• Nenhum resultado encontrado

A privatização das telecomunicações no Brasil

No documento Privatização e processo decisório (páginas 156-200)

1. Introdução

O processo de privatização da telefonia no Brasil diferiu significativamente de outros setores, indicando que a política de privatização não constitui um pacote fechado vinculado à reforma do Estado, podendo ser desagregado em várias políticas particulares, cada uma com trajetória específica no processo político decisório. Na sua concepção mais ampla, o processo de privatização iniciou-se no Governo Collor com a edição da medida provisória 155 de 1990, que originou a lei 8031/90, posteriormente suplantada pela lei 9.491 de 9 de setembro de 1997.139 Apesar dos governos anteriores terem feito algumas tentativas no sentido de adotar a política de privatização ao longo da década de 1980, foi nesta época que pela primeira vez esta foi vinculada às chamadas reformas estruturais, e a um programa consistente de recuperação da capacidade financeira do Estado (Almeida, 1996).

Neste capítulo, a exposição da privatização das telecomunicações no Brasil está organizada da mesma forma que no capítulo anterior, quando apresentei a evolução do processo nos outros quatro países analisados. Primeiro, apresento o contexto institucional em que se processou a privatização, para em seguida expor os detalhes do processo de formulação e aprovação da lei. Esta exposição tem como objetivo mostrar o impacto das regras institucionais, somadas à composição do Legislativo sobre a condução do processo. A análise da privatização da Telebrás não se restringirá à passagem da Lei Geral de Telecomunicações, mas incluirá também a passagem da Proposta de Emenda Constitucional, que extinguiu o monopólio estatal das telecomunicações. Depois passo à análise da interação entre os sindicatos e o governo ao longo do processo, a fim de mostrar o impacto do arranjo institucional sindical e do contexto institucional sobre a capacidade de influência dos sindicatos, ou de outra forma, a permeabilidade do governo à influência dos grupos de interesse.

139 Na minha tese de mestrado, Ferraz (2000), analisei extensamente a evolução do Programa Nacional de Desestatização (PND), que tinha como uma de suas principais características o poder discricionário conferido ao BNDES na determinação das regras da privatização de cada empresa, e ao presidente na determinação das empresas objeto de privatização.

2. O contexto político institucional

A Constituição de 1988 consagrou no Brasil um sistema presidencialista, onde tanto o poder Executivo, como o Legislativo (este dividido em duas câmaras) são potencialmente agentes com capacidade de veto e de agenda asseguradas pela Constituição.140 As regras institucionais do presidencialismo brasileiro determinam diferentes capacidades aos poderes Executivo e Legislativo para introduzir políticas na agenda pública, bem como para obter resultados favoráveis ao longo do processo decisório. Alguns críticos do sistema político brasileiro têm sugerido que a Constituição da Nova República acabou por estabelecer uma relação assimétrica entre esses dois poderes, fortalecendo o Executivo em detrimento do Legislativo. Outros autores, contudo, têm procurado mostrar que apesar do primeiro comandar o processo Legislativo isso não se faz às expensas do poder Legislativo, mas com a sua colaboração.

No “presidencialismo de coalizão” existente no Brasil, para usar o termo cunhado por Abranches (1988), o poder Executivo é praticamente obrigado a buscar aliados no Legislativo para que possa governar. Isso porque a obtenção da maioria dos votos nas duas casas do Legislativo pelo partido do presidente é extremamente improvável, dada a utilização do sistema eleitoral proporcional para a Câmara dos Deputados. Na legislatura correspondente ao período em que se processou a privatização, empossada em 1995, havia 18 partidos, sendo que o número de partidos efetivos era de 8,1 (LEEX-IUPERJ). Para Abranches, este alto número de partidos não deveria ser visto a priori como um defeito do sistema, mas fruto da própria “pluralidade social, regional e cultural” do país. Neste sentido, o pluripartidarismo teria, na verdade, a função de garantir a representatividade dos partidos frente a esta diversidade. Os possíveis efeitos perversos da fragmentação, por sua vez, poderiam ser combatidos por meio de alguns mecanismos institucionais como o quociente partidário ou a cláusula de barreira.

Além de permitir a formação de um grande número de partidos aptos a chegar ao Congresso, o sistema eleitoral e partidário brasileiro confere também uma grande autonomia ao representante individual em relação aos partidos. Esta pode ser atribuída principalmente a dois fatores. O primeiro, à adoção de um sistema eleitoral com listas abertas, que restringe o controle do partido sobre a capacidade do político individual ser

140 O poder Judiciário é também fundamental para formação do sistema de “freios e contra pesos” sobre a qual se assenta a divisão dos poderes. Entretanto, este poder não será investigado em detalhes aqui, uma vez que privilegio a interface entre os outros dois poderes e sua ligação com os sindicatos.

eleito, mesmo no caso de voto na legenda. O segundo, à garantia do mandato independente do partido, ou seja, um político tem que estar filiado a um partido para se eleger, mas uma vez eleito ele não precisa mais do partido para exercer seu mandato.

A alta fragmentação somada à relativa autonomia dos deputados e senadores em relação aos partidos levou alguns autores a afirmar que o sistema favoreceria a infidelidade partidária. Esta maior infidelidade, por sua vez, aumentaria os custos de formação da base de apoio do governo, conduzindo a um padrão de barganha centrado no político individual e não no partido. Esta relação é mostrada por Ames (1995: 406), para quem no sistema brasileiro “candidate behavior hinders voter control over deputies, increases incentives for pork seeking, and weakens party programs and discipline”. Segundo a literatura que adota esta visão, a fragilidade do sistema partidário se deveria às regras eleitorais e partidárias permissivas, à ausência de fidelidade partidária, à personalização dos mandatos, à possibilidade de troca de partido durante o mandato, e à facilidade para a criação de novas siglas (Castro Santos, 1997; Melo, 1997).

Este sistema contribuiria, ainda, para o baixo grau de institucionalização dos partidos no país, que somado ao alto grau de fragmentação partidária dificultariam a adoção de estratégias vitoriosas de reforma e favoreceriam a manutenção do status quo (Haggard e Kaufman, 1992 e 1995; Gueddes, 1991). Esta conclusão, desenvolvida por autores como Castro Santos (1997), levou a idéia de que qualquer que seja o governo no Brasil terá de enfrentar um Congresso avesso à cooperação. Para a autora, a cooperação entre os poderes possibilitando o sucesso na aprovação das políticas públicas só pode ser explicada pela distribuição de preferências entre os políticos, como fazem Almeida e Moya (1997), e não pelas regras institucionais como sugerem outros autores como Limongi e Figueiredo (1995).141

Essas afirmações têm sido contestadas em trabalhos que revelam que o comportamento dos deputados não é tão imprevisível quanto se costuma afirmar (Figueiredo e Limongi, 1995; Nicolau, 1996). E que ao contrário, os partidos têm se mostrado coesos, e capazes de manter um grau significativo de disciplina partidária

141 A autora atribui as discrepâncias entre as conclusões do seu trabalho e de Limongi ao fato dela tratar de um estudo de caso ao passo que Limongi trata de dados agregados. Almeida e Moya (1997: 130), comentando a relação entre os poderes durante o processo de adoção da política de privatização concluem que: “O Congresso atuou sobre uma pauta que não foi por ele definida. Mas sua atuação não foi irrelevante. Todo o arcabouço legal da política de privatização foi discutido e negociado no Legislativo (...) Apesar das já citadas vantagens do Executivo, a explicação do comportamento do Legislativo nesse processo não pode ser buscada na subordinação aos ditames de outro poder. Ela reside, isso sim, na distribuição de preferências dos parlamentares”.

durante as votações.142 Figueiredo e Limongi (1996: 27) mostram que durante os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique o “pluralismo não parece ter representado obstáculo intransponível às pretensões dos três diferentes presidentes” e o poder Legislativo acabou agindo como parceiro e não como obstáculo ao poder Executivo. Este resultado, por sua vez, não pode ser compreendido pela simples observação do índice de fragmentação partidária, ou pelas regras constitucionais e do sistema eleitoral (Figueiredo e Limongi, 1995).

Para explicar como o sistema político brasileiro foi capaz de contornar essas tendências a paralisia decisória e a desagregação, oriundas das regras eleitorais e partidárias, as análises de cunho institucionalista têm olhado não somente para as regras institucionais determinadas pela Constituição, mas também para os regimentos internos do poder Legislativo (Figueiredo e Limongi, 1998).143 Pelas regras constitucionais o Executivo dispõe basicamente de quatro mecanismos para assegurar o encaminhamento das reformas. Em primeiro lugar, o poder de editar e reeditar medidas provisórias e decretos, e introduzir legislação com exclusividade em certas matérias.144 Em segundo, o direito de pedir urgência na tramitação das matérias, podendo retirar os projetos das comissões para serem votados, mesmo antes do parecer.145 Em terceiro, o poder de veto total e de veto parcial.146 E por fim, o controle do ministério, podendo nomear e demitir sem interferência externa.147

Os dois primeiros mecanismos proporcionam ao Executivo um alto poder para agendar a pauta legislativa. O terceiro tem o efeito de aumentar significativamente o custo de ação unilateral do Legislativo como um todo, mas principalmente das minorias,

142 Segundo Figueiredo e Limongi (1995: 500): “Os partidos apresentam-se com uma considerável coesão média no período como um todo, posto que os encaminhamentos dos líderes permitem antever o resultado final da votação”.

143 Figueiredo & Limongi (1996) mostram como o controle e a alteração das regras de funcionamento interno do Congresso e outros recursos institucionais restringem as preferências dos parlamentares, contribuindo para o aumento da fidelidade partidária.

144 A Medida Provisória (MP) é regulada pelos artigos 62, e artigo 84, inciso XXVII. Como observam Figueiredo e Limongi (1997), a MP tem um alto custo de rejeição, pois exige maioria qualificada e regulamentações do tempo transcorrido.

145 O artigo 64 da Constituição determina que a presidência pode pedir urgência nos seus projetos, levando-os à ordem do dia caso não sejam analisados em 45 dias.

146 Conforme disposto no artigo 84, inciso V, da Constituição, e no artigo 66. O mesmo artigo determina ainda que o veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional em um prazo de 30 dias, e que para derrubada do veto presidencial, é preciso maioria absoluta nas duas casas e não maioria simples.

uma vez que a derrubada do veto exige maioria absoluta das duas casas.148 O último funciona como uma “carta de fiança” com a qual sinaliza à sua base de sustentação no Congresso que se compromete a atender as reivindicações surgidas durante o processo de barganha.149 Esses mecanismos institucionais mencionados permitem ao Executivo solucionar as dificuldades de coordenação intrínsecas à necessidade de formação de coalizões no congresso, e desta forma promover as reformas, mesmo com os altos custos envolvidos na mudança do status quo. Figueiredo e Limongi (1995: 198) analisando a relação entre os dois poderes mostram que “... as vantagens estratégicas com que conta o Executivo lhe permitem neutralizar as dificuldades decorrentes da estrutura partidária existente”.

Mas se a Constituição de 1988 confere ao poder Executivo uma série de prerrogativas, que em parte visavam afastar o perigo da “paralisia decisória”, mas nem por isso relegava a um segundo plano o poder Legislativo. Algumas regras buscam justamente assegurar o equilíbrio de poderes, como a que garante ao Legislativo a faculdade de “sustar os atos normativos do poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”,150 além do poder de derrubar o veto presidencial e as medidas provisórias. Apesar do presidente controlar as nomeações, o Congresso manteve também a prerrogativa de “dispor sobre todas as matérias de competência da União, o que inclui no inciso XI a criação, estruturação e atribuição dos ministérios”.

Através da análise da tramitação da política de privatização é possível ver que a capacidade do Executivo para adotar as políticas que propõe não se faz às custas do Legislativo, ou do exercício pleno das disposições democráticas, mas basicamente do isolamento da oposição.151 Para que isso se concretize o Executivo deve ser capaz de atuar como governo, montando uma base de coalizão sólida capaz de agregar os dois poderes em uma única instância de veto, negociando dentro da coalizão. A centralização

148 Em outra oportunidade mostrei que a oposição foi capaz de emendar diversas vezes o texto da lei de privatização que regulou o PND, mas que em todas elas o presidente recorreu ao veto parcial e a oposição foi incapaz de derrubá-lo (Ferraz, 2000).

149 Santos (1997), divide os recursos para formar coalizões à disposição do presidente em três blocos: a) o poder patronagem, ligado à formação dos ministérios e ao interesse dos deputados de controlarem cargos e verbas públicas; b) o de agenda, ligado à estrutura institucional que organiza o processo legislativo; c) a similitude ideológica.

150 Constituição Federal, artigo 49 inciso V.

151 Desde o governo Sarney até o segundo governo Fernando Henrique, é marcante a ausência dos principais partidos de “esquerda” nos principais postos do governo. O PSB foi o único partido de esquerda a ter um ministro quando, no governo de transição de Itamar Franco, a formação do gabinete ministerial foi tida como a mais eclética dentre todos as formações do período (Meneguello, 1998).

do processo decisório e a aparente supremacia do poder do Executivo estão, em parte, no alto custo e na dificuldade que a oposição e os partidos minoritários têm de emendar propostas de lei encaminhadas pelo Executivo, ou pela base governista - situação que tende a se inverter caso o presidente não seja capaz de formar a maioria no congresso, contando assim como uma oposição majoritária. O principal recurso que o poder Executivo possui contra a oposição é o veto parcial, uma vez que este precisa da maioria qualificada para ser derrubado, mais do que o mínimo necessário para emendar a legislação.152

Para se entender esta dinâmica é necessário voltar o olhar não somente para os poderes do presidente, como normalmente têm feito os trabalhos sobre o processo decisório no Brasil, mas também para os poderes do Legislativo, incluindo os determinados pelos regimentos internos (Figueiredo e Limongi, 1995: 198). O controle do governo sobre o processo decisório pode ser feito através das lideranças dos partidos pertencentes à base aliada, que por meio do Colégio de Líderes podem influir na seqüência e no andamento das matérias.153 O governo também pode controlar os trabalhos por meio da presidência da Câmara, que pode entre outras coisas determinar a criação das Comissões Especiais (CESP), retirando o trabalho das comissões permanentes, e escolher a agenda de votação.154 É importante notar que ao falar em governo estou me referindo ao poder Executivo e à sua base de sustentação no Legislativo, sem a qual não pode governar.

Para controlar a base o presidente conta com os ministérios, a liberação de verba, e as nomeações para os cargos de confiança como moedas de troca. Esses mecanismos lhe permitem, enquanto líder do governo, controlar o processo decisório no interior do Legislativo. Figueiredo e Limongi (1995: 85), mostram também que: “O Executivo domina o processo legislativo porque tem poder de agenda, e esta agenda é processada e votada por um poder Legislativo organizado de forma altamente centralizada e em torno

152 As emendas são reguladas pelo capítulo V do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). Para propor uma emenda é preciso ter a assinatura de um décimo da Casa, Comissão, ou líder que a represente (art. 129), no caso de urgência muda para um quinto, mas com restrição temporal, não podem ser apresentadas depois que começa a votação .

153 O Colégio de Líderes é regulado pelo artigo 20 do RICD. O artigo 9, inciso 4, determina que os partidos com menos de um centésimo das cadeiras não terão direito a Liderança. Ele é diferente do voto de liderança previsto no Senado e no Congresso, conforme o artigo 45 do Regimento Interno do Congresso (RIC). Os Art. 151 a 197 regulam os pedidos de urgência (2/3 da comissão, 1/3 câmara ou líderes que os representem).

154 A composição da CESP, assim como das outras comissões, obedece à proporção das cadeiras que os partidos têm na casa, e é geralmente controlada pela coalizão majoritária. Estes indicam o presidente e o relator. Pelo menos metade dos membros da CESP, contudo, devem vir das comissões de origem da proposição, conforme disposto no artigo 34 do Regimento Interno da Câmara.

de regras que distribuem direitos parlamentares de acordo com princípios partidários”. Esta perspectiva adotada pelos autores para analisar a relação entre os poderes permite vê-los não como adversários, mas como parceiros, capazes de adotar uma estratégia cooperativa ao longo do processo de privatização.

Os recursos discutidos acima foram largamente utilizados pelo Executivo ao longo do processo de privatização, mas na privatização da Telebrás o presidente praticamente não utilizou suas prerrogativas. Isso graças à ação do Legislativo que na Emenda Constitucional N. 8, restringiu a participação direta do Executivo na regulação da nova lei, e ao dispositivo do artigo 2 do PND que excluiu da aplicação da lei as empresas sujeitas ao artigo 21 da Constituição. Ao Executivo coube, é verdade, dar o primeiro passo introduzindo a PEC número 3 que reformava o artigo 21 da Constituição, mas a partir daí passou a agir em conjunto com a base parlamentar. Na próxima seção procuro mostrar que a passagem da lei de privatização da telefonia foi calcada muito mais na distinção entre governo e oposição do que entre Legislativo e Executivo, se aproximando, assim, do padrão decisório encontrado no parlamentarismo.

Ao assumir o poder em 1995, Fernando Henrique contava com uma forte legitimidade fruto do sucesso do plano real, que ajudou o governo principalmente no momento inicial e mais difícil da reforma, quando se alterou a Constituição. O governo foi eleito com apoio de uma coalizão eleitoral formada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido da Frente Liberal (PFL) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).155 Apesar de oficialmente não fazerem parte da coalizão, o Partido Progressista (PP) e o Partido Liberal (PL) apoiaram a candidatura de Cardoso (Nicolau, 1996). Logo após a eleição a base governista foi significativamente ampliada com a adesão do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e, posteriormente, com a adesão do Partido Progressista Brasileiro (PPB) e do Partido Popular Socialista (PPS). Com isso, a maioria formada pelo governo passou das 231 cadeiras iniciais, representando 45% dos votos na Câmara dos Deputados, para 390 cadeiras, ou 76% dos votos. Ao mesmo tempo, no Senado, o governo passou de 40 para 68 cadeiras no Senado, totalizando 84% dos votos.156

155 A simultaneidade entre as eleições para presidência e para o Legislativo é um ponto fundamental para explicar a formação das coalizões pré e pós-eleitoral, e contribui para que o presidente tenha mais chances de conquistar a maioria do que no caso de eleições não concorrentes, como na França e na Argentina (Nicolau, 1996).

Estes números eram mais que suficientes para o governo aprovar a matéria independente da ação da oposição, devendo apenas manejar para contentar a base governista. A congruência desta, por sua vez, foi garantida não apenas pelos fatores institucionais, que asseguram o controle das lideranças dos partidos sobre o andamento dos projetos dentro do Legislativo e a ascendência do Executivo sobre os deputados e partidos aliados, mas também pela congruência entre as preferências dos atores que formavam a base aliada em torno da promoção da privatização, e de outras reformas propostas. A importância desta congruência para explicar a passagem das leis que reformularam o setor de telecomunicações é frisada por Almeida e Moya (1997), por meio da análise de duas pesquisas de opinião, uma do IDESP e outra do DIAP.157

A primeira pesquisa mostra que em 1991, no início do governo Collor, apenas 34% dos deputados achavam fundamental a participação direta do Estado no setor de telecomunicações. Contra 38% que achavam necessária a participação do Estado como empresário no setor de energia elétrica, 44% no setor petrolífero, 17% em mineração, e 15% em siderurgia. Esta média desagregava-se da seguinte forma: PDS 21%, PFL 19%, PTB 24%, PMDB 30%, PSDB 36%, PDT 58%, e PT 69%. O apoio geral a privatização, ou a “conveniência do Estado se restringir às áreas clássicas” recuou ao longo do tempo, passando de 46% dos parlamentares que concordavam plenamente com a afirmação em 1991 para 22% em 1995.

A segunda pesquisa mostra a posição que os congressistas tinham com relação à privatização das telecomunicações durante a revisão constitucional de 1995. Na Câmara, 28% queriam manter o monopólio, 7% privatizar, e 58,5% se diziam favoráveis à adoção de uma solução intermediária. No Senado, 20% queriam manter o status quo, 5% privatizar, e 71% uma solução intermediária. Entre os maiores partidos, apenas o PT e o PDT descartavam inteiramente a privatização, sendo que o PTB e o PMDB eram os partidos com maior adesão ao status quo entre os que integravam a base governista. Na Câmara a manutenção do status quo era preferida por 15% dos petebistas e 21% dos peemedebistas. No Senado 33% dos petebistas queria manter o monopólio e nenhum

No documento Privatização e processo decisório (páginas 156-200)

Documentos relacionados