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A recepção de Guimarães Rosa na Argentina: o

5. URUGUAI, CHILE E ARGENTINA

5.2. A crítica chilena: Soledad Bianchi, Daniel Balder e Luis

5.2.3. A recepção de Guimarães Rosa na Argentina: o

“E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi.”

(Guimarães Rosa, “A hora e vez de Augusto Matraga”, Sagarana)

Pode-se supor que o primeiro contato dos leitores latino-americanos com as narrativas de Guimarães Rosa ocorreu a partir da publicação de duas de suas obras lançadas pela editora catalã Seix-Barral na década de 1960. Essa iniciativa não apenas divulgou a literatura rosiana em território espanhol, como alcançou a recepção hispano-americana. A obra inicialmente escolhida para apresentar o escritor brasileiro aos leitores de língua espanhola foi o romance

Grande sertão: veredas, lançado pela Seix-Barral no ano de 1967, e tendo por tradutor o

ensaísta e crítico de arte espanhol Àngel Crespo. Movida pela fama alcançada pelo romance

Grande sertão: veredas no Brasil e em outras partes do mundo, a editora optou por começar

com o romance de 1956, desconsiderando, a princípio, Sagarana (1946), Corpo de baile (1956),

Primeiras estórias (1962) e Tutaméia (1967). Dois anos após o lançamento de Grande sertão: veredas, no ano de 1969, a Seix-Barral publica o livro Primeiras estórias, com a tradução da

189 traduzido um conto de Primeiras estórias, “A terceira margem do rio”, em 1964, para ser publicado na revista Marcha, periódico que estava sob os cuidados de Ángel Rama.

Contudo, há uma tradução do conto “A hora e vez de Augusto Matraga” compondo a edição de número 11183 de uma revista-livro bimestral argentina chamada Ficción, divulgada em Bueno Aires no ano de 1958 pela editora Goyanarte. Esta revista poderia ser adquirida por meio de uma assinatura de 1 ano ($80 pesos argentinos), 2 anos ($145 pesos argentinos) ou 3 anos ($200 pesos argentinos), e custando, respectivamente, $4 dólares, $7 dólares e $10 dólares para outros países, oferecendo, assim, comodidade para os seus leitores.

Com o título de “La oportunidade de Augusto Matraga” (p. 4-35), o nono conto de

Sagarana foi traduzido por Juan Carlos Ghiano (1920-1990) e Néstor Krayy, sendo uma

tradução/publicação pioneira de um texto de Guimarães Rosa para a língua espanhola. Posteriormente, em 1970, a editora argentina Galerna relançaria “La opotunidade de Augusto Matraga”, mantendo a tradução feita por Ghiano e Krayy. No ano de 1978, tivemos uma terceira publicação do conto “La oportunidad de Augusto Matraga” traduzido por Ghiano e Krayy. Desta vez, a editora Galerna (re)apresentou a estória de superação de Augusto Esteves como sendo um dos nove livros de bolso que compunham a coleção Aves del Arca ― que trazia os escritores Mark Twain, Charles Baudelaire, Stendhal, Murasaki Shikibu, S. Salazar Bondy, Marcel Proust, Rudyard Kipling, e claro, Guimarães Rosa.

Seguindo o caminho desbravado pela revista Ficción, outras editoras da Argentina se encorajaram a publicar Guimarães Rosa. Ao ver a repercussão positiva dos livros Grande

sertão: veredas e Primeiras estórias, publicados em espanhol pela editora catalã Seix-Barral, a

editora argentina Calicanto apostou na possibilidade de publicar não apenas um ou outro texto de Guimarães Rosa, mas um livro na íntegra. Assim, surgiu o projeto de tradução de Tutaméia (1967), que ficou ao encargo do ensaísta Santiago Kovadloff, nascido na Argentina em dezembro de 1942. Sob o título de Menudencia, em 1979 chegava às livrarias portenhas a tradução do quinto livro de Guimarães Rosa, originalmente lançado no Brasil em 1967. Tendo feito a única tradução de Tutaméia para o espanhol, Santiago Kovadloff se viu diante dos mesmos temores enfrentados pelos outros tradutores de Guimarães Rosa

Cada vez que me acerco a Guimarães con la intención de traducirlo, me parece oír, venida de sus textos, la misma advertencia ― en rigor un ultimátum, cuya severidad aparece atenuada bajo la forma cordial de una pregunta: ― Como

183 A edição de número 11 da revista Ficción corresponde aos messes de janeiro e fevereiro de 1958. Imagens da revista podem ser vistas na parte dedicada aos Anexos.

190 é, compadre: você veio disposto a brincar com a sua língua?184 (KOVADLOFF, 1979, p. 23).

Lidar com a imaginação verbal de Guimarães Rosa não é uma tarefa fácil, quiçá para o tradutor, que precisará executar ajustes precisos no texto para que o mesmo possa ser compreendido pela nova recepção; contudo, sem que haja qualquer tipo de modificação fora do tom, nada que distancie a tradução da ideia apresentada no texto original. Ainda a respeito do engenhoso ofício de traduzir os textos do escritor mineiro, diante dos neologismos, barbarismos, das licenças sintáticas etc., ou seja, diante da aparente indisciplina verbal, Kovadloff desabafa que “[p]or eso, por tudo eso, es en cierta medida impossible traducir Guimarães Rosa”185(KOVADLOFF, 1979, p.24).

Mais recentemente, outra editora argentina se mostrou interessada em publicar obras completas de Guimarães Rosa. Trata-se da Adriana Hidalgo editora, que em 2007 lançou a primeira tradução de Sagarana, que até o exato momento só tinha tido um de seus contos traduzido para o espanhol (“A hora e vez de Augusto Matraga”). Sem inserir qualquer tipo de depoimento a respeito da tarefa de transpor Sagarana para o espanhol (refiro-me a um prefácio ou algo semelhante, compartilhando um pouco da experiência de ter lidado com contos de um escritor conhecido pela singularidade de sua escrita), Adriana Toledo traduziu os nove contos de Sagarana, além de ter traduzido os textos introdutórios contidos na edição brasileira (“A arte de contar em Sagarana”, de Paulo Rónai, e “Carta de João Guimarães Rosa a João Condé, revelando segredos de Sagarana”).

Além dessa edição pioneira de Sagarana em espanhol, a editora argentina Adriana Hidalgo lançou em 2011 a sua tradução de Grande sertão: veredas, romance que agora ganhava uma nova tradução para o espanhol, 44 anos após a precursora tradução de Angel Crespo ― até então, a única tradução de Grande sertão: veredas em língua espanhola. Doutora pela Universidade de Princeton, a argentina Florencia Garramuño teve a ajuda do também argentino e professor de literatura brasileira e portuguesa da Universidade de Bueno Aires, Gonzalo Aguilar, para elaborar a tradução do mais famoso livro de Guimarães Rosa.

Em seu prólogo, Garramuño e Aguilar falam um pouco a respeito da árdua missão que foi traduzir as 568 páginas de Grande sertão, e fazem menção ao Léxico de Guimarães

Rosa, organizado por Nilce Sant’Anna ― que conta com aproximadamente 8 mil palavras que

184 Toda vez que me aproximo de Guimarães com a intenção de traduzi-lo, parece que ouço, vindo de seus textos,

o mesmo aviso ― estritamente falando um ultimato, cuja gravidade aparece atenuada sob a forma cordial de uma pergunta: ― Como é, compadre: você veio disposto a brincar com a sua língua?

191 foram usadas por Guimarães Rosa e que, em sua quase totalidade, não possuem significação em dicionários da língua portuguesa ― para explicar, de maneira análoga, a complexidade que é lidar com os textos rosianos. Mesmo possuindo a vantagem de estarem em um momento temporal privilegiado ― tendo em vista a quantidade enorme de dissertações, teses, artigos, ensaios, críticas, e toda sorte de textos já produzidos que abordam quase que praticamente todas as narrativas rosianas, sob vários aspectos analíticos ―, Garramuño e Aguilar pensaram em entregar um texto fluido, sem notas de rodapé ou glossário (inserir notas explicativas, ao meu ver, seria uma decisão acertada, pois facilitaria a compreensão do leitor a respeito de situações próprias do sertão e das pessoa que vivem nessa região, ou qualquer posição que merecesse ser explanada), fazendo com que o entendimento fique ao encargo dos leitores. A respeito dessa decisão, comentam os tradutores:

En primer lugar, decidimos no incluir glosario ni notas al pie. La elección era arriesgada ― aun cuando el propio Rosa aconsejó esta solución en varias traducciones anteriores ― porque más de un término exige explicación. Preferimos apelar, en algunos casos, a la inteligencia y a la imaginación del lector, mientras incorporamos la explicación de algunos pocos términos en el texto, realizando una suerte de traducción interna. […] En cuanto al glosario, hemos observado que, muchas veces, estos se han confromado con un gran número de palabras que no se traducen por la idea de que ciertos animales, plantas o accidentes geográficos brasileños son intraducibles y propios de Brasil. En contra de esta idea, tradujimos todo lo posible, guiándonos muchas veces por los términos de origen indígena que el castellano y el portugués comparten.186 (AGUIAR; GARRAMUÑO, 2011, p.13).

Além desta preocupação, Garramuño e Aguilar decidiram por alinhar ao máximo o castelhano ao ritmo de Grande sertão: veredas, tarefa ingrata se levarmos em consideração a dificuldade de fazê-lo. Parafraseando o tradutor da versão alemã de Grande sertão, Curt Meyer, os dois tradutores argentinos afirmam ser praticamente um combate traduzir Guimarães Rosa, semelhante aos duelos presentes no romance de 1956.

En esas luchas y combates no sólo nos hermos encontrado con palabras y sintaxis que parecían invención de Rosa y que anidaban protegidas en la lengua oral de esa región del norte de Minas Gerais, sino que también hemos descubierto capacidades del castellano para intentar acercarnos a esa

186Primeiro, decidimos não incluir um glossário ou notas de rodapé. A escolha foi arriscada até porque o próprio

[Guimarães] Rosa aconselhou utilizar essas soluções em traduções anteriores ― porque mais de um termo requer explicação. Preferimos apelar, em alguns casos, para a inteligência e imaginação do leitor, ao incorporar a explicação de alguns termos no texto, realizando uma espécie de tradução interna. [...] Quanto ao glossário, observamos que, muitas vezes, estes foram construídos com um grande número de palavras que não são traduzidas, pois certos animais, plantas ou características geográficas brasileiras são intraduzíveis e típicos do Brasil. Contra essa ideia, traduzimos tudo o que foi possível, nos orientando muitas vezes pelos termos de origem indígena que o castelhano e os português compartilham.

192 imaginación prolífica sin generar efectos de extrañeza excesiva en nuestro idioma. Extremar las capacidades ingeniosas del castellano para reconstruir ese mundo simultáneamente legendario y cotidiano de Rosa es lo que hemos intentado con esta nueva traducción.187 (AGUIAR; GARRAMUÑO, 2011, p.13).

Inicialmente, Grande sertão: veredas foi a obra mais procurada pela recepção crítica estrangeira, tendo sido uma espécie porta-voz do romancista Guimarães Rosa, apresentando-o e preparando o espaço editorial para que os outros livros do autor fossem devidamente lidos. A quantidade de traduções deste romance ― existem versões em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, tcheco, eslovaco, catalão, polonês, dinamarquês, norueguês, holandês ― é um índice de que, indubitavelmente, a qualidade de Grande sertão foi crucial para a divulgação da literatura rosiana mundo afora. É sabido, como já relatei anteriormente, que no espaço editorial da América Latina e da Europa, a editora Seix-Barral ganhou notoriedade ao publicar Guimarães Rosa em espanhol. Contudo, o protagonismo argentino, dentro do universo das traduções de Guimarães Rosa em língua espanhola, não pode ser esquecido, pois foi uma editora portenha que possibilitou circular em 1958 a primeira tradução para o espanhol de um texto rosiano. Além desta pioneira tradução de “A hora e vez de Augusto Matraga”, há de relembrar que, se hoje existe uma tradução de Sagarana em espanhol, é porque uma editora estabelecida na cidade de Bueno Aires sabia da importância do primeiro livro de Guimarães Rosa para a literatura universal, e que, portanto, seria uma decisão acertada traduzir e lançar este livro de contos, inédito neste idioma. Mesmo aparentando ter sido uma atitude tardia ― pois a edição em espanhol de Sagarana só apareceu em 2007, 61 anos depois da primeira edição brasileira, como já expliquei anteriormente ―, acredito ter sido corajosa, perante tantos problemas econômicos que o mercado editorial e os livreiros enfrentam na América Latina. Assim sendo, quando uma editora latino-americana resolve lançar Guimarães Rosa, contrariando o pensamento equivocado de que o escritor brasileiro não se enquadra no determinado espectro literário que o categorizaria como sendo um escritor latino-americano, reforça a certeza de que ler seus textos é, indiscutivelmente, necessário.

187 Essas lutas e combates não tivemos apenas com as palavras e com a sintaxe que pareciam invenções de

[Guimarães] Rosa e que permaneciam protegidos na linguagem oral daquela região do norte de Minas Gerais, mas também tivemos que descobrir possibilidades no castelhano que nos aproximasse dessa imaginação prolífica, sem gerar efeitos de estranheza excessiva em nossa língua. Expandir as possibilidades engenhosas do castelhano para reconstruir o mundo simultaneamente lendário e cotidiano de [Guimarães] Rosa foi o que tentamos com essa nova tradução.

193 6. CONCLUSÃO

Lembrete

Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida,

Mas a poesia (inexplicável) da vida. (Carlos Drummond de Andrade)

Realizar o levantamento cartográfico da recepção da obra de Guimarães Rosa na América Latina foi o projeto proposto neste trabalho, evidenciando tanto os textos elaborados pela recepção crítica ― textos desenvolvidos pelos pesquisadores do acervo literário rosiano no espaço latino-americano, textos publicados em revistas e jornais, textos analíticos presentes nas edições em espanhol lançadas nos países da América do Sul e da América Central etc. ―, quanto os textos produzidos pelos tradutores de Guimarães Rosa, importantes por relatarem, não apenas, a experiência de se traduzir um autor complexo, mas, também, por externarem aflições comuns aos leitores que se interessam em ler Sagarana, Grande sertão: veredas, Corpo

de baile, Primeiras estórias, Tutaméia, entre outras narrativas de Guimarães Rosa.

Durante o levantamento do corpus para este trabalho, deparei-me com textos importantes dentro do espaço composicional da recepção latino-americana interessada na publicação do romance e dos contos escritos por Guimarães Rosa; assim como tomei ciência da existência de estudiosos empenhados em decifrar os textos deste escritor ― quer seja por meio de análises críticas que se projetam a caminho da possível novidade, quer sejam estudos relacionados a métodos já utilizados, legando ao leitor deste tipo de pesquisa a certeza do esperável. Todavia, mesmo tomando conhecimento da existência destes textos focados nas obras de Guimarães Rosa, alguns se tornaram impossíveis de serem alcançados por mim. A exemplo, cito a publicação El audaz navegante y otros relatos (compilación de cuentos de Joao

Guimaraes Rosa), lançada no ano de 1981 pela pesquisadora cubana Trinidad Pérez Valdés,

vice-presidente da Fundação Fernando Ortiz. Encaminhei um e-mail para a Fundação Fernando Ortiz, aos cuidados de Trinidad Valdés, mas não obtive resposta. Em mais uma tentativa de obter este livro, entrei em contato com a editora Arte y Literatura, responsável pela publicação de El audaz navegante y otros relatos (compilación de cuentos de Joao Guimaraes Rosa), mas infelizmente disseram não possuir nenhuma edição, e acreditavam que, com sorte, eu poderia encontra-lo nas mãos de algum livreiro (sebo), ou em alguma biblioteca. Eis o conteúdo do e-

194 mail resposta:

Estimado Marcellus:

Lamentablemente no tenemos ningún ejemplar del título que nos solicita. Ese libro no se encuentra a la venta desde hace muchos anõs en ninguna de las librerías del país porque se agotó al poco tiempo de su publicación. Solo se pudiera encontrarlo en librerías de libros usados o en las bibliotecas del país. Atentamente,

Victor R. Malagón Director

Edit. Arte y Literatura188

Outra pesquisadora com quem busquei contato, sem sucesso, foi a professora mexicana Zenaida Cuenca Figueroa. Ao adquirir seu livro Estilizacion de elementos populares em relatos

de João Guimarães Rosa, intentei comunicar-me com ela para uma possível troca de ideias a

respeito do seu livro, pois gostaria de compreender melhor a maneira como ela lidou com os textos de Sagarana e Primeiras estórias, qual teria sido o livro mais complicado para ser decifrado etc. Nenhuma resposta obtive. Enfim, percalços possíveis, mas nada que pusesse em desarmonia o desenvolvimento da tese.

Para o primeiro capítulo deste meu trabalho focado na América Latina e na sua relação com os textos do escritor Guimarães Rosa ― dentro de uma proposta teórica que dialogaria com os capítulos seguintes da tese ―, comentei as sete teses da Estética da Recepção, propostas pelo escritor e crítico alemão Hans Robert Jauss, como meio de melhor compreender o estudo da recepção das obras de João Guimarães Rosa na América Latina em um momento em que os escritores hispano-americanos buscavam a obtenção de uma identidade literária para além da América Latina, levando consigo o interesse dos leitores dos seus respectivos países. Entre os estudos produzidos a respeito de Guimarães Rosa pelos seus interlocutores latino-americanos, interessou-me, também, para o desenvolvimento deste capítulo, e para a urdidura da tese como um todo uniforme, o estudo elaborado pelo crítico uruguaio Ángel Rama (1926-1983), um dos grandes pensadores da Geração de 1945, responsável pelo desenvolvimento de um modelo de produção intelectual que se preocupava em pensar a América Latina dentro de um contexto socioeconômico-cultural. Seu modo peculiar de investigar a questão latino-americana instigou pensadores contemporâneos seus a seguirem a mesma linha de raciocínio. Para desenvolver sua

188Caro Marcellus: // Infelizmente não temos nenhum exemplar do título que você está solicitando. Este livro não

se encontra à venda há muitos anos em nenhuma das livrarias do país, porque esgotou logo após sua publicação. Só pode ser encontrado em livrarias de livros usados ou nas bibliotecas do país. // Atenciosamente, // Victor R. Malagón // Diretor //Editora Arte e Literatura.

195 maneira de pensar, dando corpo às suas reflexões, Ángel Rama foi buscar apoio nos estudos desenvolvidos por Antonio Candido (1918-2017), tomando como parâmetro, mais precisamente, a concepção de Sistema Literário desenvolvida por Candido, assim como buscou suporte no pensamento do cubano Fernando Ortiz (1881-1969).

Ángel Rama defendia a possibilidade de compreendermos a América Latina como objeto de incorporação cultural e literária amalgamado. Então, para sustentar sua teoria, transportou para o campo dos estudos literários o conceito de Transculturação, originalmente criado por Fernando Ortiz, um renomado antropólogo cubano. Assim, trabalhando com o entendimento de Transculturação Literatária, Ángel Rama demonstrou, no plano estético- literário, a relação conflitante entre o universalismo e o regionalismo, uma vez que, na América Latina, a modernidade proveniente da europa entrava em conflito com os valores de herança regional. Ainda neste capítulo, abordei a origem e o entendimento do termo América Latina, demonstrando historicamente os eventos que estimularam determinados autores a adotarem esta terminologia. Também neste capítulo, comentei a respeito da maneira como a literatura brasileira ― por muito tempo vista como a estranha perante seus pares latino-americanos ―, tem sido compreendida no contexto da América Latina após a mudança de percepção porposta por Ángel Rama e outros pensadores contemporâneos.

Na sequência, momento principal do meu trabalho, optei por fragmentar em três partes (capítulos 3, 4 e 5) o instante dedicado à recepção latino-americana de Guimarães Rosa, alocando os países investigados conforme a proximidade territorial, e não exatamente em virtude da comprovação da existência de temáticas comuns, ou de assuntos relativamente pertinentes a um país e outro. O capítulo terceiro, portanto, foi reservado para o México e para a República Dominicana ― tendo, ainda, a presença da Venezuela dentro do espaço dedicado à República Dominica (o motivo de tal inserção foi devidamente esclarecido neste sub capítulo) ―; o capítulo quarto contemplou o Equador e a Colômbia; e, por fim, o capítulo quinto tratou da recepção rosiana no Uruguai, no Chile, e na Argentina.

Nesse espaço multifacetado e complexo da América Latina, questões ideológicas e políticas não imperdiram a circulação de Guimarães Rosa na quase totalidade dos países integradores do continente. Mesmo não pertencendo a um espectro de esqueda, alguns de seus livros/textos foram traduzidos em países reconhecidamente ligados ao pensamento socialista- bolivarianista, como foi o caso de Cuba e da Venezuela. A importância dos temas discutidos por Guimarães Rosa em sua literatura, acredito, foi um fator decisivo no seu reconhecimento para além da fronteira brasileira. Considerado um dos maiores escritores da literatura universal,

196 Guimarães Rosa distancia-se do paradigma da literatura de temática estritamente regionalista ― preocupada com a exposição de questões sociais e de problemas, quase sempre, localistas ―, fenômeno literário instituído em meados dos anos de 1940 no Brasil. Os interesses temáticos