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CAPÍTULO 2: A PROBLEMÁTICA DA MOBILIDADE URBANA E AS

2.2. AS QUESTÕES DO TRANSPORTE PÚBLICO

2.2.3. A questão da qualidade

A questão da qualidade do transporte público tem aparecido frequentemente no centro das discussões sobre as condições de mobilidade nas cidades brasileiras. Isso porque é largamente sabido que a melhoria das condições dos deslocamentos realizados no espaço intraurbano passa necessariamente pela valorização e qualificação dos modais públicos de transporte. Fazem-se necessários sistemas de transporte público de boa qualidade para oferecer condições melhores de mobilidade à demanda de usuários atual e para atrair usuários dos modais individuais motorizados.

Contudo, no Brasil, a qualidade do transporte público por ônibus sempre deixou a desejar. Vários problemas que degradam a qualidade do transporte público por ônibus e tendem a causar o abandono do serviço podem ser identificados, verificados em muitas cidades brasileiras, como, por exemplo:

a) Problemas de acessibilidade: mais comum nas periferias, áreas onde os usuários precisam caminhar distâncias consideráveis para ter acesso ao ponto de ônibus, além de sofrerem com más condições das calçadas e ausência de rotas adequadas para ciclistas que deem acesso ao serviço; b) Problemas de tempo de viagem: pois com a dispersão das cidades e o

zoneamento monofuncional típico da cidade brasileira os deslocamentos tornam-se cada vez mais longos, o que, aliado à falta de prioridade para os ônibus no sistema viário e ao aumento dos congestionamentos que diminui a velocidade operacional, faz crescer o tempo de viagem no interior do veículo;

67 c) Problemas de frequência de atendimento: enquanto áreas centrais e consolidadas do espaço intraurbano, que são atendidas por um número maior de linhas, têm intervalos entre atendimentos pequenos, isto é, têm altas frequências, outras mais periféricas e/ou de urbanização recente, onde normalmente habitam populações de baixa renda, têm baixa frequência de atendimento;

d) Vulnerabilidade a assaltos: considerado por alguns autores um problema de violência urbana que está além dos atributos da qualidade do transporte público, o fato é que em muitas cidades brasileiras os veículos de transporte coletivo por ônibus despertam nos usuários uma sensação de insegurança a atos criminosos, principalmente assaltos;

e) Desconforto nos veículos e lotação: os ônibus no Brasil são, em geral, desconfortáveis. Em muitas situações não contam com ar-condicionado, mesmo em cidades quentes. Comumente possuem corredor estreito, pouco espaço entre assentos, degraus altos, são barulhentos, etc. Nos horários de pico, usar o ônibus no Brasil é uma tarefa quase sempre degradante, dado que os índices de lotação nesses períodos são muito altos;

Um aspecto importante acerca da qualidade do transporte público é a falta de objetividade na definição da qualidade e de serviço adequado. Nas palavras de Barreira (2015), "é preciso definir a qualidade e calcular seu custo, pois não se persegue objetivo desconhecido". Bazani (2015) tem a mesma preocupação; para o autor, a qualidade do transporte deve ter padrões nacionais, isto é, deveriam existir algumas exigências que servissem para o país todo, respeitando as peculiaridades de cada região.

[...] o que é serviço adequado? Quais metas de qualidade e desempenho devem ser alcançadas? Como estipular essas metas? [...] Qual o número ideal de pessoas por metro quadrado dentro de um ônibus ou trem? Qual deve ser a idade média e a idade máxima de uma frota? Qual deve ser o intervalo entre as partidas, de acordo com a demanda? Em quais condições climáticas regionais o ar- condicionado deve ser ou não obrigatório nos ônibus? Onde devem ser usados ônibus mais simples e robustos e onde devem ser aplicados ônibus com categoria melhor, de motorização traseira ou central? (BAZANI, 2015, p. 35)

Outro gargalo do transporte público por ônibus é a pouca ou nenhuma prioridade que recebe nos espaços de circulação, o que é um entrave à sua fluidez. Quando ocorre no sistema viário comum, a circulação dos ônibus é interrompida pela parada nos

68 pontos, pelos semáforos e por congestionamentos. Para melhorar a fluidez do trânsito de ônibus costumam-se adotar três tipos de medidas: ordenamento das paradas por grupos de linhas; reserva de uma faixa exclusiva à direita da via; e reserva de uma faixa fisicamente separada junto ao canteiro central (VASCONCELLOS, 2013a; VASCONCELLOS, 2013b).

No que diz respeito à segregação física de pista para ônibus junto ao canteiro central, a concepção mais famosa é a do Bus Rapid Transit (BRT) do arquiteto Jaime Lerner para Curitiba, replicado para inúmeras outras cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, e também de outros países, a exemplo de Bogotá e Cidade do México. Consiste num sistema de transporte público por ônibus que circula numa rede de canaletas exclusivas, fisicamente segregada do fluxo viário misto. Suas principais vantagens, segundo o site BRT Brasil9, são: rápida implantação (pode ser feito em 18 meses); existência de monitoramento da frota via GPS, que fornece aos usuários informações precisas em tempo real; embarque em nível, o que proporciona mais velocidade e acessibilidade; pagamento antecipado, que reduz tempo de embarque e o tempo de viagem; veículos de alta capacidade, que comportam em média 160 a 270 passageiros (um ônibus articulado, por exemplo, pode substituir 100 carros); interseções semafóricas inteligentes, que melhoram a velocidade, entre outras.

Para Cunha Filho (2014), o principal motivo de o serviço de transporte público nunca ter avançado no atendimento das demandas sociais é a falta de investimentos públicos no segmento; acrescenta ainda que os últimos 20 anos foram de estagnação, com ausência de políticas públicas adequadas às reais necessidades do cidadão. Aponta, como caminhos para melhoria da qualidade do serviço – conciliando também as demandas por tarifas justas – desde projetos de curto prazo, como as faixas exclusivas, até projetos estruturantes com prazo maior de execução, como os BRTs, VLTs e metrôs. Além disso, defende que o Estado deve subsidiar o serviço.

Para melhoria da qualidade do transporte público, entende-se que o primeiro passo a ser dado é o diagnóstico. Mensurar os índices de qualidade dos diversos atributos do sistema deve ajudar a definir os planos de ação para sua melhoria, na medida em que dão suporte à identificação de suas partes deficientes. Para isso, tanto a parte técnica-operacional como a opinião dos usuários precisam ser estudadas.

69 A questão da qualidade na prestação de um serviço de transporte público é um desafio para os gestores públicos, isso porque há sempre uma expectativa, por parte dos usuários, pela excelência do serviço e por mais conforto e comodidade. Isso está ligado à natureza hedonista do homem. Sempre que se alcança uma melhoria, parece verdadeiro afirmar que novas expectativas são criadas e, desse modo, nunca se chegaria a uma condição de satisfação plena de todas as expectativas e demandas por parte da população usuária. Assim, os gestores públicos acabam encontrando crescentes desafios (i) para a organização, regulamentação e definição das tarifas, ii) para compatibilizar os níveis de qualidade demandados pelos usuários à sua capacidade de pagamento e (iii) para a justa remuneração aos prestadores de serviço (COUTO, 2011).

A definição dos atributos necessários para que o sistema de transporte público por ônibus possua indicadores de qualidade do serviço é uma tarefa complexa, pois usuários, gestores e operadores, ambas partes envolvidas no processo, têm visões distintas acerca da questão. Bertozzi e Lima Jr. (1998) cita os seguintes critérios de avaliação, segundo o ator envolvido (usuário, operador e gestor): para os usuários, confiabilidade, responsividade, empatia, segurança, tangibilidade, ambiente, conforto, acessibilidade, preço, comunicação, imagem, momentos de interação; para o operador, atributos como velocidade, frequência, regularidade, número de linhas, horas de operação, idade da frota, lotação, treinamento com motoristas, programas internos de qualidade, redução de custos e operacionais/administrativos e de manutenção; para o gestor, atributos como tempo de viagem, frequência, velocidade, confiabilidade, conforto, segurança, eficiência, poluição, demanda, produtividade, condições viárias, condução do motorista, etc.

Ferraz e Torres (2004) consideram as atividades de planejamento e gestão como vitais para garantia da qualidade e da eficiência do serviço de transporte público urbano, assim como para a justiça tarifária. Essas atividades são importantes também na busca do menor impacto negativo possível sobre o meio ambiente natural e construído, da diminuição de congestionamentos e acidentes de trânsito e do uso racional do solo.

Pode-se citar cinco requisitos fundamentais na garantia de um transporte público eficiente e de qualidade, que seriam, segundo Ferraz e Torres (2004), os seguintes: conscientização de todos os atores envolvidos (usuários, governo, comunidade e empresários e trabalhadores do setor); planejamento e gestão adequados do sistema por parte do poder público; legislação para que o governo tenha condições de desempenhar

70 bem sua função e que proporcione confiança aos empresários para investir no setor; e, por último, educação/capacitação de todos os atores envolvidos.

Um sistema de transporte público que vise a qualidade precisa, também, ser capacitado – todos os atores envolvidos precisam definir bem seus objetivos, conhecer seus direitos e deveres e saber realizar com eficiência e qualidade as suas tarefas ou ações – e democrático – é necessário que os problemas sejam resolvidos com a participação de todos os atores envolvidos, o que sugere que cada um precisa conhecer os objetivos, direitos e deveres dos demais, bem como também que exista um permanente intercâmbio de ideias entre eles. É importante, também, que se busque a satisfação racional, equilibrada e continuada dos desejos de todos, o que se pode denominar de sustentabilidade da qualidade. A importância desde último aspecto reside no fato de que a insatisfação de algum grupo conduz ao desequilíbrio do sistema, resultando em fenômenos danosos à ele, como a queda da demanda, perda de qualidade e de eficiência, entre outros (FERRAZ; TORRES, 2004).

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CAPÍTULO 3

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