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I EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

1 2 A QUESTÃO DO MULTICULTURAUSMO

"Que pode significar o projecto de viver em conjunto com as nossas diferenças?" Esta questão colocada por Michel Wieviorka (1997: 5) a introduzir o debate sobre questões de multiculturalismo corresponde ao assumir de uma

postura de inevitabilidade multicultural nas nossas sociedades. As respostas espontâneas e reveladoras das concepções políticas dominantes apontam para a ideia de integração das minorias culturais, ou das culturas não hegemónicas, na ordem estabelecida e hegemónica. Os modelos de acção social baseados na ideia de integração cultural não evitaram a crise da escola, as tensões sociais, a violência e a exclusão das minorias vivendo em bairros problemáticos, convenientemente afastados das zonas urbanas mais privilegiadas.

Entre a herança do iluminismo cujo universalismo marginaliza de facto povos e culturas, e um diferencialismo excessivo que pode conduzir a novos fenómenos de exclusão ou xenofobia, parece não haver uma boa escolha, mas pelo contrário uma preocupação revigorada em compreender os novos fenómenos sociais que caracterizam as nossas sociedades multiculturais, com vista a encontrar, na sua diversidade, a riqueza que nos poderá conduzir, por caminhos ainda a desbravar, a construir uma nova forma de vida em conjunto com a diferença.

Um mundo em que as questões das relações sociais de produção, de dominação, de exploração, de reforma ou de revolução parece estar a ser substituído por um mundo em que as questões se centram na globalização ou na exclusão, na distância crescente ou na concentração de capital ou da capacidade de difundir mensagens e formas de consumo. Uma visão vertical da sociedade está a ser substituída por uma visão horizontal onde nos situamos no centro ou na periferia, dentro ou fora, na visibilidade ou na invisibilidade. "Localização que já não faz apelo a relações de conflito, de cooperação ou de compromisso e dá da vida social uma imagem astronómica, como se cada indivíduo ou cada grupo fosse

uma estrela ou uma galáxia definida pela sua posição no universo" (Touraine, 1997: 19).

Vivemos portanto no dilema de reconhecer valor próprio às minorias e às comunidades, renunciando à comunicação entre nós, ou de viver em conjunto comunicando através de processos impessoais, de sinais técnicos, ou só comunicarmos no interior de comunidades que se fecham tanto mais sobre si mesmas quanto mais se sentem ameaçadas por uma cultura de massa que lhes parece estranha (Touraine, 1997). Como escapar então à escolha inquietante "entre uma ilusória globalização mundial que ignora a diversidade das culturas e a realidade inquietante das comunidades fechadas sobre si mesmas?" (Ibidem: 27) Tal como Althusser, para quem a categoria de sujeito é constitutiva de toda a ideologia (Althusser, 1980), assim também Touraine propõe que a superação do dilema, por ele próprio enunciado, só pode ser efectuada pelo reconhecimento do indivíduo como actor, isto é, como sujeito. "O Sujeito é uma afirmação de liberdade contra o poder dos estrategas e dos seus aparelhos e contra o dos ditadores comunitários" (Touraine, 1997: 28)

O percurso a que conduz uma tentativa de resposta à pergunta formulada por Wieviorka, atrár enunciada, ou a procurar uma solução para o dilema colocado por Touraine, evidencia a enorme complexidade do multiculturalismo. O sujeito, Althusser diria o sujeito concreto, é o cadinho onde se revelam e actualizam as culturas. A grande categoria universal seria então o Sujeito. Habermas propusera, segundo Touraine (1997), que as sociedades, neste caso a sociedade alemã, deviam abdicar do sonho de determinar as suas políticas pelo desejo de um destino

comum, para todos os que tenham consciência de a elas pertencerem. Numa primeira abordagem, o multiculturalismo corresponde então a uma recente tomada de consciência de que, não só estamos perante a necessidade de encontrar respostas diferentes para problemas de longa data, mas sobretudo de que é necessário equacionar os problemas, relacionados com a convivência de culturas diferentes, de um modo diferente.

A diferença cultural, por outro lado, não pode ser vista simplesmente como uma questão de identidade das culturas e da sua valorização. A diferença cultural combina-se quase sempre com fortes desigualdades sociais, associa-se à dificuldade de acesso ao emprego, à escola, à saúde, etc. As dimensões social e cultural reforçam-se mutuamente, sendo por vezes difícil dissociá-las. Por vezes, são as próprias dificuldades sociais, de acesso ao emprego por exemplo, que parecem agrupar as pessoas em torno de modos específicos de vida, sendo difícil discernir posteriormente o que nessa exclusão releva de aspectos culturais e o que releva de aspectos sociais.

As políticas que se autodenominam de multiculturais, que não tenham em devida conta a necessidade de projectos de transformação social, correm, assim, o risco de se coistituírem como políticas de reforço de sistemas de acomodação à ordem social estabelecida (McLaren, 1994). Nesta perspectiva conservadora, inscreve-se a opinião sobre multiculturalismo de Dominique Schnapper, citada por Wieviorka (1997), para quem a questão do multiculturalismo é muito simples: todos os cidadãos têm o direito de cultivar as suas particularidades, quer na vida privada, quer na vida social, desde que as especificidades culturais dos grupos a

que pertencem sejam compatíveis com as exigências da vida em comum; mas essas especificidades não devem legitimar uma identidade política particular, reconhecida como tal na vida pública. Como defende Peter McLaren (1994), o multiculturalismo crítico ou de resistência deve opôr-se a uma visão reducionista da ordem social, tal como aqui é exposta por Schnapper. Com efeito, "as relações de poder podem não ter sempre um design consciente, mas têm consequências inesperadas que definem aspectos estruturais profundos de opressão, mesmo que qualquer totalização ideológica do social esteja destinada ao fracasso" (McLaren, 1994: 62). Fazendo apelo à necessidade de conscientização, termo que vai buscar a Paulo Freire, dos processos de dominação, McLaren assenta nesta consciência reflexiva intersubjectiva, o reconhecimento de que a ideologia gera relações sociais particulares ao mesmo tempo que as reflecte. É esta conscientização que poderá estar na origem da praxis revolucionária, ou de resistência, como ele prefere normalmente chamar.

Uma segunda característica do multiculturalismo será então a de fornecer às sociedades reflexões e propostas para a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária para todos, isto é, uma sociedade inclusiva. Vivemos, no entanto, num tempo paradoxal, na medida em que mnca foi tão grande a discrepância entre a possibilidade técnica de uma sociedade melhor, mais justa e mais solidária e a sua impossibilidade política (Sousa Santos, 1996), tal como fez sentir José Saramago no seu discurso de agradecimento do prémio Nobel (1998). Com efeito, o fenómeno de globalização, responsável em grande parte pelo desenvolvimento técnico que nos aproximaria dessa maior justiça e solidariedade, é também um

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