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Capítulo I A profissionalidade docente e a formação continuada:

1.3 A profissionalidade docente

Face aos aspectos negativos relacionados à profissionalização, tendo em vista as estratégias ideológicas de controle dos professores e em defesa de valores considerados tipicamente como profissionais, que devem ser analisados no contexto de dimensões próprias do trabalho do professor, abordaremos a seguir sobre as qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo, ou seja, a profissionalidade na perspectiva do alerta de Contreras (2002), quanto ao uso retórico da expressão “profissionalização”.

Contreras (2002) alerta que as qualidades da profissionalidade fazem referência àquelas que situam o professor em condições de dar uma dimensão

adequada à sua preocupação em realizar um bom ensino e não um catálogo de atuações, externamente impostas. Assim, para entendermos as características e qualidades da docência, há que se trazer a tona o que se espera desse ofício, uma vez que a docência se define por sua materialidade como prática na sala de aula.

O autor aponta que o termo profissionalidade, como modo de resgatar o que há de positivo à profissionalização, tem a idéia de profissional, no contexto das funções inerentes ao trabalho da docência:

A expressão da especificidade de atuação dos professores na prática, ou seja, o conjunto de atuações, o conhecimento, atitudes e valores ligados a elas, é que constituem a prática específica de ser professor. (Gimeno, 1990 apud Contreras, 2002, p.74).

Contreras (2002, p.75), citando Gimeno (1990), ressalta que a atuação docente não é um assunto de discussões unilaterais dos professores, pois “o ensino é um jogo de práticas aninhadas, onde fatores históricos, culturais, sociais, intelectuais e trabalhistas tomam parte”, cuja resposta profissional mais adaptativa ou mais crítica está em relação à forma como os professores se colocam em comunicação com todos esses fatores. Assim, o autor aponta três dimensões da profissionalidade:

• A obrigação Moral: este compromisso confere à atividade de ensino um caráter acima de qualquer obrigação contratual, pois expressa o comprometimento do professor com todos os alunos em seu desenvolvimento como pessoa. O aspecto moral está muito ligado à dimensão emocional presente em toda relação educativa. Ressalta-se que:

O cuidado e a preocupação pelo bem-estar do alunado ou por suas relações com os colegas e famílias, obedece a um compromisso com a ética da profissão que só pode se resolver no estabelecimento de vínculos que implicam a emotividade e as relações afetivas. (2002, p.77).

• Compromisso com a comunidade: dá-se na relação com a comunidade social na qual os professores devem realizar sua prática, pois sua profissionalidade é expressa na medida em que a comunidade participa das decisões sobre o ensino. O compromisso com a comunidade está

relacionado a uma questão pública, ou seja, política, fazendo com que a profissionalidade signifique também, uma forma de intervir e analisar os processos sóciopolíticos que competem ao trabalho de ensinar. Pois, o ato educativo possui um conteúdo político inerente, na medida em que os professores e a escola educam segundo certas concepções de sociedade e educação.

• A competência profissional: ultrapassando o mero saber técnico, puramente racional, a competência profissional combina habilidades, princípios e consciência do sentido e das conseqüências das práticas pedagógicas, bem como o modo em que se criam e se sustenta o vínculo com as pessoas. “A competência profissional é uma dimensão necessária para o desenvolvimento do compromisso ético e social, porque proporcionam os recursos que a tornam possível”. (Contreras, 2002, p.85).

Nóvoa (2002, p.20) afirma que profissionalidade docente implica em uma identidade profissional que é marcada por seus contornos. Os professores não são meros consumidores, mas antes, produtores de material de ensino; não são apenas executores, mas criadores e inventores de instrumentos pedagógicos e, não são apenas técnicos, mas profissionais críticos reflexivos.

Os professores como profissionais críticos reflexivos diferenciam-se dos professores como funcionários, que estão sob o controle do corpo político e administrativo e diferenciam-se também dos professores como técnicos, que estão sob a tutela dos grupos de cientistas pedagógicos. Exatamente porque devem possuir capacidades de autodesenvolvimento reflexivo como suporte ao conjunto de decisões a serem tomadas no dia-a-dia, no interior da escola. Devem ainda, romper com determinações estritas da regulação da atividade docente e superar uma relação linear e unívoca entre o conhecimento científico-curricular e as práticas escolares.

A profissionalidade docente requer um novo papel do professor na tríplice dimensão: pedagógica, científica e institucional. Os professores devem possuir certos saberes, mas, sobretudo têm que os compreender de modo a intervir sobre eles, desestruturando-os e reorganizando-os. Apossar-se dos meios de controle

sobre o seu próprio trabalho, que implicará em uma maior responsabilidade profissional e maior intervenção autônoma na organização escolar. Assim, Nóvoa aborda o conceito de profissionalidade docente afirmando que este conceito requer um novo papel do professor.

A profissionalidade como um aspecto da profissionalização, na dimensão pedagógica, científica e institucional, sob o ponto de vista da especificidade da prática do professor de Educação Infantil, dado o alargamento de suas funções e o estreitamento de vínculos, que esta educação possibilita, deve ser compreendida e abordada pela formação continuada com um compromisso político, pessoal e social.

Neste sentido, apropriamos do conceito de profissionalidade, discutido pelos dois autores e o redefinimos, em relação ao processo de profissionalização, na realidade brasileira, aos professores de Educação Infantil, concebendo-o como a ação profissional desenvolvida junto às crianças, famílias e comunidade com base em conhecimentos, competências, valores, sentimentos e atitudes dos professores de modo a possibilitar aos mesmos assumirem as dimensões morais, sociais e profissionais da profissão, conscientes dos limites e da definição fronteirística de seu papel enquanto profissional.

Entendemos que a “profissionalidade enquanto qualidade da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo” (Contreras, 2002, p.74), deve ser um dos focos dos Programas de Formação Continuada dos professores de Educação Infantil, dada a especificidade de suas práticas em relação aos demais professores.

Enfatizar a profissionalidade na Formação Continuada do professor de Educação Infantil lhe possibilitará reconhecer o poder dos discursos dominantes, que moldam os governos, nossas ações e pensamentos. Capacitando-o para desafiar e reconstruir estes discursos, baseado na reflexão, no pensamento crítico, no diálogo, nas negociações e nos relacionamentos.

A Formação Continuada lhe propiciará a rejeição da prescrição de regras e padrões, a fim de construir um novo projeto pedagógico, que subsidie a dinâmica de sua prática pedagógica, dando-lhe a possibilidade de arriscar, de enfrentar as incertezas, de teorizar a prática, de buscar novos conhecimentos e informações, de lutar pela construção da “felicidadania”, tal como Rios a define: “Construir a

felicidadania, na ação docente, é envolver-se na elaboração e desenvolvimento de um projeto coletivo de trabalho”. (2005, p.127).

Será esse conceito de profissionalidade, um dos aspectos analisados nos Programas de Formação oferecidos aos professores de Educação Infantil por SME e FABES, nos capítulos seguintes.