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A dimensão pragmática do processo semiósico foi realçada pelo pragmatismo. Com efeito, foi esta corrente filosófica iniciada por Peirce que prestou especial atenção à relação entre os signos e os seus utilizadores. O pragmatismo compreendeu que para além das dimensões sintáctica e semântica na análise do processo sígnico há uma dimensão contextual. Isto é, o signo não é indepen-dente da sua utilização. A novidade da abordagem pragmatista da semi-

ose está em não remeter a utilização dos signos para uma esfera exclusivamente empírica, socio-psicológica, mas encarar essa uti- lização de um ponto de vista lógico-analítico. A dimensão prag- mática é tal como as dimensões sintáctica e semântica da semiose uma dimensão lógica.

De certo modo a pragmática surge como um desenvolvimento imanente do processo semiótico. Com isto quer-se dizer que tal como a análise das formas sígnicas (sintaxe) leva necessariamente à consideração dos valores semânticos como critério para definir as unidades sintácticas, assim também a análise do significado in- duz à consideração das condições e situações da sua utilização. Bobes Naves traça muito bem o desenvolvimento da análise se- miótica conducente à pragmática: "Ao estudar as formas e as re- lações dos signos, (...) somos levados necessariamente a ter em conta os valores semânticos como critério para definir as unida- des, mesmo no plano estritamente formal. E ao analisar o sig- nificado, e sobretudo o sentido, dessas unidades e dos processos sémicos em geral, surgem problemas acerca dos diferentes modos de significar e sobre a forma em que os usos adoptam as relações de tipo referencial, ou as de iconicidade, ou os valores simbóli- cos, etc.; torna-se necessário determinar os marcos lógicos, ide- ológicos ou culturais em que se dão os processos semiósicos; as situações em que colhem sentido os diferentes signos; os indí- cios textuais que orientam os sujeitos que intervêm no processo de comunicação (deícticos, apreciações subjectivas, usos éticos e étimos do signos codificados, etc.) etc., de modo que qualquer estudo semântico ou sintáctico conduz inexoravelmente à investi- gação pragmática. Tanto as unidades sintácticas como o sentido do texto estão vinculados à situação de uso, às circunstâncias em que se produz o processo de expressão, de comunicação, de inter- pretação dos signos objectivados num tempo, num espaço e numa cultura.

Por outro lado, a relação dos sujeitos que usam os signos num processo semiósico em que partilham o enquadramento situaci- onal e todas as circunstâncias pragmáticas, pode estabelecer-se

num tom irónico, sarcástico, metafórico, simbólico, etc., que con- diciona o valor das referências próprias dos signos. As relações dos sujeitos com o próprio texto constitui uma clara fonte de sen- tido. Os signos, incluindo os codificados, mas sempre circuns- tanciais, adquirem um valor semiótico concreto em cada uso, um sentido (...) para além do que possam precisar nos limites con- vencionais do mesmo texto.

O desenvolvimento interno da investigação semiológica con- duz, por conseguinte, de um modo progressivo, da sintaxe à se- mântica e desta à pragmática enquanto consideração totalizadora de todos os aspectos do uso do signo nos processos semiósicos."8.

Assim como as regras sintácticas determinam as relações síg- nicas entre veículos sígnicos e as regras semânticas correlacionam os veículos sígnicos com outros objectos, assim as regras prag- máticas estabelecem as condições nos intérpretes em que algo se torna um signo. Isto é, o estabelecimento das condições em que os termos são utilizados, na medida em que não podem ser formu- ladas em termos de regras sintácticas e semânticas, constituem as regras pragmáticas para os termos em questão9. Efectivamente, o

emprego, por exemplo, da interjeição ’Oh!’, da ordem ’Vem cá?, do termo valorativo ’Felizmente’, é regido por regras pragmáticas. O estabelecimento da regra pragmática permite traçar a fron- teira entre o uso e o abuso dos signos. Qualquer signo produzido e usado por um intérprete pode também servir para obter informa- ções sobre esse intérprete. Tanto a psicanálise, como o pragma- tismo ou a sociologia do conhecimento interessam-se pelos signos devido ao valor de diagnose individual e social que a produção e a utilização dos signos permite. O psicanalista interessa-se pelos sonhos devido à luz que estes lançam sobre a alma do sonhador. Ele não se preocupa com a questão semântica dos sonhos, a sua possível verdade ou correspondência com a realidade. Aqui o signo exprime – mas não denota! – o seu próprio interpretante.

Graças ao carácter diagnóstico da utilização dos signos, é pos-

8Naves Maria del Carmen Bobes, La Semiología, Madrid: Síntesis, p. 97. 9Cf. Morris, ibidem, p. 25.

sível e é "perfeitamente legítimo para certos fins utilizar signos simplesmente em ordem a produzir certos processos de interpreta- ção, independentemente de haver ou não objectos denotados pelos signos ou mesmo de as combinações de signos serem ou não for- malmente possíveis relativamente às regras de formação e trans- formação da língua em que os veículos sígnicos em questão são normalmente utilizados"10. Os signos podem ser usados para con-

dicionar comportamentos e acções tanto próprios como alheios. Ordens, petições, exortações, etc., constituem casos em que os signos são usados sobretudo numa função pragmática. "Para fins estéticos e práticos o uso efectivo dos signos pode requerer vas- tas alterações ao uso mais efectivo dos mesmos veículos sígnicos para fins científicos. (...) o uso do veículo sígnico varia com o fim a que se presta"11.

O abuso dos signos verifica-se quando são usados de modo a darem uma aparência que efectivamente não têm. O abuso toma usualmente a forma de mascaramento dos verdadeiros objectivos visados com a utilização dos signos. Um exemplo de abuso dos signos é o caso em que para obter certo objectivo se dão aos signos usados as características de proposições com dimensão sintáctica e semântica, de modo a parecerem ter sido demonstrados racio- nalmente ou verificados empiricamente, quando efectivamente o não foram.

Morris considera que se trata de um abuso da doutrina prag- matista identificar verdade com utilidade. "Uma justificação pe- culiarmente intelectualista de desonestidade no uso dos signos consiste em negar que a verdade tenha outro componente para além do pragmático, de jeito que qualquer signo que se preste aos interesses do utilizador é considerado verdadeiro"12. Trata-

se de um abuso pois que a verdade é um termo semiótico e não pode ser encarado na perspectiva de uma única dimensão. "Aque- les que gostariam de acreditar que ’verdade’ é um termo estrita-

10Ibidem, p. 27. 11Ibidem, p. 28. 12Ibidem.

mente pragmático remetem frequentemente para os pragmatistas em apoio da sua opinião, e naturalmente não reparam (ou não percebem) que o pragmatismo enquanto uma continuação do em- pirismo é uma generalização do método científico para fins filosó- ficos e que não poderia afirmar que os factores no uso comum do termo ’verdade’, para os quais se tem vindo a chamar a atenção, aniquilariam factores reconhecidos anteriormente"13.