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A proibição de comportamento contraditório por meio da preclusão

4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ AO PROCESSO CIVIL

4.4. PRECLUSÃO COMO TÉCNICA DE REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

4.4.2. A proibição de comportamento contraditório por meio da preclusão

A preclusão não se fundamenta apenas na promoção da segurança jurídica, da ordem, da duração razoável e da efetividade processuais, não se limita ao fim de impulsionar o procedimento, pois também assume objetivos ético-políticos, visando à proteção da boa-fé e da lealdade no desenvolvimento da relação jurídica processual253. Como escreve Ada Pellegrini Grinover, o instituto “não está exclusivamente assentado em um fundamento jurídico, mas igualmente ético, de modo não apenas a proporcionar uma mais rápida solução do litígio, mas bem ainda de tutela à boa-fé no processo, impedindo o emprego de expedientes que configurem litigância de má-fé”254.

Egas Moniz Dirceu de Aragão encontra o fundamento da preclusão no princípio constitucional da isonomia – que origina o princípio do contraditório – e no princípio da lealdade processual. Segundo sustenta, estes princípios seriam facilmente violados em um procedimento no qual os sujeitos pudessem conduzi-lo aleatoriamente e de acordo com seus interesses individuais. Num processo sem

250 BARBOSA, Antônio Alberto Alves. Da preclusão processual civil, op. cit., p. 36. 251 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. “Preclusão (Processo Civil)”, op. cit., p. 151.

252 BARBOSA, Antônio Alberto Alves. Da preclusão processual civil, op. cit., p. 52; SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. São Paulo: Atlas, 2006, p. 280.

253 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de

conhecimento, op. cit., p. 272.

254 GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 235.

preclusão, portanto, abre-se espaço livre para a litigância de má-fé e para a duração indefinida da marcha processual255.

Segundo Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, a preclusão é técnica que protege a cooperação, a lealdade e a boa-fé objetiva na relação jurídica processual, bem como concretiza os direitos fundamentais à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional. Ao conduzir o procedimento por meio da realização de etapas sucessivas, vedando-se o retrocesso a etapas anteriores, o instituto garante uma tramitação do processo avante, consequentemente, mais célere e efetiva256.

O princípio da boa-fé está implícito ao sistema de preclusões, haja vista a fixação de limites para a atividade dos atores do processo, vedando-se o exercício de poderes extintos (preclusos), independentemente da intenção do sujeito atuante257. Desse

modo, a preclusão contribui para a condução do procedimento segundo um padrão de comportamento leal, honesto e de colaboração, pois o procedimento se torna previsível para seus participantes, estando apto a amparar a previsão de confiança e as expectativas legítimas suscitadas em cada sujeito do contraditório.

Conforme o princípio da boa-fé, que visa a resguardar a confiança nas relações jurídicas, impõe-se a realização de um procedimento transparente, cujo desenvolvimento não pode ser marcado pela atuação surpreendente dos sujeitos processuais. Nesse passo, não é admissível a prática de condutas desleais no processo, como costuma ocorrer quando as partes, estrategicamente, reservam argumentos (questões de mérito ou processuais), inclusive material probatório, para apresentar em fases mais avançadas do procedimento, como verdadeiras “cartas na manga”, transformando a relação jurídica processual num jogo obscuro e traiçoeiro.

Além de prezar pela duração razoável do procedimento, o princípio da eventualidade evita a ocorrência de surpresas na relação jurídica processual, já que determina a concentração de todas as alegações num único ato, impedindo que elas sejam

255 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. “Preclusão (Processo Civil)”, op. cit., p. 150.

256 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. “Notas sobre preclusão e venire contra factum proprium”.

Revista de Processo. São Paulo: RT, ano 34, v. 168, fevereiro de 2009, p. 335.

reservadas para momento posterior, como uma tática que possa romper a confiança suscitada nos demais sujeitos pelo comportamento do exercente258.

Por isso, é indispensável que os litigantes, desde o início do processo, apresentem suas “armas”, possibilitando uma previsão de como será conduzido o litígio, o que potencializa a realização de acordos, porquanto poderão mensurar as respectivas chances de êxito em função do quanto exposto pelo oponente. A paridade de armas no processo, decorrente dos princípios da isonomia e do contraditório, é garantida, portanto, pela incidência da preclusão, cujo fundamento tem origem no princípio da boa-fé.

A preclusão também é mecanismo que impede o exercício de comportamentos contraditórios no processo, ou seja, consiste em técnica que resguarda a confiança e a boa-fé dos atores processuais, proibindo o venire contra factum proprium no âmbito desta relação jurídica259. Segundo afirma Fredie Didier Jr. sobre a necessidade de preclusão, “deve-se caminhar sempre avante, de forma ordenada e proba: não se admite o retorno para etapas processuais já ultrapassadas; não se tolera a adoção de comportamentos incoerentes e contraditórios”260.

Pode-se concluir, então, que a boa-fé é o pilar sobre o qual a noção de preclusão lógica está assentada261, haja vista que o fato gerador desta modalidade preclusiva é uma conduta logicamente incompatível com outra que se pretende praticar, impedindo-se a contradição aos próprios atos, que rompe a confiança entre os sujeitos do processo e viola o princípio da boa-fé processual262.

258 Nesse sentido, Heitor Vitor Mendonça Sica: “De fato, um dos fundamentos do princípio da eventualidade, como vimos, é justamente evitar que as partes reservem seus melhores argumentos para momento posterior do processo, impondo que sejam elas francas ao deduzirem seus meios de ataque e defesa, sob pena de não poderem fazê-lo em momento posterior.” (Preclusão processual

civil, op. cit., p. 310)

259 Nesse sentido, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira: “A vedação ao venire contra factum proprium [...] também se faz presente no processo e está diretamente ligada à preclusão lógica.” (“Notas sobre preclusão e venire contra factum proprium”, op. cit., p. 343)

260 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de

conhecimento, op. cit., p. 271.

261 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil, op. cit., p. 310.

262 Nesse sentido, aplicando-se ao órgão jurisdicional a proibição de comportamento contraditório, destaca-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

Exatamente por encontrar fundamento na boa-fé objetiva, a preclusão não produz apenas efeitos negativos, consubstanciados na perda de poderes processuais. Também incrementa a situação jurídica dos sujeitos confiantes em razão da legítima expectativa de que a contraparte não mais praticaria determinado ato processual, porque contraditório ao seu comportamento anterior263.