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A questão ambiental e o estabelecimento de áreas protegidas

Mapa 1 – Unidades sociais da Reserva Extrativista do Batoque

5.1 A questão ambiental e o estabelecimento de áreas protegidas

A criação dos espaços territoriais protegidos consiste em um dos instrumentos da política ambiental para conseguir o desenvolvimento sustentável das populações tradicionais e manter a biodiversidade. Estes espaços são especificamente áreas protegidas utilizadas como instrumentos estratégicos da política ambiental para conseguir a preservação e conservação de ecossistemas, habitats naturais e espécies, auxiliando na manutenção dos processos ecológicos naturais (SNUC, 2000; CABRAL & SOUZA, 2005).

O conceito de áreas protegidas é originário nos Estados Unidos, no século XIX, onde ocorreu a criação do primeiro parque nacional do mundo, o Parque Nacional de Yesllowstone em 1872, com o intuito de proteger os aspectos físico/estético e contemplativo das paisagens naturais (BRAGA, 2013; ARAÚJO, 2007; VALLEJO, 2009, 2003; OLIVEIRA, 2005).

Apesar de se terem registros de mais longa data da criação de áreas protegidas (POSEY, 1999a) – como a criação de florestas sagradas na Rússia, Índia, Nigéria (BENSUNSAN, 2006 apud BRAGA, 2013); de espaços protegidos para reserva de caça na China, Índia, Mesopotâmia, Egito, Irã, Inglaterra (MAGNANINI, 2002; QUINTÃO, 1983), o parque de Yellowstone marcou a retomada desta instituição tradicional nas sociedades industrializadas.

Estas ideias preservacionistas de criação de parques naturais intocados foram alimentadas incialmente pelo pensamento Europeu que surgiu por volta do século XVIII, quando se alimentava uma visão romântica da natureza como uma área de refúgio, beleza, ou seja, um paraíso. A criação do Parque Nacional nos Estados Unidos surgiu como uma forma de proteger as áreas naturais do capitalismo americano, da urbanização que se instalava rapidamente e do crescimento da indústria que avançava rapidamente com a Revolução Industrial. O crescimento norte-americano capitalista foi transformando radicalmente o espaço territorial. A Revolução Industrial trouxe diversas modificações políticas, culturais, econômicas, sociais e ambientais (VALLEJO, 2009, DIEGUES, 2002, ARAÚJO, 2007).

Em um período relativamente curto esta natureza intocada/selvagem tornou-se “objeto” de uma agricultura intensificada, de uma indústria que só crescia e buscava lucros expressivos e de uma corrida desenfreada pela ocupação de terra (período de distribuição de terras no país), tendo como consequência a degradação do meio ambiente (DIEGUES, 2002).

Foi neste contexto, que surgiu a ideia de proteger a natureza da ocupação humana e das ações degradantes provocadas pelo desenvolvimento, com a criação de Parques Nacionais. Embora alguns historiadores se dividam em dois pensamentos com relação à criação destas áreas protegidas, o primeiro é que a ideia de criar parques nacionais parte de uma visão de conservar e proteger a natureza das ações degradantes humanas, e o segundo é que a criação destes parques parte de interesses comerciais, voltados para o turismo ecológico (ARAÚJO, 2007).

Deste modo, a ideia do parque nacional consolidou-se nos Estados Unidos e logo foi transposto para o mundo inteiro – Canadá (1885), Nova Zelândia (1894), Austrália e África do Sul (1898), México (1898) e a Argentina (1903) (ARAÚJO, 2007; QUINTÃO, 1983 apud VALLEJO, 2009) – influenciando as políticas públicas ambientais dos países (ARAÚJO, 2007; CUNHA & COELHO, 2007), inclusive no Brasil, “onde a situação é ecológica, social e culturalmente distinta” (DIEGUES, 2002, p. 16). Segundo Morin, 1991 (apud DIEGUES, 2001), há populações especialmente em países tropicais que sempre viveram em interação com a natureza sem causar danos à diversidade biológica, na qual tinham dependência social, simbólica, cultural e material.

No que se relaciona com a interação das comunidades tradicionais com estes espaços protegidos, a criação destes parques e reservas previa a retirada e transferência para outros locais dos moradores destas áreas, causando inúmeros problemas sociais, culturais, econômicos e políticos (BENSUNSAN, 2006; DIEGUES 2002; BRAGA, 2013).

Nos modelos de parques naturais americanos, onde se consolidou o conceito de parque nacional como área natural e selvagem, houve o extermínio quase total das comunidades indígenas locais (VALLEJO, 2009). Então, apesar da preservação dos inúmeros fatores ecológicos da biodiversidade vegetal e animal estes espaços se tornaram modelos reprodutores de exclusão das populações humanas, o que atualmente gerou inúmeras críticas sobre estes modelos centralizadores, que para alguns autores, dentro de uma visão mais ampla, não está dentro da perspectiva de sustentabilidade socioambiental. Juntamente com as unidades de conservação foram criados inúmeros conflitos gerados pela população que habitava estas áreas e seu entorno (OLIVEIRA, 2005).

A contestação da ideia de natureza inesgotada abriu novas perspectivas para pensar outros modelos que agregassem a utilização racional dos recursos naturais pelas populações humanas que tem estes como fundamentais para garantir a reprodução da vida.

É importante considerar toda a bagagem histórica e social que a sociedade acumulou ao longo de séculos, o que levou a humanidade refletir sobre sua relação com a natureza. O que se pode observar é que o mundo passou por diversas modificações que emergiu principalmente após a Revolução Industrial (1760 – 1850). Também é importante considerar o impacto que a Segunda Guerra Mundial causou na visão das pessoas com relação ao meio ambiente. De acordo com Bernardes & Ferreira (2007, p. 27), neste período emergiu a questão ambiental onde “pela primeira vez a humanidade percebeu que os recursos naturais são finitos e que seu uso incorreto pode representar o fim de sua própria existência. Com o surgimento da questão ambiental, a ciência e a tecnologia passaram a ser questionadas”.

Em virtude da mudança na sociedade, no final do século XIX, surgiram duas correntes ambientais de conservação do meio ambiente nos Estados Unidos: a preservacionista e a conservacionista dos recursos naturais. Com o decorrer do tempo estas correntes ganharam espaço na política de estado norte americana e no mundo (ARAÚJO, 2007; GUERRA & COELHO, 2009; BARBOSA & DRUMMOND, 1994 apud BRAGA, 2013).

A emergência da consciência ambiental é refletida em publicações como Silent Spring (1962), de Rachel Carson que chamou a atenção sobre os impactos do uso de pesticidas sobre a qualidade da água, os danos acumulativos na cadeia trófica e na saúde humana; e os Os limites do crescimento (1972), escrito por Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, and William W. Behrens III, conhecido popularmente como o Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows3, que tratava de problemas fundamentais para o futuro desenvolvimento da humanidade tais como energia, poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional. Estes livros foram obras de ampla divulgação que levaram o público em geral ao debate científico, o que colaborou com o ambientalismo moderno e formulação de políticas públicas.

O final dos anos de 1960 e início de 1970 foi, sem dúvida, um período de intensa reflexão sobre as relações entre o meio ambiente e o crescimento econômico difundido no mundo (CORAZZA, 2005).

De acordo com Leff (2001), com o surgimento da consciência ambiental na década de 1960 a percepção da crise ecológica foi construindo um conceito de desenvolvimento humano que integrava valores da natureza e valores culturais e sociais da

3 O Clube de Roma é um grupo de pessoas que se reúnem para debater um vasto conjunto de assuntos

relacionados à política, economia internacional e sobre o meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Foi fundado em 1968 pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King.

humanidade. Desta forma, a sustentabilidade surge como uma forma de construir uma nova racionalidade produtiva, que se fundamenta no potencial ecológico e em novos sentidos de sociedade que engloba a diversidade cultural humana.

Também emergiram inúmeros eventos internacionais que contribuíram para que se consolidasse a questão de proteção da natureza, alguns relevantes politicamente foram: A Conferência da Biosfera em Paris (1968), Convenção Ramsar no Irã (1971), a Conferência das Nações Unidas sobre o meio Ambiente Humano, realizada em Estolcomo (1972), III Congresso Mundial de Parques, realizado em Bali (1982), a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente – Rio 92 ou Eco-92 (ARAÚJO, 2007). Estes eventos (pelo menos politicamente) assinalaram os limites do crescimento econômico e os desafios para diminuir a degradação ambiental no planeta, apontando soluções bases para a “desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos limites da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção dos sentidos sociais e na criatividade humana” (LEEF, 2001, p. 17).

No Brasil, até meados da década de 1980, o Estado ditou de forma centralizadora a política ambiental a ser seguida. É evidente que todos os eventos e publicações científicas relevantes que ocorreram mundialmente foram de imprescindível importância para que a questão da proteção da natureza ganhasse força na agenda ambiental brasileira. O intervalo entre 1934 e 1988 compreende os marcos temporais para o desenvolvimento da regulação ambiental política no Brasil (CUNHA & COELHO, 2007).

Em 1934 foi promulgado o Código Florestal Brasileiro, onde os modelos de unidades de conservação seguiam bases criadas no modelo de conservação americano (MILANO, 2000) com categorias que englobavam áreas de conservação e proteção integral dos recursos naturais: I – Reserva Natural Estrita/ Área silvestre; II – Parque Nacional; III – Monumento Natural; IV – Santuário de vida silvestre; V – Paisagem terrestre/ Marinha protegida; VI – Área protegida com recursos manejados (ARAÚJO, 2007; GUERRA & COELHO, 2009).

Como ocorreu em outras partes do mundo a criação de áreas protegidas se tornou uma das formas para “proteger” o meio ambiente e amenizar os danos ambientais causados pela interação da humanidade com a natureza. A primeira unidade de conservação brasileira com base legal foi criada somente em 1937, o Parque Nacional Itatiaia, iniciando um período de consolidação e ampliação das unidades de conservação no Brasil. Nesta década, também

foram criadas em 1939 o Parque Nacional de Foz de Iguaçu e no mesmo ano a Serra dos Órgãos (ARAÚJO, 2007; COSTA, 2002).

Em resumo, segundo Araújo (2007), entre a criação do primeiro Parque Nacional Brasileiro em 1937 e o ano de 1980 a política da conservação cresceu bastante. Foram criados 14 parques nacionais, 15 florestas nacionais, 3 áreas de proteção ambiental, 21 estações ecológicas, 16 reservas biológicas e 6 reservas ecológicas sob a jurisdição federal. Apesar da implantação destas áreas protegidas, a efetivação real das unidades de conservação não ocorreu como estava programado, a maioria por falta de gestão não se consolidou de fato como uma área de proteção aos recursos naturais, mas se caracterizou como ficções jurídicas (MORSELLO, 1999; VALEJO, 2003; COELHO, CUNHA, MONTEIRO, 2009).

Politicamente, a Constituição de 1988 “consolidou” a efetividade de ações com relação à questão ambiental no Brasil, o seu artigo 225 traz determinações para o alcance do desenvolvimento sustentável (ARAÚJO, 2007; JÚNIOR, COUTINHO, FREITAS, 2009). As medidas tomadas pelos órgãos públicos nos anos seguintes priorizaram conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente, com programas governamentais que nem sempre representavam o verdadeiro sentido da sustentabilidade ambiental, no entanto de uma forma geral, a política do meio ambiente continuou crescendo (CUNHA & GUERRA, 2007; ARAÚJO, 2007).

Segundo Guerra & Coelho (2009), nas ultimas décadas foram criadas no Brasil várias unidades de proteção ambiental pelos órgãos públicos federal, estadual e municipal, sendo diferentes os projetos de interesses, os discursos e lutas políticas entre os diferentes atores sociais envolvidos com a criação de unidades de conservação no Brasil.

É imprescindível o debate no meio científico sobre a constituição de unidades de conservação, reconhecendo a importância da contemplação das populações tradicionais nestes espaços como uma forma de fazer a inclusão social, ambiental e cultural destes povos, garantido igualmente a integridade ecológica destes territórios.

5.2 POPULAÇÕES E TERRITÓRIOS VIVIDOS: A CONSTITUIÇÃO DAS RESERVAS