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A Propriedade na Tradição Liberal – Direito Fundamental de Defesa

O fim do Estado liberal é a liberdade individual. O Estado “é tanto mais perfeito quanto mais permite e garante a todos o desenvolvimento da liberdade individual”.479 Não tendo o Estado, nessa concepção, fins próprios, pois os seus fins coincidem com os fins múltiplos dos indivíduos, não lhe incumbe estabelecer o que fazem os cidadãos. Deve, sim, garantir para cada um uma esfera de liberdade na qual cada um possa desenvolver as suas habilidades e talentos. Não compete ao Estado, por outro lado, promover o bem-estar social, e sim remover os obstáculos que se colocam para que cada indivíduo busque o seu bem-estar, pelas suas próprias capacidades e meios.480

Constitui elaboração do jusnaturalismo moderno a ideia de que o homem tem direitos por natureza, enquanto homem, direitos inalienáveis e que ninguém — nem ele próprio — lhe pode subtrair, concepção que remonta ao Estado de natureza e que ecoa nas palavras iniciais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo a qual “os

477 LUHMANN, Niclas. Sistema Juridico y Dogmatica Juridica, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1983, tradução de Ignacio de Otto Pardo, pp. 118-119.

478

Idem, pp. 122 e 133-134.

479 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 2ª Edição, Editora Universidade de Brasília (tradução de Alfredo Fait), p. 132.

159 homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, somente podendo as distinções sociais fundar-se na utilidade comum.

A ideia expressa uma teoria filosófica, uma concepção ideal e, como tal, admissível, conquanto na realidade os homens não nasçam livres nem iguais em direitos: desigualdades de nascimento e de direitos, de todos os matizes, inundam o panorama do mundo de hoje e de ontem. Em outros termos, a ideia é a de que os homens são livres e iguais por natureza, e que a liberdade e a igualdade constituem ideais a conquistar; não realidades ínsitas ao homem em sua dimensão concreta.481 “O homem nasceu livre, e por toda parte geme aguilhoado; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo”.482

Anota Vieira de Andrade que os direitos fundamentais triunfaram politicamente com as revoluções liberais, nos fins do século XVIII, aparecendo, em razão disso, basicamente como liberdades, ou seja, “como esferas de autonomia dos indivíduos em face do poder do Estado, a quem se exige que se abstenha, quanto possível, de se intrometer na vida económica e social, como na vida pessoal”.483

A propriedade, nesse quadro — prossegue —, afigura-se muito mais do que um conteúdo de um direito fundamental, para manifestar-se como uma condição objetiva e uma garantia de liberdade, em cuja retaguarda está a segurança como um pressuposto da liberdade. O Estado não pode se imiscuir na vida de cada um, mas tem de existir para o desempenho de suas funções básicas, de garantia da defesa e da segurança da nação e dos cidadãos.

Liberdade, segurança e propriedade constituem o lema da construção liberal da sociedade política. Os direitos fundamentais são vistos, em primeiro, como liberdades, incumbindo aos seus titulares a determinação dos seus conteúdos; e, em segundo, como garantias, para que seja assegurada, em termos institucionais, a não intervenção dos poderes públicos. Assim se situa a propriedade como direito de defesa dos indivíduos em face do Estado.484

481 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campos (tradução de Carlos Nelson Coutinho), 1992, p. 29.

482 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, Editora Martin Claret, 2001, p. 23. 483 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 51.

160 A moldura sóciopolítica é a do liberalismo, ideologia485 da modernidade, que pressupõe o indivíduo como ponto de partida, porém como um “homem abstrato e, como tal, subtraído ao fluxo da história, a um homem essencial e eterno, de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus direitos e deveres”.486 O poder público, nessa rede ideológica, conquanto onipotente e detentor do monopólio da força, limita-se a si mesmo e deixa, ainda que à própria custa, um espaço de não interferência no qual vivem os que nem pensam nem sentem como ele (o Estado), ou seja, como os mais fortes, a maioria.487

A engenharia da ideia da propriedade — e de outros direitos como a liberdade, a segurança e a resistência à opressão — tem premissa, com o início da era moderna, na concepção individualista da sociedade, sucessora da ideia corporativa (uma ordem universal continente dos homens e das pessoas), pela qual a sociedade constitui um todo e paira acima das partes.488 Em face do Estado e fazendo uso da terminologia de Georg Jellinek, o indivíduo, na perspectiva dos seus deveres individuais, encontra-se num estado passivo (status subjectionis), do qual fica excluída a autodeterminação e, por consequência, a personalidade. O reconhecimento do indivíduo como pessoa constitui o fundamento de todas as relações jurídicas. 489

Constitui característica marcante da formação do Estado moderno, no entorno do ideário do individualismo, a inversão de polos na relação entre o Estado e os cidadãos, em

485 Ideologia no sentido de “crenças e valores, utilizados politicamente para influir no comportamento popular, orientando-o em certa direção, seja com o propósito de obter consenso ou de justificar o poder.” (Cf. FAORO, Raymundo. A aventura liberal numa ordem patrimonialista. Revista USP (Dossiê Liberalismo/Neoliberalismo), n. 17, p. 27.) Dentro da gama de significados do termo ideologia, alude-se a duas tendências gerais: o significado “fraco”, conceito neutro, predominante na sociologia política contemporânea, como “um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos; e o significado “forte”, conceito negativo, de inspiração marxista, a expressar uma crença falsa, uma “falsa consciência das relações de domínio entre as classes.” (Cf. STOPPINO, Mario. Ideologia, in Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Editora UnB, 10ª Edição, p. 585.)

486 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campos (tradução de Carlos Nelson Coutinho), 1992, p. 32.

487 MACEDO, Ubiratan Borges de. Liberalismo e Justiça Social. IBRASA – Instituição Brasileira de Difusão Cultural Ltda., 1995, p.22 (citando Ortega y Gasset, in Rebelión de las Masas).

488 HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Europeia – Síntese de um Milênio, Editora Fundação Boiteaux, 1ª Edição, 2005, p. 101.

489 JELLINEK, Georg. Sistema dei Diritti Pubblici Subbiettivi (traduzione italiana riveduta dall’autore sulla seconda edizione tedesca), Società Editrice Libraria, 1912, p. 96; e Teoria General del Estado – tradução de Fernando de Los Rios, Editorial Albatros, Buenos Aires, Republica Argentina, 1981, p. 313.

161 favor dos quais — em desfavor do Estado — a prioridade ocorre em escala crescente. Na relação política, o indivíduo singular deixa de ser um objeto de poder, um mero sujeito passivo, destinatário de deveres em face do soberano.490 O indivíduo abstrato passa ao homem concreto, da condição de súdito para a condição de cidadão e, como tal, a ter direitos em face do Estado, tendo este, por outro lado, o dever precípuo de velar pela não- ingerência do imperium em espaços demarcados da liberdade dos indivíduos.

Àquele estado passivo típico de uma sociedade organicista sucede, na escala das diferentes posições jurídicas em face do Estado, e ainda na terminologia de Georg Jellinek,491 um estado negativo (status libertatis), que pressupõe limitações na capacidade de agir da sociedade política e em virtude do qual o homem, dotado de personalidade, conquista um espaço de liberdade em relação ao Estado, do qual desaparecem os regramentos estatais que lesionam a liberdade. Nessa cidadela de liberdade, o indivíduo é o senhor absoluto e aí busca e realiza os seus fins individuais. Isso pressupõe que o Estado e as pessoas constituem realidades distintas que se implicam reciprocamente.492

Nessa dialética de profundas raízes filosófico-políticas é que surgem os modernos direitos fundamentais de defesa, ou liberdades negativas, em cujos domínios é interditado (por definição) o ingresso e interferência do Estado, exceto naturalmente em ordem a propiciar os meios, o aparato burocrático-funcional indispensável à sua eficácia. “São inspirados de uma lógica fundada na garantia e constituem a declaração jurídica básica do Estado liberal.”493

Na proscênio desses direitos fundamentais desponta, altaneira, a propriedade. Cuida-se da propriedade no singular, atributo da personalidade individual, concebida, gestada e dada à luz pelo ideário da Revolução Francesa — catalogada como direito natural e imprescritível pelo art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,

490 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campos (tradução de Carlos Nelson Coutinho), 1992, pp. 2-3 e 57-61.

491 Em quatro estados — passivo (prestações ao Estado), negativo (liberdade em face do Estado), positivo (pretensões em relação ao Estado) e ativo (prestações por conta do Estado) —, formando uma linha ascendente, se resumem as posições que detém o indivíduo em face do Estado. (Cf. JELLINEK, Georg. Op. cit., p.98.)

492

JELLINEK, Georg. Sistema dei Diritti Pubblici Subbiettivi (traduzione italiana riveduta dall’autore sulla seconda edizione tedesca), Società Editrice Libraria, 1912, p. 97.

493 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado, Editora Revista dos Tribunais (tradução de Vera Maria Jacob de Fradera), 1998, p. 153.

162 primeira manifestação constitucional da revolução —, cuja maioridade foi alcançada em 1804, com o Code Napoléon, que garantiu não somente o direito mas também o estado da propriedade resultante de revolução.494

A concepção revolucionária é que a propriedade há de ser livre como são livres as pessoas, ao que se segue ser a integridade (intangibilidade) da propriedade uma extensão da integridade das pessoas. Na França revolucionária, o território, em toda a sua extensão — o protótipo é a propriedade fundiária —, é livre como as pessoas que nele habitam.495 Falar de propriedade como liberdade (propriedade livre) é falar da propriedade no singular, de livre apropriação e disposição, irreconciliável com o paralelismo de domínios e, mais ainda, liberta de todas as cargas senhoriais e comunais, dos mais variados ônus que pesavam sobre o solo medieval.

O Estado da propriedade consagrado pelo Code Napoléon, a ardente resposta revolucionária à propriedade feudal, que se convertera em instrumento de servilismo e de desvalorização humana, tem como premissa paradigmática a abolição dos numerosos direitos feudais, que os revolucionários tinham como privilégios, não manifestações da propriedade, que vem a ser elevada ao nível de instituição sagrada, instituição em cujo entorno pode ser identificada, também, a influência dos fisiocratas, para os quais a terra – apenas a agricultura aumentava a riqueza já existente – era a mais autêntica forma de propriedade. Numa imagem figurada e expressiva do prestígio que essa ideologia emprestava à propriedade, afirmava-se que “A propriedade pode ser vista como uma árvore em que as instituições sociais são como os galhos que crescem a partir de um tronco que vem a ser ela própria.”496

É complexa e instigante, no laboratório revolucionário, a saga da propriedade como direito de defesa. Na reflexão de Bartolomé Clavero, ali a propriedade é a resultante de um processo de expropriação do domínio direto e de impropriação do domínio útil (este o meio e aquele o fim) e se ergue sobre as ruínas das propriedades, entendido o plural não como um mero giro gramatical — propriedade ou propriedades, expressões similares de um mesmo instituto, utilizadas por mera inércia linguística —; como as diversas expressões

494 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit., p. 314. 495 Idem, p. 297.

163 materiais do objeto da propriedade;497 ou mesmo como a pluralidade de bens, e sim como cargas dominicais, direitos proprietários, ou seja, os diferentes e hierarquizados domínios feudais que incidiam sobre a propriedade antes de 1789.498

Os domínios — direitos proprietários — eram na realidade créditos incidentes sobre os imóveis medievais, sob os mais diversos títulos, até mesmo o dízimo devido ao poder confessional. Os revolucionários, sobre reunificar o domínio na matriz da propriedade quiritária romana, aboliram todos os encargos e libertaram a propriedade de todos aqueles pesados ônus que a convertiam num instrumento de servilismo e de opressão. Para a atividade agrícola especialmente, a “independência” da propriedade avança no plano ideológico e cultural para ganhar expressão visível na eliminação das cargas reais e pessoais do solo feudal — senhoriais e comunais.499

Nesse quadro intercambiante de singular e plural —a Declaração de 1789 fala em propriedade, mas a Constituição de 1791 volta a falar, ainda, em garantia da inviolabilidade das propriedades —, pouco tempo antes da Declaração de 1789, em cerimônia inaugural de reunião dos estados gerais, em via de se tornarem a futura assembleia geral e constituinte, um representante do monarca profere palavras assaz expressivas a propósito da compreensão dos direitos proprietários, da garantia da propriedade como reconhecimento de domínios.

Proclama-se que todas as propriedades, sem exceção, serão constantemente respeitadas e que o entendimento expresso de Sua Majestade é o de que a propriedade compreende os dízimos, censos, rendas, direitos e deveres feudais e senhoriais e geralmente todos os direitos e prerrogativas úteis e honoríficas relacionadas às terras e aos feudos, ou pertencentes às pessoas,500 palavras indicativas de que, na visão do monarca — i.é., no

497 Propriedade imobiliária, propriedade mobiliária, propriedade industrial, propriedade comercial, propriedade financeira, propriedade intelectual etc.

498 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit, pp. 276, 304, 307 e 310. 499 Idem, p. 296.

500

“Toutes les propriétés, sans exception, seront constamment respectées, et Sa Majesté comprend expressément sous le nom de proprieté les dîmes, cens, rentes, droits et devoirs féodaux et seigneuriaux, et généralement tous les droits et prérogatives utiles ou honorifiques attachés aus terres et aux fiefs, ou appartenant aux personnes.”

164 pensamento jurídico do momento histórico —, o plural propriedades, antes de referir-se à pluralidade de bens, refere-se à diversidade intrínseca do direito proprietário.501

Utilizando expressões incisivas para dar destaque ao modelo revolucionário de propriedade, afirma Bartolomé Clavero que a revolução não libertou nem recuperou o conceito de direito de propriedade no singular: a revolução não foi apenas uma ama de leite da propriedade, senão a sua mãe de parto. A propriedade direito de defesa é filha dileta da revolução, considerando-se que antes dela havia somente domínio e, ademais, no plural, direito dominical na própria coisa que podia ser qualquer renda durável gerada pelo imóvel,502de caráter real ou pessoal.

É nesse segmento evolutivo do processo revolucionário — direito livre em si mesmo, redimido dos numerosos ônus medievais — que a propriedade ingressa na Constituição de 1793, cujo art. 16 estatui que “O direito de propriedade é o que pertence a todo cidadão, para a fruição e disposição, como ele bem entender, de seus bens, de suas rendas, do fruto de seu trabalho e de sua indústria”.503 A liberdade da propriedade se expressa nas faculdades de fruição, de disposição e de livre trânsito das coisas, avultando o exercício de uma liberdade referida às coisas antes mesmo que referida às pessoas. A propriedade como liberdade, referida na integridade teórica das coisas, chega a situar-se acima da vida humana.504

Essa é a concepção de propriedade, como linguagem de domínio, que o Code

Napoléon, 505antes de propriamente fundar e inaugurar, em realidade registra e consagra, apropriando-se dos padrões contidos na legislação gerada pela revolução e que, consolidada e impulsionada por toda uma cultura, a começar pela literatura fiel e propagandista da

501 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit, pp. 276-277. 502 Idem, p. 281-282.

503 “Art. 16 – Le droit de proprieté est celui qui appartient à tous citoyen, de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues, du fruit de son travail et de son industrie.”

504 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit, p. 304.

505 Assinala Clavero que o Code Napoléon, ao dizer que “La propriété est le droit de jouir et disposer des

choses de la manière la plus absolue, pourvu qu’on n’en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par règlements” (art.544) apenas melhora, mas sem muita inovação, a definição romana segundo a qual “dominium est jus utendi, fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur.” (Bartolomé Clavero. Op. cit., p. 335.)

165 Escola de Exegese,506serviu de paradigma à cultura jurídica do mundo ocidental507e ingressou nas constituições liberais.

Em face dos direitos fundamentais de defesa, o Estado tem um dever de não ingerência, por se tratar de áreas exclusivas de autodeterminação do indivíduo, imunes às interferências ilegítimas do poder público, e mesmo dos particulares. A intromissão não legitimada faz surgir em prol do indivíduo a respectiva pretensão reparadora, de abstenção, de revogação, e de anulação,508estas destinadas ao desfazimento de atos estatais atentatórios de posições jurídicas concretas e individualizadas, como, v.g., o ato jurídico perfeito aquisitivo da propriedade; ou abstratas, como o exercício da faculdade de dispor do bem objeto da propriedade.509

Os direitos de defesa não representam somente faculdades de impedir. Implicam, igualmente, nos casos de violação, “o direito e o dever de suspensão das eventuais intromissões ilegítimas, bem como o direito e o dever de reposição da situação anterior ou de eliminação das consequências de tais intromissões ou ofensas.”510 Tipificam, portanto, direitos a prestações negativas, devendo “ser vistos como direitos intransitivos ou direitos absolutos, aos quais corresponde, do lado passivo, um dever geral de respeito e de abstenção, que não caberá, então, apenas, ao Estado”.511

Enquanto direito fundamental de defesa (direito fundamental individual), a propriedade, como outros institutos da mesma extração, não estaria devidamente guarnecida se não houvesse um complexo normativo assecuratório das mencionadas pretensões, em face das contestações e violações da sua titularidade. Têm-se, portanto, as garantias constitucionais — para alguns, garantias institucionais512 — que vêm a ser os

506 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit, pp. 343-344. 507 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 383.

508 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade (Estudos de Direito Constitucional), Celso Bastos Editor, 2ª Edição, outubro/1999, p. 37.

509 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, 1ª Edição, Editora Brasília Jurídica Ltda., 2002, p. 141.

510 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 179-180. 511 Idem, p. 181.

512 No direito fundamental é estabelecida uma faculdade de agir ou de exigir em favor de pessoas ou grupos, que se colocam numa perspectiva ativa em face de pessoas ou entidades obrigadas; na garantia institucional, diversamente, tem-se apenas um sentido organizatório objetivo, independentemente de uma atribuição ou de uma atividade pessoal (pp.68 e 69). Os direitos representam por si só certos bens, enquanto as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens. As garantias são os elementos da definição constitucional dos

166 mecanismos institucionais destinados a fazer valer o direito, assegurando o exercício das faculdades inerentes à titularidade proprietária.513

Em face das constituições do Estado liberal, a propriedade, cuja inviolabilidade constitui um dos seus postulados, representa um princípio constituinte do direito de liberdade. O título proprietário, daí em diante, não depende da estrutura social; diversamente, a estrutura social é que por ele é regida e moldada.514 É nessa linha que se põe a Constituição brasileira de 1988,515 cujo catálogo de direitos fundamentais relaciona e garante o direito de propriedade como um direito fundamental, esteio-mor do sistema econômico-capitalista da livre iniciativa.516

A liberdade proprietária, tal como a liberdade contratual, constitui extensões naturais da liberdade pessoal.517 É nessa moldagem que a propriedade ingressa nas codificações do Estado liberal, tal como no Código Civil de 1916,518 no qual, como foi ressaltado, a relação proprietária é caracterizada pela preponderância do patrimonial, do econômico, sobre o estritamente pessoal. Segundo anota Jorge Miranda, forte na célebre expressão de Benjamin Constant, se, para os antigos, a liberdade é, antes de tudo, a participação na vida da Cidade; para os modernos é, antes de mais, a realização da vida pessoal.519

Cuida-se não de liberdade política, senão de uma liberdade dos particulares para dispor de um espaço próprio sem intromissões do Estado, à margem das relações políticas e constitucionais.520 Nas liberdades negativas, tem o Estado não somente o dever de não

direitos fundamentais. (Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora, 1988, pp. 68, 69 e 91.)

513

SILVA, José Afonso da. Op. cit., pp. 185 e 411. 514 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit., p. 341.

515 Todas as Constituições brasileiras, na realidade, até mesmo a do Império, seguem a tradição liberal e relacionam a propriedade como direito individual fundamenal: Carta de 1824 (art. 179); Carta de 1981 (art.72, § 17); Carta de 1934 (art. 113, n. 17); Carta de 1937 (art. 122, n. 14); Carta de 1946 (art. 141, § 16); Carta de 1967 (art. 150, § 22); e EC/01-69 (art. 153, § 22).

516 Cf. art. 1º, IV; art. 5º, XXII; e art. 170, caput. 517 CLAVERO, Bartolomé. Op. cit., p. 318.

518 O Código Bevilaqua, todavia, não espelha de forma retilínea, na engenharia da propriedade, a pureza da propriedade revolucionária de 1789, na medida em que ainda contempla a divisão binária do domínio ao consagrar o instituto da enfiteuse. (Cf. arts. 678-694.)

519 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora, 1988, p.14.

520 HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado – traducción e introducción de Ignácio Guttiérrez Gutttiérrrez –, Editorial Civitas, S.A., Primera Editión, p. 38.

167 intromissão, senão também o dever de não supressão. As constituições liberais contêm cláusulas que impedem — entre outros direitos fundamentais — a abolição dos direitos e garantias individuais.521Os direitos fundamentais constituem elementos da continuidade da