• Nenhum resultado encontrado

A prestação jurisdicional como serviço público

No documento A do Estado por atos (páginas 43-46)

Há algumas atividades que, em face de seu caráter de satisfação e prestação à sociedade em geral, o Estado chama para si o dever de assumi-las, ainda que às vezes sem exclusividade, evitando que fiquem soltamente nas mãos da livre iniciativa e sob a fiscalização e controle dos particulares.

Pela importância que ditas atividades representam, o Estado passa a submetê-las a um regime disciplinar diferenciado, naturalmente correspondente a ele mesmo, com vistas a resguardar os interesses nelas compreendidos. Tem-se aqui, assim, o chamado serviço público, que, por sua vez, é submetido à disciplina do Direito Público.

No entanto, dito conceito que se tem de serviço público não é estanque, pois oscila no tempo e no espaço, sofrendo influência direta do ordenamento jurídico de cada País, das necessidades políticas, dos costumes e do conceito de Estado que lá se tenha. Desse modo, poderá uma atividade ser considerada serviço público em

determinada nação e não ser em outra, ou ainda ser elevada a tal condição durante algum tempo e, posteriormente, deixar de ser arrolada enquanto tal.

Nesse sentido entende a professora Dinorá Grotti ao lecionar que:

Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção do Estado sobre seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado tempo o histórico”.39

Em face disso, há concreta discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do que seria de fato o conceito serviço público. Nesse meio, a maioria dos estudiosos conclamam por duas conceituações principais, uma em sentido estrito e outra em sentido amplo.

O primeiro desses conceitos, ou seja, em sentido estrito, estabelece que serviço público é todo aquele que o Estado, por meio da Administração, exerce direta ou indiretamente para a realização de seus propósitos, sob normas de ordem pública e para a satisfação dos anseios da coletividade, ainda que secundários, ou simplesmente pela mera conveniência do Estado. Devendo-se excluir de seu âmbito as funções típicas do Poder Legislativo e Judiciário, quais sejam, a atividade legislativa e jurisdicional respectivamente.

Todavia, a maior parte dos doutrinadores, a exemplo de Léon Duguit e José Cretella Jr., firma-se no sentido de adotar o conceito amplo de serviço público, tendo em vista o seu caráter mais abrangente e genericamente possível. Assim, entendem estes que toda atividade exercida pelo Estado, por meio de seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) para a realização direta ou indireta de suas finalidades deve ser conceituada como serviço público.

Em virtude de tudo o supraexposto, é imperioso alocar a prestação jurisdicional no Brasil como sendo legitimamente um serviço público, caracterização esta que está em completa sintonia com a definição dada pela doutrina majoritária. Veja-se, a título exemplificativo, o disposto por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

39 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São

Serviço público é toda atividade que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à necessidade coletiva, sob regime jurídico predominantemente público. Abrange atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade.40

De fato, desde que o Estado passou a não mais aceitar a autotutela no meio social, ou seja, o exercício da justiça pelas próprias mãos, trouxe para si a tutela dos direitos violados ou que estejam prestes a ser. Por isso, inclusive, é que a justiça é desempenhada apenas pelo Estado, preferencialmente pela Administração Direta, sem haver espaço para qualquer tipo de delegação. Além disso, sendo indispensável à coletividade, uma vez que é por seu intermédio que se vela pelo respeito aos direitos, coletivos ou individuais, não se deve dar espaço para dúvidas quanto à responsabilidade estatal decorrente dos danos que tal exercício possa causar.

É justamente isso que se conclui ao apreciar o art.5, inciso XXXV da Constituição Federal, que preceitua “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Está aqui então o fundamento do princípio da unicidade da jurisdição, adotado no ordenamento jurídico brasileiro, pelo qual se entende que o monopólio da função jurisdicional é detido por aquele Poder estatal, o que lhe confere o poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça a direitos, ainda que seja o próprio Poder Público o autor destas.

Segundo preconiza Cretella Junior:

Não há razão que justifique excluir, como exceção, a espécie serviço público judiciário do gênero serviço público geral. A responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público, porque o ato judicial é antes de tudo, ato jurídico público, ato de pessoa que exerce serviço público judiciário.41

Fica demonstrada dessa forma a verdadeira natureza da atividade jurisdicional como sendo legítima expressão do gênero serviço público estatal, fato este que faz gerar por si só a obrigação de responder perante terceiros quando lhes causem danos. No entanto, malgrado este seja o entendimento majoritário atualmente, ainda há

40DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.56. 41CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 275

aqueles que se posicionam em sentido contrário, assunto este a ser tratado posteriormente.

4 O MAGISTRADO COMO AGENTE PÚBLICO

No desempenhar das funções que lhe são incumbidas e perseguindo os fins almejados, conforme disposto nas normas constitucionais, o Estado, enquanto pessoa jurídica, dotado de uma complexa estrutura política-administrativa, encontra-se subdividido em diversos órgãos a fim de melhor executar as suas atividades, sendo estes compostos por agentes públicos (pessoas físicas) responsáveis seus atos mera representação da vontade do Estado.

4.1 Agentes públicos

É preciso, de antemão, lembrar que no âmbito do direito administrativo brasileiro, vigora em sua completude a chamada Teoria do Órgão. Segundo ela, presume-se que a pessoa jurídica expressa sua vontade por meio dos órgãos, que são

No documento A do Estado por atos (páginas 43-46)