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4 O GOLPE DE 1930 E O ESTADO NOVO

4.3 A PROPAGANDA DE VARGAS

Com a rápida urbanização do país, em 1940, existiam quase um milhão de aparelhos de rádio, o que facilitou a propaganda do Estado Novo. O rádio aproximou Vargas do povo com insistentes discursos contra os comunistas e tons ufanistas para a construção de sua imagem de estadista, uma tática emprestada do fascismo europeu.

Em 1936, em seu discurso de Ano-Novo, Vargas disse que o comunismo “[...] é o mais perigoso inimigo da civilização cristã” porque traz desordem e, para os trabalhadores, um regime de trabalho escravo sob o disfarce da liberdade do proletariado. Os trabalhadores brasileiros, exortou, resistiram ao bolchevismo, exportado por países cuja vitalidade fora solapada pela I Guerra Mundial. A segurança nacional, afirmou em um discurso feito em junho do mesmo ano, necessitava do sacrifício de metas menores e exigia um clima de paz nas relações do trabalho. Uma nova nacionalidade brasileira logo emergiria, prometeu, espalhando-se de Norte a Sul – uma nacionalidade fundamentada no respeito à ordem e resistente aos agentes da subversão que operavam na clandestinidade. Os trabalhadores estariam protegidos pela Lei de Segurança Nacional, que livraria o País dos subversivos (LEVINE, 2001).

Em um programa transmitido no Dia da Independência, Vargas assegurou à nação que a liberdade chegou por intermédio do Estado Novo, a que chamou de democracia funcional. Todo dia, durante dez minutos, o ministro do Trabalho, Marcondes Filho, dirigia-se à nação na mesma Hora do Brasil, iniciando sua fala com um “Boa noite, trabalhador”. Os trabalhadores, dizia ele, eram “os produtores da riqueza do Brasil”; eles “estavam fabricando um Brasil novo, com mais direitos, mais justiça social e mais dignidade humana”.

Em 1937, em novo discurso de Ano-Novo, Vargas proibiu todas as bandeiras que não fossem a nacional, músicas, saudações, uniformes e emblemas relacionados a organizações políticas (ROSE, 2001). O alvo eram os rituais adotados pelo integralistas, com suas camisas verdes e gravatas pretas, com braçadeiras com a letra grega sigma a representar a unidade, além da saudação anauê, ‘salve’, em tupi, dito com o braço esticado. O próprio governo italiano teria contribuído com a AIB, bem como o III Reich por meio de empresas alemãs instaladas no Brasil.62

A censura foi estabelecida sobre a mídia. Publicações antigovernistas foram confiscadas de bancas de jornais e queimadas. O mesmo destino teve os jornais comunistas que se encontravam na Biblioteca Nacional (LEVINE, 2001). As redações

do Jornal do Brasil e do Diário Nacional foram invadidas; o Correio Paulistano, desapropriado pelo governo, teve suas oficinas anexadas à Imprensa Nacional (CANCELLI, 1994) e houve censura contínua à imprensa.

A repressão e a propaganda se mesclavam. O processo de conivência de parte dos intelectuais à época, o papel exercido pela imprensa em consonância com a política oficial e os aparelhos repressores do Estado, como o DEOPS (1924-1983) e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP, 1939-1945), responsável pela divulgação das diretrizes ideológicas e culturais do regime, além de realizar o culto a personalidade, deram suporte à estratégia de fortalecimento da imagem de Vargas.

Entre as atribuições do DIP, estava a censura à mídia: proibiu-se a veiculação de 108 programas de rádio e 373 músicas, muitas delas carnavalescas (LEVINE, 2001). Havia cinco divisões: Divulgação, Radiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa. Um sexto departamento movimentava verbas secretas a fim de pagar jornalistas, artistas e intelectuais cooptados pelo regime.

Antes, em 1931, existira o Departamento Oficial de Propaganda (DOP), que fornecia informações oficiais à imprensa. O DIP, surgido depois em 1939, teve importância estratégica, pois enviava material informativo às redações e contava com uma subdivisão, a Agência Nacional, que fornecia cerca de 60% das matérias que eram publicadas. O objetivo era enaltecer o governo Vargas e foi dirigido por Lourival Fontes, jornalista criador do bordão de Getúlio como pai dos pobres, diretor do DIP e admirador de Mussolini. Fontes enfatizou palavras-chave como a voz, a voz do povo (LEVINE, 2001) e atingia seu público ao falar diretamente, divulgando os feitos do getulismo nas transmissões de a Hora do Brasil, criado em julho de 1935, que depois ganhou nova denominação, a Voz do Brasil, existente até hoje.

O DIP ainda era responsável pela agenda de festas patrióticas e manifestações cívicas, transformadas em espetáculo, como o 1º de Maio, que perdeu sua significação como data proletária. Muitos operários participavam mediante a apreensão de sua carteira de trabalho (TOMAIN, 2006). O DIP contava com representações em muitos Estados com o nome de Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) com o intuito de uniformizar a informação e construir uma identidade nacional. Mais à frente, o DIP exigiu registro do jornal e dos seus jornalistas junto ao órgão e também produziu cinejornais. O Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) foi criado em apoio à produção audiovisual. Já o Ministério da Agricultura contava com o Serviço de Informação Agrícola com produção paralela ao DIP.

Outra função do DIP era a exaltação do presidente em publicações como O Brasil de Hoje, de Ontem e de Amanhã, lançado em 1939. Um dos colaboradores de Müller no Departamento seria o eugenista Artur Hehl Neiva, colaborador da revista Cultura e Política, escrevendo geralmente sobre a imigração (CANCELLI, 1994).

Müller centralizaria as informações e o contato diário da Polícia do Distrito Federal com os Estados e territórios, além do Press Ofício, serviço oficial de propaganda. Por meio do serviço de divulgação, manteve-se a distribuição diária de artigos e comunicados para cerca de 1.300 jornais espalhados pelo Brasil. Em dois anos (1937-1939), foram distribuídos 90 mil retratos de Getúlio Vargas, 45 livros e folhetos, cujas edições variaram de 10 a 75 mil exemplares cada uma.63

O secretário de gabinete de Vargas, Simões Lopes, em viagem à Europa, ficou encantado com a propaganda nazista e sugeriu a criação de um departamento de propaganda e encontrou ressonância. O Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), criado em 1934, promovia o sentimento nacionalista mediante eventos públicos e escolares. Os feriados mereciam discursos especiais e suas aparições sempre eram filmadas para serem reproduzidas em cinejornais.

Também ocorreram ofensivas estrangeiras no campo cultural. Na propaganda, as agências norte-americanas também se tornariam dominantes a partir de 1930. Nelson Rockefeller foi designado para cuidar de escritório aqui a fim de promover as relações culturais com a América Latina, tendo o Brasil como alvo principal. Foram recrutados os talentos de Orson Welles e Walt Disney para cuidar de filmes pró-EUA. Entre 1928 e 1937, 85% dos filmes exibidos no Brasil vinham de Hollywood. Em 1941, o ator e cineasta Welles tentou rodar It's All True, filme que teria o País como cenário, fazendo apologia das realizações de Vargas, mas o trabalho acabou não sendo finalizado.

No Estado Novo, o paternalismo de Vargas foi acompanhado pela exigência de subordinação, censura e cerceamento. Na gênese desse pensamento impositivo está sua formação militar, que contou com o apoio definitivo da imprensa, especialmente de Assis Chateaubriand, dono da maior cadeia de jornais, incluindo-se os Diários Associados, auxiliar na consolidação da imagem de Vargas como estadista. E também de seu amigo Samuel Wainer, editor do diário pró-governo Última Hora, que recebeu empréstimos privilegiados do Banco do Brasil, e que se envolveria em um conflito com o jornalista Carlos Lacerda; este confirmou que aquele nascera na Bessarábia enquanto a lei brasileira proibia que estrangeiros possuíssem jornais (ROSE, 2001).

63 Ibid., p. 56.

É bom frisar que não foi um governo isento de conflitos no campo da mídia: Lacerda fez oposição ferrenha, e os jornais de esquerda idem. Houve constantes acusações de que Vargas contava em seu governo com adeptos do fascismo, o que o levou, em determinado momento, a demitir Francisco Campos, Filinto Müller e Lourival Fontes.

Mas, alimentou-se fortemente a imagem de Vargas como o líder que personificou o Estado, capaz de oferecer segurança diante do mito da conspiração, pronto para combater inimigos externos. Para realizar este contraponto, construiu-se a imagem do inimigo, dos estrangeiros como sabotadores, dos comunistas como nefastos à sociedade que seria vítima da escravidão e da reforma social se eles assumissem o poder. O governo também se incumbiu de criar nova imagem para o trabalhador, ordeiro, disciplinado, avesso a greves. Para isso, o corporativismo funcionou como amortecedor e substituto da luta de classes.