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Capítulo VII 7 Livro Agrário

7.1 A Questão Agrária no Brasil

O livro é constituído por artigos publicados na Revista Brasiliense entre 1960 e 1963, um período de grande agitação no debate sobre a reforma agrária.178 A parte mais importante da obra encontra-se no primeiro capítulo, no qual o autor expõe uma teoria sistemática sobre a questão agrária no Brasil. Essa teoria sublinha principalmente as contradições entre grande e pequena propriedade e enfatiza as implicações dessas contradições no mercado de mão-de-obra. Há também, nessa teoria, a proposta de desmistificar a presumida positividade da grande exploração agropecuária e de demonstrar as causas sociais de seu baixo desempenho tecnológico.

O autor começa com uma critica aos fundamentos metodológicos da abordagem liberal- conservadora do desenvolvimento agropecuário e mostra como, ao contrário do proposto por esta linha de pensamento, os problemas econômicos devem ser compreendidos como problemas humanos, como relações entre grupos e classes sociais, e não de uma maneira fetichista. Nesse contexto o historiador faz uma reflexão sobre várias linhagens políticas contemporâneas e suas bases epistemológicas. Procura mostrar como a meta política de uma linha ideológica tende a determinar toda a abordagem dos problemas. Contudo o tratamento caiopradiano desse tema é insuficiente e abre espaço para críticas como as que aparecerão, por exemplo, em um artigo de Cláudio Tavares.179 Para evitar a abertura deste flanco teórico, seria necessário que Caio Prado Jr. tivesse desenvolvido uma reflexão mais detalhada sobre o relacionamento entre objetividade e parcialidade nas ciências sociais, particularmente na economia. É insuficiente relacionar de uma maneira demasiadamente abstrata, como faz o autor, as teorias científicas e os projetos políticos.

No capítulo referido, Caio Prado Jr. realiza a análise de tabelas do Censo Agropecuário para demonstrar a concentração da propriedade fundiária no país. Mostra a universalidade, a profundidade e a mutabilidade deste fenômeno. Esse tipo de leitura das tabelas do Censo Agropecuário parece ter inspiração na abordagem feita por Lênin dos dados agrícolas da Rússia e dos Estados Unidos em dois dos seus textos mais conhecidos sobre a questão agrária. Seria

178 Caio Prado Jr. A Questão Agrária no Brasil. SP: Brasiliense, 1979.

179 TAVARES, Assis. "Caio Prado Jr. e a Teoria da Revolução Brasileira". Revista da Civilização Brasileira, n. 11-

relevante, em trabalho acadêmico específico, investigar até que ponto essa metodologia caiopradiana influenciou os pesquisadores que se debruçaram posteriormente sobre a questão agrária no Brasil.

O autor analisa ainda a conexão existente entre o passado colonial e a concentração da terra. Afirma que, apesar de todos os percalços técnicos, a agropecuária brasileira cumpriu os objetivos de ser um grande e lucrativo negócio em benefício de uma minoria dominante. Isso teria ocorrido pelo fato desta minoria ter monopolizado a terra e imposto circunstâncias difíceis à classe trabalhadora para a venda de sua força de trabalho. Os baixos padrões de vida dos trabalhadores rurais seriam conseqüências e causas (num segundo momento) da situação de atraso da agropecuária e mesmo da economia brasileira como um todo. O historiador faz toda uma abordagem sobre a relação entre desenvolvimento tecnológico e a baixa remuneração dos trabalhadores. O desenvolvimento da grande exploração agropecuária no país seria inversamente proporcional ao desenvolvimento da pequena. Esse fenômeno teria relação com a grande disponibilidade da mão-de-obra e com o baixo custo da força de trabalho.

Sem ter o acesso à propriedade da terra, os trabalhadores rurais ficam muito frágeis na negociação salarial, o que concorreria também para o achatamento dos salários dos trabalhadores urbanos. O historiador dará ênfase a essa questão no equacionamento da reforma agrária, ou seja, sublinhará a importância da melhoria das condições de vida do assalariado rural, que teria efeitos positivos também para o trabalhador urbano e para a economia como um todo. Critica, inclusive, a grande exploração agrícola que destina sua produção para o mercado interno brasileiro. Procura demonstrar que, até nesse caso, estaria presente uma diminuição das possibilidades da divisão social do trabalho, o que vai determinar para a região em questão quase todos os problemas das regiões que exportam para outros países.

Na reflexão sobre a dicotomia grande propriedade-pequena propriedade o autor refere-se ao seu texto: “A distribuição da propriedade fundiária no Estado de São Paulo”, publicado na Revista de Geografia, número 01, em 1934. O que chama mais atenção nesse caso é a utilização de um texto de 1934 para justificar uma opinião expressa em 1960; ou seja, no entender do próprio autor, ele mesmo não teria mudado de opinião ao longo de vinte e seis anos sobre uma questão deveras controversa.

Caio Prado Jr. também reflete sobre o paradoxo da escassez aparente de mão-de-obra na agropecuária brasileira convivendo com o seu baixo preço. Do ponto de vista do desvelamento da abordagem caiopradiana, seria importante tratar desta opinião com vagar em trabalho específico sobre o pensamento caiopradiano relativo à reforma agrária, inclusive porque foi alvo de críticas contundentes do citado Tavares, o qual afirma que o historiador paulista estaria sendo incoerente. Nesse contexto, Caio Prado Jr. também refletirá detidamente sobre as formas de remuneração e, particularmente, sobre a parceria. Argumentará ainda uma vez contra a tese do feudalismo no Brasil, sublinhando que o nosso passado foi escravocrata e que, portanto, as sobrevivências existentes no presente seriam escravistas, não feudais. No interior desta polêmica, o historiador critica aqueles que desejam acabar apenas com o latifúndio improdutivo, e mostra que o próprio latifúndio conceituado como produtivo também é causa essencial da maior parte dos problemas sociais existentes no campo brasileiro.

Caio Prado Jr. dá mais ênfase à distribuição de terras neste capítulo do que o fará nos próximos e em A Revolução Brasileira. Em outro artigo inserido no livro, haverá uma negação da racionalidade econômica do retalhamento da grande exploração agropecuária, o que consiste, aparentemente, numa mudança brusca de posição. É possível que tenha havido uma mudança na perspectiva do autor entre 1960 e 1963. No artigo “A Reforma Agrária e o Momento Nacional”, também constante no livro, onde o historiador critica o programa de reforma agrária do governo de São Paulo, a ênfase na divisão das grandes propriedades é bastante forte; o que não ocorre em “Nova Contribuição para a Análise da Questão Agrária no Brasil”, outro artigo que compõe o livro que ora analisamos. No último artigo que conforma o livro, intitulado “O Estatuto do Trabalhador Rural”, Caio Prado Jr. irá radicalizar sua idéia de que a reforma agrária deveria basear-se na aplicação das leis trabalhistas no campo e não no retalhamento da propriedade agrária. Como se sabe, essa opinião será retomada e desenvolvida em A Revolução Brasileira.

Em uma avaliação sintética, podemos afirmar que esse conjunto de textos caiopradianos consiste em uma aplicação de sua interpretação do Brasil no desvelamento da questão agrária em sua configuração contemporânea. Apesar de conter oscilações que já evidenciamos, esse universo de textos demonstra a fertilidade da teoria caiopradiana sobre a formação social brasileira e o talento do autor na sua aplicação a uma problemática particular. A qualidade dessa tematização caiopradiana da reforma agrária pode ser atestada pelo fato de que a maior parte dos autores marxistas ou de outras correntes de esquerda que se ocuparam posteriormente do tema partiram

sempre das teses de Caio Prado Jr. e caminharam no sentido de aprofundá-las e nunca de negá-las na sua essência.

Capítulo VIII