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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.3 A proposta teórica de Brown e Gilman

A proposta teórica de Brown e Gilman, publicada em 1960 no artigo “The pronouns of power and solidarity”, constitui um verdadeiro clássico nos estudos sociolinguísticos. Isso é bastante evidente ao revisarmos os trabalhos que lidam com as formas de tratamento nessa área. De fato, ao se abordar essa temática, é basilar analisar as relações estabelecidas entre os interlocutores do evento comunicativo, pois esses são dois aspectos que estão intimamente associados. Dessa forma, uma maneira de se estudar essas relações é através da teoria de Poder e Solidariedade desses autores.

O trabalho de Brown e Gilman (1960) está divido em cinco partes. As três primeiras partes tratam da semântica dos pronomes de tratamento. Nesse ponto, a semântica era entendida como a covariação da forma pronominal utilizada e a relação objetiva entre os interlocutores. A primeira parte é dedicada à evolução dos pronomes em algumas línguas, na segunda, trata-se desses pronomes no alemão, italiano e francês e, na terceira, os autores correlacionam os pronomes com a estrutura social. Nas duas últimas partes, Brown e Gilman (1960) relacionam os pronomes de tratamento com as características dos falantes e põem em evidência como as escolhas pronominais estão ligadas às características desses indivíduos.

Nunes de Souza (2011) destaca a relevância das ideias desses autores e aponta para o pioneirismo desses ao propor, pela primeira vez, um possível universal linguístico que nós, como falantes, conseguimos intuir, mas que, até então, nenhum cientista se propôs a analisar, isto é: a distinção T-V. Essa distinção pode ser vista como uma especificidade contida na maioria das línguas. Ou seja, Brown e Gilman (1960) atestam que, na estrutura linguística há, pelo menos, dois pronomes destinados ao tratamento com a segunda pessoa. Nessa relação binária, de um lado há um pronome (T) próprio para o trato mais próximo, ou seja, utilizado em situações mais informais. Por outro lado, tem-se um pronome (V), próprio de situações mais formais ou usado quando há maior distanciamento com o destinatário. Vale ressaltar que T-V se referem às formas latinas tu e vous, formas que, segundo os autores, mantiveram-se em equilíbrio durante um longo tempo em todas as línguas.

Brown e Gilman (1960) estabelecem duas dimensões através das quais poderíamos identificar as relações de força existentes entre interlocutores, a saber, as dimensões do poder e da solidariedade. Uma relação na dimensão do poder se define quando um indivíduo controla o comportamento do outro, ou seja, é uma relação marcada pela diferença. No âmbito do poder, o tratamento entre os interlocutores é assimétrico, ou seja, um interlocutor superior utiliza uma forma T e recebe V. O poder, para esses autores, pode ser marcado de várias maneiras: pelo sexo do indivíduo, sua força física ou riqueza etc. Essas são condições necessárias para que uma pessoa exerça poder sobre a outra.

Além de estabelecerem as relações de poder, os pronomes de tratamento também podem atuar no âmbito da solidariedade. Como o próprio nome sugere, essa dimensão é marcada pela reciprocidade na qual um interlocutor opera com uma forma e recebe a mesma. Aqui temos uma relação de simetria, T – T ou V – V. O quadro a seguir, adaptado de Morín, Almeida e Rodríguez (2010), deixa essas associações bastante claras. Vejamos:

Quadro 08 – Relações de assimetria e simetria das formas de tratamento (Brown e Gilman [1960])

Relações assimétricas

tu vous vous tu

+ poder - poder - poder + poder

Relações simétricas vous vous tu tu

Formalidade Solidariedade

Fonte: Adaptado de Morín, Almeida e Rodríguez (2010).

Como podemos observar no quadro acima, as relações estabelecidas no eixo da assimetria são diferenciadas. Ao empregar a forma tu, o indivíduo de mais poder recebe vous.

Nas relações simétricas, ambos os interlocutores se tratam por vous, quando há formalidade, e de tu, quando a relação é solidária. Os autores alegam que o poder era o fator que regia os pronomes de tratamento nas sociedades antigas e que, gradativamente, foi sendo substituído pela solidariedade.

Apesar do alcance da proposta de Brown e Gilman (1960) nos estudos de variação linguística sobre as formas de tratamento, ela foi, também, alvo de críticas. Morín, Almeida e Rodríguez (2010) alertam para o fato das diferentes sociedades e culturas conceberem as relações sociais de forma distinta. Citam, por exemplo, que, no ocidente, as relações de poder são baseadas no controle e no domínio, no entanto, a sociedade oriental as entende como formas distintas de valores sociais.

3.4 Súmula do capítulo

No capítulo que se encerra, apresentamos as teorias que alicerçaram a nossa pesquisa e que nos ajudaram a compreender o fenômeno sobre o qual nos debruçamos. São elas: a Sociolinguística Variacionista, conhecida, ainda, como Sociolinguística Laboviana, Sociolinguística Quantitativa e Teoria da Variação e Mudança (COELHO et al., 2015), e as abordagens teóricas que servem de base para os estudos variacionistas que trabalham com a noção de estilo, a saber, os estudos de Labov (2001, 2008 [1972]), Bell (1984), Eckert (2001) e Schilling-Estes (2002). Além disso, discorremos, resumidamente, sobre a teoria de Brown e Gilman (1960), pela sua relevância teórica para o estudo das formas pronominais de tratamento.

A partir da compreensão dos pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista, estabelecemos o fenômeno variável sobre a alternância das formas pronominais tú e usted no espanhol oral de Valência e elencamos variáveis linguísticas, sociais e estilísticas que podem condicionar o uso dessas formas. Ao propormos variáveis estilísticas, assumimos que o estilo é um condicionante da variação, portanto, o aporte teórico relativo à dimensão estilística é basilar para explicarmos os resultados aos quais chegamos. Ademais, nossa pesquisa configura-se como um estudo de primeira onda, pois trabalhamos com uma comunidade de fala socialmente estratificada.

Após a apresentação dos fundamentos teóricos que nos serviram de base, expomos, na seção seguinte, os procedimentos metodológicos que mediaram a nossa prática e possibilitaram a realização desta pesquisa.

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