CAPÍTULO 3: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1. Conflitos Sociais entre os Direitos Constitucionais ao Ambiente Ecologicamente
3.1.3. A Produção de Riscos e Conflitos Socioambientais Urbanos
Considerando isso o Estatuto da Cidade estabelece que deva ocorrer a vinculação
da moradia com seu entorno.
O art. 23, IX versa sobre este tema, preconizando in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX- Promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Portanto, não há discussões acerca da obrigatoriedade e responsabilidade de
moradia e condições habitacionais, é um dever do Estado com a população.
3.1.3. A Produção de Riscos e Conflitos Socioambientais Urbanos
A produção do risco socioambiental não está apenas atrelada às condições
de classe social de uma população, nem apenas às condições ambientais
existentes. Compreende-se nesse estudo que as dinâmicas ambientais não
escolhem para estabelecimento de locais caracterizados como de risco, um ponto
geográfico que esteja ocupado por populações de classe baixa ou com determinada
característica social ou culturalmente estabelecidas. A natureza simplesmente
ocupa o lugar, no espaço, que as suas dinâmicas físicas, biológicas e químicas
possibilitam, devido a processos nada simples, formados ao longo de 4.6 bilhões
2de anos e alterados por processos dinâmicos de apropriação humana.
Compreende-se que a questão de formação de riscos e conflitos
socioambientais é um conjunto de questões ambientais desconhecidas ou
ignoradas, por processos humanos, políticos e culturais, fundamentada em autores
como Ulrich Beck (2011), Axel Honneth (2009), Sartori (1981). Esses processos
também só existem devido ao cenário no qual está ocorrendo, a cidade, que
engloba todas suas faces em um sistema socioambiental complexo e que demanda
por espaço e recursos de ambos os lados (ambiental e social).
Uma sociedade que compreende as questões socioambientais de riscos,
desastres e mudanças climáticas se correlacionando nesses processos como o
olhar de Beck (2011), aproximado da visão defendida pela corrente da ecologia
34
política, para além da classe social faz com que seja questionado se as catástrofes
ambientais e desastres naturais são social, econômica e politicamente neutras:
“A estrutura de poder do risco está fundada na lógica do risco. Este pressupõe uma decisão, e portanto alguém que toma a decisão, o que produz uma assimetria radical entre aqueles que decidem, definem e tiram proveito dos riscos e aqueles que são seus alvos, que sofrerão diretamente os “efeitos colaterais imperceptíveis” das decisões dos outros, que talvez tenham até mesmo de pagar por elas com suas próprias vidas, sem poder fazer parte do processo decisório. A relação entre o risco e o poder, entre risco e desigualdade reside nessa cisão. [...] tais pessoas são excluídas dos benefícios potenciais da decisão e das condições sob as quais a decisão é tomada, e por vezes até mesmo da informação relativa aos efeitos sobre sua saúde ou chances de sobrevivência, contra os quais essas pessoas são indefesas[...]” (BECK, 2011, página 366).
Neste sentido, a formação de políticas públicas
3constroem as condições
pelas quais a decisão é tomada, em uma cidade, ainda são formadas conforme o
corpo técnico municipal interpreta e aplica as condicionantes legais
pré-estabelecidas, pois o município possui o poder de tomadas de decisão nas cidades
(ESTATUTO DAS CIDADES, 2001).
A consciência de acesso à informação, cultura e poder de decisão ecoa na
importância da justiça ambiental nas políticas públicas para uma operação prática
conduzida inteligentemente, em que ao serem materializadas as leis, na construção
da política pública (SARTORI, 1981), o resultado esperado nos textos de lei também
seja reconhecido na cidade, visando alcançar conciliação dos problemas
socioambientais e os riscos associados.
Neste sentido, os fatores de vulnerabilidade socioambientais devem ser
considerados para as ações de resolução ou minimização das consequências dos
conflitos e dos riscos socioambientalmente produzidos na cidade contemporânea.
Para Beck, é impossível pensar em riscos sem considerar a vulnerabilidade social,
pois segundo ele:
3 Compreende-se como políticas públicas, o estabelecimento de metodologia apropriada para o trabalho jurídico que permita descrever e compreender, segundo as categorias do direito, uma ação governamental determinada e analisar juridicamente o seu processo de formação e implementação. (BUCCI, 2008 páginas 225-260)
35
“Além do mais, sem o conceito de vulnerabilidade social é impossível compreender os riscos sociais e políticos da mudança climática. A noção de que catástrofes naturais e vulnerabilidade social são os dois lados da mesma moeda é uma ideia corrente para um modo de pensar que vê as consequências da mudança climática como um coproduto. Nos últimos anos, porém, a vulnerabilidade social se tornou uma dimensão fundamental nas análises sobre desigualdade social na sociedade mundial de risco: processos e condições sociais produzem uma exposição desigual a riscos que mal podem ser definidos, e as desigualdades decorrentes devem ser vistas principalmente como expressão e produto das relações de poder no contexto nacional e global.” (BECK, 2011 página 366).Ocorre uma grande dificuldade hoje em dia em planejar as cidades com real
inclusão social e sem danos socioambientais, sempre havendo um “efeito colateral”
na aplicação de políticas públicas. Considerando o modelo de desenvolvimento
vigente, fazem parte da construção desses conflitos, os agentes econômicos, os
Estados e parceiros privados (LEVY, 2008).
O modelo de desenvolvimento atual, não costuma trabalhar com a
prevenção, em direção a prevenção de riscos e conflitos, mas sim na compensação
e mitigação, agindo apenas quando o dano está aparente e a violação de direitos já
ocorreu. (LEVY, 2008).
“Ressalta-se a imprevisibilidade do risco: os efeitos colaterais do incomparável avanço científico e tecnológico hodierno não poderiam sequer ser imaginados pelos seus idealizadores. [...] a ambivalência dos riscos estaria no fato de a resolução de determinados problemas gerarem outros problemas.” (LEVY, 2008, página 120).