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a – Preâmbulos da crítica ao naturalismo.

2 – Recepção crítica da literatura naturalista – França e Brasil Peut-on dire que les ouvrages des médecins sont

2.1. a – Preâmbulos da crítica ao naturalismo.

O texto de Halina Suwala, “Le roman devant la ‘petite critique’ de 1856 à 1865”104, esboça o panorama imediatamente anterior ao surgimento dos romances naturalistas, mas cujas reverberações se farão sentir no período. Ela se detém somente no que chama de “pequena crítica”, ou seja, aquela que se exercia sobretudo nos jornais, por vezes no calor provocado pelo lançamento dos últimos romances. É mais próxima, portanto, da crítica que se fazia no período no Brasil, onde as primeiras sínteses mais refletidas, lançadas em volume, tiveram que esperar o último quartel do século XIX.

As datas estabelecidas contemplam um momento de mudança, em que os romances vão paulatinamente perdendo seus contornos mais românticos para dar lugar a obras mais pretensamente ligadas à observação meticulosa da realidade: “À antiga fórmula do romance ‘romanesco’, obra de imaginação tendo por finalidade divertir, substitui cada vez mais vitoriosamente uma fórmula nova do ‘romance-estudo’, obra de observação e de razão na qual a imaginação não tem mais o que fazer”105. É um momento de certo apuro – no sentido de depuração – para a crítica, que tem por primeiros alvos os populares feuilletons: “O tempo desta ‘literatura barulhenta passou’, constata Louis-Xavier de Ricard, acrescentando que os leitores

103 ALONSO, Ângela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra,

2002. p. 33.

104 SUWALA, op.cit. p. 30.

105 “A l’ancienne formule du roman ‘romanesque’, oeuvre d’imagination ayant pour but de divertir, se substitue de

plus en plus victorieusement une formule nouvelle de ‘roman-étude’, oeuvre d’observation et de raison où l’imagination n’a plus que faire”. Ibid.

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sérios procuram em um romance ‘antes a descrição fiel dos caracteres e dos costumes que peripécias complicadas e confusas’ ou ‘obscuras sobreposições de intriga’”106.

A expectativa da crítica, assim, é que a imaginação ceda lugar à “vida vivida”. O folhetim não saiu de cena nem seus admiradores secaram suas lágrimas de uma hora para outra diante das mais tocantes intrigas amorosas, mas o discurso crítico cada vez mais valorizava um romance que fosse “a própria imagem da vida”107. Em sua síntese, Suwala faz um apanhado das posturas críticas após 1860, das quais a opinião de Guy Robert é de certa forma emblemática: “a realidade é uma grande coisa em poesia e em literatura, a maior talvez, [e] a maneira como ela deve ser sentida, apreendida e reproduzida é certamente a primeira das preocupações de todo verdadeiro artista”108, afirmação que parece soar como anúncio do que logo mais será um dos pontos centrais na discussão relativa ao naturalismo.

Embora essa afirmação possa granjear sem muita dificuldade seus simpatizantes, não se deve vê-la, contudo, como sinônimo de uma adesão unânime dos críticos ao “realismo” ou um cenário de tendências homogêneas suficientes para abarcar todas as correntes de pensamento. As discordâncias são as mais variadas e as subdesignações não tardam a surgir. Ainda segundo Suwala, termos tais como “realismo sensual”, “realismo burguês” e “realismo psicológico” são algumas das divisas que atrairam e repeliram seguidores.

Por mais diverso que seja o cenário, dois aspectos estiveram presentes nas avaliações críticas desse período: o moral e o formal. No aspecto moral, as acusações são contra a falta de posicionamentos mais enfáticos do narrador na condenação do vício e no elogio da virtude: “o escritor permanece ‘insensível’, ‘impassível’ diante do espetáculo do vício e da virtude, do mal e do bem; ele ‘disseca’ suas personagens com o ‘sangue-frio’ de um médico examinando ‘um caso interessante de patologia’”109.

Ainda que cobrem dos romances um compromisso maior com a observação, muitos críticos que constituem esse momento de transição de que fala Suwala não estão dispostos a

106 “Le temps de ‘cette littérature bruyante est passé’, constate Louis-Xavier de Ricard en ajoutant que les lecteurs

sérieux cherchent dans un roman ‘plutôt la description fidèle des caractères et des moeurs que des péripéties embrouillées et confondues’ ou ‘d’obscurs enchevêtrements d’intrigue’”. Ibid. p. 32.

107 “l’image même de la vie”. Ibid, p. 33.

108 “la réalité est une grande chose en poésie et en littérature, la plus grande peut’être, [e que] la manière dont elle

doit être sentie, saisie et reproduite, est certainement la première des préoccupations de tout véritable artiste”. Guy Robert, Apud Ibid.

109 “L’écrivain reste ‘insensible’, ‘impassible’ devant le spectacle du vice et de la vertu, du mal et du bien; il

‘disséque’ ses personnages avec le ‘sang-froid’ d’un médeccin examinant ‘un cas intéressant de pathologie’”. SUWALA, op.cit.p. 36.

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aceitar narradores tão neutros e impassíveis diante da matéria narrada. A imoralidade de Madame

Bovary, por exemplo, não está em algum elemento pontual prontamente identificável, mas, segundo Taillandier, “no sistema do escritor, em sua indiferença altamente propalada, nesta arte egoísta que se acredita dispensada de todo sentimento humano quando ele disse: ‘Eu sou o realismo’”110. Isso para não falar das matérias supostamente indignas das páginas do romance, como as descrições eróticas, as volúpias amorosas, as obscenidades e os vícios.

Entre os defensores desse romance que procura maior fidelidade descritiva de variados aspectos da sociedade estão aqueles que compreendem a tarefa do romancista como a de um médico, que deve, pelo seu trabalho dedicado e imparcial, curar as doenças sociais. L.X. Ricard, em texto citado como epígrafe a este capítulo, propõe a questão e a responde:

Pode-se dizer que as obras dos médicos são imorais? De forma alguma. Elas são verdadeiras. É tempo de ler a literatura com o mesmo espírito, o que quer dizer que é tempo de conduzir a literatura à verdade. A pintura franca do vício nunca é imoral ou perigosa. O que é perigoso e imoral é aplicar a maquiagem e as graças sobre o vício, a fim de embelezá-lo111.

É a partir desse “maquiamento” que compreendemos também porque o papel do narrador no romance foi o centro de algumas leituras críticas dos romances naturalistas, alguns anos mais tarde. O narrador tem em mãos a possibilidade de aparecer de maneira explícita na condenação do vício ou esconder-se, dando, assim, a impressão de conivência com ele. Mas esse “apagamento” do narrador não pode ser tomado como sinônimo de aprovação da imoralidade. Suwala condensa as opiniões prevalecentes no período aqui em discussão: “a intervenção muito manifesta do autor prejudica não somente a ilusão, mas também a moral, que perde ao ser imposta com muita indiscrição112. Essas objeções de ordem formal também acusam esse “novo romance” de suprimir a personalidade do artista, o que reduz a arte a mera cópia da realidade. É

110 “dans le système de l’écrivain, dans son indifférence hautement affichée, dans cet art égoïste qui se croit dispensé

de tout sentiment humains lorsqu’il a dit: ‘Je suis le réalisme’”. St.-R. Taillandier, “Le réalisme épique dans le roman”, Apud SUWALA, op. cit. p. 37.

111 “Peut-on dire que les ouvrages des médecins sont immoraux? Nullement. Ils sont vrais. Il est tempos de lire la

littérature avec le même esprit, ce qui veut dire qu’il est temps de ramener la littérature à la vérité. La peinture franche du vice n’est jamais immorale ou dangereuse. Ce qui est dangereux et immoral, c’est d’appliquer le fard et des grâces sur le vice, enfin de l’embellir”. L.-X. de Ricard, Apud SUWALA, p. 38.

112 “l’intervention trop manifeste de l’auteur nuit non seulement à l’illusion, mais aussi à la morale qui perd à être

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importante reter essa discussão travada no âmbito do papel do romancista frente à realidade que lhe serviu de inspiração, porque ela é alicerce a partir do qual argumentos favoráveis e contrários ao naturalismo serão erigidos.

Ainda sobre o panorama francês, mas agora tendo como alvo o tema propriamente naturalista, a síntese elaborada por Alain Pagès divide em três momentos a crítica nesse período subsequente ao apresentado por Suwala. O primeiro, de 1870 a 1877, é mais marcadamente de ordem moral e tem como representante de destaque J. Barbey d’Aurevilly. A predominância da moralidade significa uma rejeição sem concessões do naturalismo, cujo emblema maior é a série dos Rougon-Macquart de Zola.

D’Aurevilly entende que o autor de L’Assomoir contrapõe à “vida moral” a “vida física”, e o que daí resulta é uma aproximação muito perigosa entre a vida humana e a vida animal, como se Zola defendesse quase que uma igualdade entre as espécies. O emprego de “matérias ignóbeis” e a exposição de “coisas vergonhosas” contribuem para a imoralidade da obra:

eu não quero lembrá-lo daquilo que ele esquece, ou seja, que o emprego de matérias ignóbeis rebaixa a arte e a torna impossível. O Realismo mentiu! Há sempre em todo grande artista uma altura original e uma pureza de gênio, que rejeita tocar nessas coisas vergonhosas nas quais o autor de l’Assomoir não teme mergulhar sua mão113.

Contribuiria ainda para a moralidade do romance a presença do narrador para emitir de maneira inequívoca sua opinião, o que não se vê em Zola:

Findo o diálogo, o romancista retomaria sua narrativa e sua Página, aí lançando seu estilo e seu pensamento. Mas o sr. Zola não tem nem estilo nem pensamento para lançar. Ele não tem no ventre mais do que a consciência dos seus personagens, que sua ignóbeis paixões, sua horríveis maneiras de sentir e de se expressar114.

113 Je ne veux lui rappeler que ce qu’il oublie, c’est que l’emploi des matières ignobles abaisse l’art et le rend

impossible. Le Réalisme en a menti! Il y a toujours dans tout grand artiste une hauteur originelle et une pureté de genie, qui dédaigne de toucher à ces choses honteuses dans lesquelles l’auteur de l’Assomoir ne craint pas de plonger sa main…”. Cf. D’AUREVILLY, op.cit. p. 232-3.

114 “Le dialogue fini, le romancier reprenait son récit et sa Page, y versant son style et sa pensée. Mais M. Zola n’a ni

style ni pensée à verser. Il n’a plus dans le ventre que la conscience de ses personnages, que leurs ignobles passions, leurs horribles manières de sentir et de s’exprimer”. Ibid, p. 234.

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O segundo período proposto por Pagès vai de 1877 a 1885, encontra em Brunetière seu crítico típico e tem um viés histórico que procura analisar o movimento naturalista comparando- o com seus antecessores. O saldo, no entanto, não é muito positivo aos romancistas: “Fundamentalmente hostil, essa visão crítica se esforça, no entanto, para analisar a lógica interna do naturalismo e para compará-lo com outros movimentos literários; ela reprova suas incoerências no nível da teoria e seu fracasso no nível da narrativa”115. Brunetière associa naturalismo com materialismo e, conquanto Pagès destaque o viés histórico de suas considerações, delas não estão ausentes questões que o ligam a aspectos morais, como se vê abaixo quando o crítico procura caracterizar a “arte materialista”:

É uma arte que sacrifica a forma à matéria, o desenho à cor, o sentimento à sensação, o ideal ao real; que não recua nem diante da indecência nem diante da trivialidade, da própria brutalidade; que fala enfim sua linguagem à multidão, achando sem dúvida mais fácil dar a arte em pasto aos instintos mais grosseiros das massas que elevar sua inteligência até a altura da arte116.

“Indecência”, “brutalidade” e “instintos grosseiros” são termos que indicam a presença, em Brunetière, de preocupações morais. A arte, para ele, deve exercer uma função educativa; ela parte da matéria, mas lhe dá um tratamento capaz de amenizar seus contornos mais repugnantes. O terceiro período, que abrange os anos de 1885 a 1893, vê predominar, com Jules Lemaître, o critério estético, a partir do qual será recusada a pretensão científica do naturalismo (como veremos logo a seguir).

Mas essa divisão tem um caráter bastante didático e ideal que não deve ser tomado de forma demasiadamente estanque, posto que um período continuará a exercer sugestão sobre outro, como reconhece o próprio Pagès:

115 “Fondalement hostile, cette vision critique s’efforce cependant d’analyser la logique interne du naturalisme et de

le comparer avec d’autres mouvements littéraires; elle lui reproche ses incohérences dans l’ordre de la théorie et son échec dans l’ordre du récit”. PAGÈS, Alain. La bataille littéraire. Librairie Séguier: Paris, 1989. p.17.

116 “c’est un art qui sacrifie la forme à la matière, le dessin à la couleur, le sentiment à la sensation, l’idéal au réel;

qui ne recule ni devant l’indécence ni devant la trivialité, la brutalité même; qui parle enfin son langage à la foule, trouvant sans doute plus facile de donner l’art em pâture aux instincts les plus grossiers des masses que d’élever leur intelligence jusqu’à la hauteur de l’art”. Cf. BRUNETIÈRE, Ferdinand. Le roman naturaliste. Phénix Éditions: Paris, 2002. (1ª edição 1892). p. 3.

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os dois últimos [períodos] jamais eliminaram o primeiro, que subsistiu, reativado em seguida pelo caso Dreyfus, a partir de 1897. De resto, a visão histórica é uma retomada hábil, mais bem argumentada, da visão moral, da mesma forma que a visão estetizante inclui em sua progressão os princípios do empreendimento histórico.117

Permanece, contudo, uma distinção que permite perceber que os dois primeiros períodos, de crítica moralizante e histórica, são mais negativos em relação ao naturalismo que o período de predominância estética. Ainda segundo Pagès, essa certa condescendência de Lemaître encontra amparo na ligação que o crítico novecentista faz entre a série dos Rougon-Macquart e o gênero clássico da epopeia.

De fato, Lemaître encontra na sequência de romances zolanianos um panorama que condensa toda uma época, o que o aproximaria, assim, de um poema épico. A diferença é que no gênero clássico os personagens são pintados “maiores que a natureza”, divinizados portanto, enquanto que nos romances de Zola, Lemaître os encontra “animalizados”. Conquanto essa característica signifique para o crítico certo rebaixamento na caracterização do humano, ele não a desabona, “porque se chega, pela mentira dessa redução, a devolver a figuras modernas uma simplicidade de tipos primitivos”. Assim, o romance “move as massas, como na epopeia”118.

Outro ponto de contato entre a epopeia e o romance Lemaître o encontra na “acumulação de detalhes”, na “franqueza” dos procedimentos narrativos, no interesse pelos detalhes, a partir do qual se pode contemplar a “cozinha de Gervaise” da mesma maneira que Homero se detinha na do aedo de Aquiles. Junte-se a isso a despreocupação de Zola com a repetição de frases e palavras, que Lemaître associa às repetições na Ilíada, e teremos assim o argumento final que o leva a definir os romances de Zola como “uma epopeia pessimista da animalidade humana”119.

Suwala incrementa essa síntese ao defender a ideia de que a crítica literária “oficial” de fins do XIX, avessa a inovações, aferra-se a um exame das obras pelo ponto de vista moral e retórico: “Hostil a toda novidade e inimiga jurada da escola histórica, esta crítica universitária se

117 Mais les deux dernières n’ont jamais chassé la première qui a subsisté, réactivée ensuite par l’affaire Dreyfus, à

partir de 1897. Du reste, la vision historique n’est qu’une reprise habile, mieux argumentée, de la vision morale, de même que la vision esthétisante inclut dans sa progression les principes de la démarche historique.” PAGÈS, Alain.

Émile Zola – bilan critique. Éditions Nathan: Paris, 1993. p. 48-49.

118 “Car il arrive, par le mensonge de cette réduction, à rendre à des figures modernes une simplicité de types

primitifs. Il meut des masses, comme dans l’épopée”. LEMAÎTRE, Jules. Les contemporains – études et portraits

littéraires. Première Série. Paris: Boivin & Cie. Éditeurs, s/d. p.283.

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obstina a considerar as obras em si mesmas, fechando-se em sua apreciação moral e retórica, sem considerar as circunstâncias de sua aparição”120. A autora de Autour de Zola et du naturalisme associa a essa crítica de interesse moral uma outra, movida essencialmente pela defesa da ausência de finalidade externa da arte. Essa atitude teria levado os que se pautavam segundo a “arte pela arte” a negligenciar todos os aspectos externos à obra, o que resumia o trabalho crítico a um exercício de fruição individual: “ela [a crítica] não admite outros critérios de julgamento que ‘o gosto’ pessoal do crítico que ‘degusta’ a obra como se degusta o vinho”121.

Após essas fases, advém a exigência requerida pelos novos ventos científicos, e a crítica se inclinará por abraçar um espírito que possa ser qualificado como “científico, analítico e crítico”. Responde às exigências a “nouvelle critique” ou “nouvelle école de critique”. É nesse momento que o método de Taine, que não descarta a história, começa a ganhar importância. Citando Julien Girard, Suwala explica: “Outrora, a história era pouco conhecida; não se conhecia a crítica literária. Tomava-se a obra em si mesma, e ela era analisada e examinada à luz de regras”122. Contudo, “por volta de 1860, o método histórico, malgrado vivos protestos da crítica conservadora que o combate em nome da ‘individualidade e da liberdade humana’, consegue se impor”123. Mas essa sobreposição da crítica de viés mais histórico não absolveu sem mais o naturalismo, que se viu, durante toda sua existência, sob o olhar desconfiado e não poucas vezes reprobatório dos letrados.

O que se depreende dessa síntese que procurou compor as linhas gerais dos discursos críticos envolvendo o naturalismo é que não há um cenário uniforme que pudesse englobar a crítica como um todo. Ela mostra também aquilo que é importante para os propósitos do presente trabalho, ou seja, a permanência da questão moral na crítica que recepcionou os romances naturalistas. É o que veremos a seguir, a partir de uma abordagem mais minuciosa dessas críticas.

120“Hostile à toute nouveauté et ennemie jurée de l’école historique, cette critique universitaire s’obstine à considerer

les oeuvres en elles-mêmes, s’enfermant dans leur appréciation morale et rhétorique, sans égard aux circonstances de leur apparition”. SUWALA, op.cit. p.14.

121 “Elle n’admet pas d’autres critères de jugement que ‘le goût’ personnel du critique qui ‘déguste’ l’oeuvre comme

on déguste le vin”. Ibid.

122 “Autrefois l’histoire était peu connue; on ne connaissait que la critique littéraire. On prenait l’oeuvre en elle-

même, on l’analysait, on l’examinait à la lumière des règles”. Ibid. p. 17.

123 “vers 1860, la méthode historique, malgré de vives protestations de la critique conservatrice qui la combat au

47 2.1.b – As abordagens críticas.

Aristóteles já diferenciava o poeta do historiador ao dizer que ao primeiro cabia “representar o que poderia acontecer”, ou seja, “o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade”124, enquanto que o segundo registrava o acontecimento particular, vivenciado por um indivíduo. Isso tornaria o ofício poético diferente do historiográfico, porque não está preso ao relato da individualidade: “por isso a poesia é algo de mais filosófico do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular”125. Encontramo-nos aqui no campo da mímesis, conceito que recebeu desdobramentos e comentários por toda a história da tradição artística ocidental. Curioso será perceber que as discussões suscitadas por Aristóteles se constituem no elo primordial que, após tantos desdobramentos, chegará aos debates sobre o romance naturalista, em torno de uma questão fundamental para autores e críticos de finais do XIX, a que se desdobra ao redor da matéria digna de imitação no romance, como vimos no primeiro capítulo.

As objeções lançadas pelos críticos ao naturalismo acusam esse “novo romance” de suprimir a personalidade do artista, reduzindo a arte, com isso, a mera cópia da realidade. Uma corrente crítica aí verá um desrespeito às regras mais caras do trabalho mimético. Nas palavras de Suwala percebemos claramente a referência a Aristóteles:

Combatendo esta ‘singular estética que reduziria a arte à imitação’, os críticos invocam a regra clássica da verossimilhança bem como a oposição, igualmente clássica, entre o real e o verdadeiro. Criar ilusão, o que é o objetivo da arte, é fazer o verossímil, e fazer o verossímil é ir do real, que é único e que pode ser excepcional, ao verdadeiro que é universal. Reprova-se aos realistas o fugir a esta regra, de se imaginar que tudo o que é real convém à arte: ‘É um dos erros dos escritores realistas acreditar que uma obra de arte