cláusula que exigisse uma modificação/renegociação, ou mesmo a resolução do contrato, na sua eventualidade.

Num outro caso117, o argumento da parte lesada a favor desvinculação do

cumprimento da prestação baseava-se no aumento do preço de mercado do cimento. Em primeiro lugar, o tribunal recordou a secção §265 do Restatement (Second) of Contracts, que indica que a simples maior onerosidade não implica a exoneração do cumprimento. Em segundo lugar, considerou que as partes tinham acordado que o preço se deveria

116 Gurwits v. Mercantile/Image Press, No., No. 051887A. (Mass. Cmmw. May. 15, 2006), decisão

disponível para consulta no site de coletânea de jurisprudência norte-americana CASEMINE, em

«https://www.casemine.com/judgement/us/5914b543add7b04934771776».

117 Tilcon New York, Inc v. Morris County Cooperative, Docket A-5453-10T3 (2014), decisão disponível

para consulta no site de coletânea de jurisprudência norte-americana CASEMINE, em «https://www.casemine.com/judgement/us/5914f161add7b0493497ad6e».

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manter fixo e independente de quaisquer alterações do mercado, ou diferente estaria estipulado no contrato118.

Analisando os hábitos da jurisprudência norte-americana no que toca à desobrigação do cumprimento, especialmente estes dois casos mais recentes, somos confrontados com várias versões diferentes da mesma ideia: as partes desenharam o contrato desta forma, dividindo entre si os riscos, pelo que este contrato resulta da ponderação dos desejos de ambas e é a sua representação perfeita. Seguindo esta premissa, apenas faz sentido desobrigar as partes quando a alteração seja de tal modo extrema que escape totalmente aos seus pensamentos na contratação.

Existe, então, um apelo dos tribunais norte-americanos (e também nos ingleses) à diligência e prudência na elaboração dos negócios jurídicos, que foi respondida com as cláusulas objeto da análise que se segue no Capítulo 5., a saber, a cláusula de hardship e cláusula material adverse change.

118 Este argumento é apoiado na circunstância de uma das partes ser uma cooperativa e recomendações

institucionais aplicadas às cooperativas privilegiarem preços indexados aos valores de mercado, o que as partes recusaram.

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No documento Alteração das circunstâncias (páginas 50-53)

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