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A racionalidade tecnocientífica

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Capítulo II-QUADRO TEÓRICO: modos de entender

2.3 O paradigma tecnosocial ou a revolução tecnológica

2.3.1 A racionalidade tecnocientífica

A reflexão a respeito do discurso tecnológico, modelar nas sociedades contemporâneas, está intrinsecamente ligada ao fato de a racionalidade tecnocientífica se ter tornado um subsídio para o entendimentosobre o estágio de desenvolvimento de uma sociedade. Se, anteriormente, isso era medido a partir de índices econômicos e sociais, hoje, está diretemente ligado a sua capacidade de evocar e produzir ciência e tecnologia.

Deve-se ressaltar que o domínio de artefatos para a sobrevivência humana foi à mola propulsora da invenção da técnica e artefatos técnicos. A concepção grega de técnica como uma “contemplação da natureza”, apesar de muito contestada por autores como Bacon, (1999) é considerada como a matriz para a idéia de tecnologia atual. Enquanto naquela o ser estava fundamentado na teoria, para esta, ao contrário, o ser está fundamentado na prática. Contudo, se deve enfatizar que a presença, quiçá a

53 onipresença técnica acompanha o desenvolvimento das sociedades, fundamentando desde aspectos culturais em sociedades tradicionais, como a pesca (o ato de fazer) como a confecção de artefatos (a vara de pescar) a forma de armazenar e conservar alimentos. Na sociedade moderna, considerada o século das Luzes, que tinha o ser humano na sua centralidade, o domínio sobre as intempéries da natureza caracterizava a ciência. O domínio da ciência pelos seres humanos era tido como um indício de liberdade, a liberdade almejada com os ideais da revolução burguesa. Por sua vez, estes ideais vão incidir em questionamentos acerca das “formas tradicionais de pensamento”, que caracteriza as sociedades tradicionais.

Com o advento do Iluminismo, as sociedades modernas passam a questionar esse tipo tradicional de pensamento, exigindo que fosse justificada a utilidade de costumes e instituições para a sociedade. É neste contexto de exacerbação da racionalidade que se dá à ascensão da ciência e da tecnologia, que passam a configurar como base para a formulação de idéias, conceitos, teorias e fundamentação racional do saber e do conhecimento. Desde então, a tecnologia é incorporada as sociedades modernas e passa a modelar a vida social, se constituindo na “estruturamaterial da modernidade” (CUPANI¸ 2004, p.21). Este fato vem ao encontro da idéia de domínio da natureza e pelos seres humanos, o que contribuiria para se atingir a liberdade. Estaria então a busca por intrinsecamente ligada ao domínio tecnológico. O que parece um paradoxo, já que o desenvolvimento tecnológico envolve diretamente a questão do controle não apenas de maquinário, mas, sobretudo, de seres humanos.

Este tipo de fenômeno foi abordado por Norbert Wiener, um dos teóricos precursores da filosofia da tecnologia, para a construção do conceito de cibernética. O autor defende a tese de que a “compreensão de uma sociedade com o estudo das mensagens e as facilidades de comunicação de que disponha” (WIENER, 1954, p16).

Por sua vez, pensar as tecnologias não apenas como suporte ou instrumento para a realização de tarefas cotidianas, mas, sim, como estilo de vida, na qual os aparatos tecnológicos são, para além de objetos, demonstram a forma pela qual nos relacionamos com a própria vida. Por outro lado, é assaz o entendimento sobre as formas de utilização e percepção das mídias digitais entre os usuários moradores de comunidades populares. Tal compreensão se faz importante não apenas por dimensionarem a apropriação tecnológica que está sendo estabelecida, mas por que proporcionam o entendimento de diversas outras demandas sociais. Wiener (1954) destaca que o conhecimento e a análise de uma sociedade, podem ser feitas pelo tipo

54 de comunicação que utiliza. A comunicação e as máquinas utilizadas para o controle de seres humanos.

A sociedade só pode ser compreendida através de um estudo de mensagens e das facilidades da comunicação de que disponha; e de que, no futuro o desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre os homens e as máquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante (WIENER, 1954, p.16).

O que desejo ressaltar é o entendimento sobre a utilização da técnica e datecnologia para a evolução social de seres humanos, no tocante a busca pelo conhecimento. Contudo, a ciência é uma construção humana traz em si tanto o positivo como o negativo dos seres humanos que a criaram (MORAES, 2002, p.23).

Na mitologia grega, Prometeu é o titã que rouba o fogo dos deuses e é por eles condenado a um suplício eterno. Preso a uma rocha, uma águia com bicadas lhe devora o fígado. A simbologia da lenda se aplica aos fundamentos epistemológicos da ciência e tecnologia. Isto porque, o fogo aludido se refere ao conhecimento, à técnica. Por esse conhecimento, por essa técnica, o ser humano é punido com a fúria dos Deuses, por um lado. Mas, por outro, tem-se o compartilhamento e a difusão do conhecimento, até então guardado por seres considerados superiores. Pode-se afirmar que a busca pelo conhecimento (o domínio da técnica) move os seres humanos desde os tempos imemoriais (idade da pedra ou período paleolítico). Ou seja,ainda em um período que antecede a escrita. Muitos destes conhecimentos foram preservados pela tradição oral de povos milenares. É, pois, a invenção da prensa móvel por Gutemberg — trata-se de uma revolução —, que modifica costumes e comportamentos na idade moderna. É neste período também que o conhecimento e a informação passam a ser disseminados, transmitidos e, sobremaneira, passam a ser preservados e armazenados. A questão que se descortina é como os seres humanos vão acompanhar este desenvolvimento em uma época em que a comunicação está intrinsecamente ligada à tecnologia. Qual o caminho que a humanidade deve buscar para minimizar as desigualdades já tão profundamente arraigadas em algumas nações, comprometendo, inclusive, a sobrevivência e permanência de espécies humanas no planeta?

Com isto, desejo ressaltar a responsabilidade dos seres humanos em buscar alternativas de mudanças para a sociedade tecnológica, sobretudo, o que se refere à comunicação, como dita a teoria crítica. Essa teoria tal e qual a busca por liberdade das

55 primeiras invenções técnicas, com a qual se buscava um pretenso domínio sobre a natureza, acredita no teor libertador da tecnologia, postulado que também congraço. As pesquisas sobre o tema da exclusão digital apontam para os pontos sem luz, em diversas partes do planeta. Para os habitantes dos países emergentes que passaram por longos processos de Ditadura Militar, e onde o próprio exercício da democracia na sua plenitude é insipiente, temos um longo caminho a ser percorrido, haja vista que “a teoria crítica da tecnologia sustenta que chegou o momento de estender a democracia também à tecnologia” (FEENBERG, 2003, p.9).

Isto posto, a prática do discurso efusivo parece forçar não apenas a entrada destes novos atores em um espaço de visibilidade pública. Vai além, pois semeia a difusão e disseminação do conhecimento, elemento que pode funcionar como propulsor da prática democrática na sua plenitude, e, que pode contribuir tanto para a criação como da ampliação de espaços alternativos de participação.

A emergência de processos de efetivação da democracia demanda mobilização da sociedade civil. Estas alternativas de busca de informação, de conhecimento, de domínio da técnica são revolucionárias e essenciais na conquista da liberdade. Elas podem se materializar através da ação conjunta e mobilização da sociedade civil.

O modelo de esfera pública pensada por Habermas, centrada na convivência fora do espaço privado, fora de casa, estrutura a análise sobre o espaço público virtual, cuja característica central e a diversidade e a multiplicidade de pessoas e informações. Isto por que, “só a luz da esfera pública e que aquilo que se consegue parecer, tudo se torna visível a todos” (HABERMAS, 1984 p.16). Contudo, a esfera pública harbemasiana não abarcou todos os grupos sociais quando da formulação do conceito de espaço público, deixando de fora grupos minoritários, como mulheres e escravos. Na atualidade, a esfera pública burguesa continua não abarcando integralmente os diversos grupos que compõe a sociedade brasileira (HANCHARD, 1996, p.43). Mas é na própria sociedade que se tem buscado formas novas de construção para a esfera pública contemporânea, como ressalta Linhares:

A atual sociedade construiu novas formas de a mediação com o real que a impulsiona vertiginosamente para uma construção com conceitos, que influenciaram, entre outras, as ações políticas (participação, representação, cidadania), culturais (identidades, pertencimento, nacionalismo) e sociais (grupos, organizações, gêneros e etnias) (LINHARES 2006 p.159).

56 Dessa forma, torna-se primordial a interferência dos cidadãos e cidadãs no processo de construção de um espaço público virtual que, na atualidade, está sendo mediado pelas inovações tecnológicas. Este e o seu grande diferencial. A comunicação e a interação social mediadas pela tecnologia. Na esfera pública burguesa, a reunião de diferentes indivíduos para a discussão e formação de uma opinião pública, além de privilegiar grupos econômicos, não contava este tipo de mediação tecnologizada. Então, hoje, a busca por visibilidade das pessoas que não estão nos centros de poder tem impulsionado a criação de outros tipos de espaços que não aqueles institucionalizados, em que muitas vezes a presença do Estado é perene. Estes grupos, excluídos da esfera pública burguesa, estão inscritos em outros espaços, isto é, se fazem presentes na luta pela visibilidade democrática, almejada tanto por quem está no centro como nas periferias do poder. Este dinamismo parece funcionar como uma tática para contrapor a invisibilidade de ações institucionalizadas e estatais, como afirma Morais:

O homem cria cultura, entendida está como toda parte do ambiente que resultou do trabalho humano. Nisto entram conhecimentos, crenças, artes, estilos de trabalho e lazer etc. À medida que exerce sua criatividade construindo engenhosamente seu modo de sobreviver, o homem se vai deixando condicionar pelas suas próprias criaturas. Inútil e tentarmos mentalizar indivíduos fechados em si mesmos, isolados do ambiente e reduzidos apenas aos limites de seu organismo (MORAIS, 2002 p.159).

O poder de criação cultural parece contemplar formas diversificadas de inserção social. De se fazer presente no mundo tecnologizado. O que poderá culminar com outras ações políticas por indivíduos anteriormente sem voz, sem expressão que, agora, (re)criam formas alternativas de participação e atuação social.

2.3.2 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E COMUNICAÇÃO RADICAL

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