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A Recepção Estética: poiesis, aisthesis e katharsis

No documento Download/Open (páginas 32-35)

Jauss (2002) resgata colaborações a respeito da obra de arte, construindo a linha de pensamento da Recepção e reformulando as questões do prazer. Para que a teoria seja entendida, é preciso entender a obra quanto às experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis (ocasionada por Aristóteles). A primeira diz respeito ao “prazer ante a obra que nós mesmos realizamos” (JAUSS, 2002b, p.100), ou seja, é o prazer que sente o leitor ao ser considerado co-autor, através da imaginação e seus efeitos construtores de sentido no texto.

Quando uma pessoa lê uma obra de arte, esta também é construtora do pensamento e das expectativas que a obra produz; pode-se trilhar por caminhos que outro leitor não trilhará, pois construirá outro modo de sentido pelas suas experiências sensíveis. Tal oportunidade de fazer parte da história é o prazer observado na Recepção Estética. No caso do livro Hotel

Atlântico, o leitor é convidado a adentrar pelos vazios estéticos da obra, o que desperta no

receptor a vontade da interpretação e o prazer de preencher as lacunas do texto.

Na obra nooliana, o leitor é convocado a percorrer os vazios da obra marcados pelo personagem hipermoderno e depositar suas impressões e contestações. É como um compartilhamento de crises e angústias pelo personagem que vive na inconstância, em movimento e pelo leitor que vive na sensação de isolamento e incompatibilidade. Deste modo, pode-se perceber que cada tipo de leitor pode gerar resultados distintos de outros pelo grau de

estranhamento ou sensibilidade de leitura. O papel de coautor é imposto ao leitor e isto lhe agrada em Noll pois a obra é inacabada e sem conexão entre os acontecimentos; enfim, a obra começa a ser preenchida e é compreendida pelo leitor através de suas considerações.

Já a segunda experiência sobre a Recepção, aisthesis, diz respeito ao prazer frente à obra, ao efeito que a própria provoca em si mesma, trabalhando com o reconhecimento e com a expectação do texto em identificar-se. Pela possibilidade de percepção da obra, ela é capaz de gerar resultados e perspectivas distintas do ponto de vista do leitor, permitindo tal abertura para que o prazer estético seja garantido também pela compreensão de que a obra é um leque de expectativas a ser transformada a toda leitura.

Em Hotel Atlântico, o que se percebe é a faculdade do sentir, a concretização de uma ideia que transcende. Nesse ponto de vista, há de se verificar o prazer que a obra provoca no leitor, por despertar o que estava adormecido em leituras não estéticas, e/ou recepções antes não experienciadas e que Hotel Atlântico ativa nos leitores. Isto acontece porque a obra de Noll trabalha com questões hipermodernas e esquizofrênicas, já que não dizem nada, não representam nada e estão em constante movimento, sem dar ao leitor alguma explicação e/ou sentido. Logo, ele precisa se desapegar de valores e questões sociais de que acredita, pois estas já não lhe dizem nada frente à obra, e buscar outras formas de fazer compreender a transitoriedade de Noll.

Por sua vez, a katharsis, trabalhada primeiramente por Aristóteles, advém do efeito que a obra gera nos espectadores, causando mudanças de sentidos e intepretações, a compreensão fruidora e fruição compreensiva. É o próprio prazer desenvolvido através da interação da obra como leitor e dos vazios que aquela carrega para serem preenchidos por ele, a fim de confirmar a vivacidade da obra e também a liberdade que o leitor tem de interpretá-la diante de suas sensibilidades.

A partir de novas concepções adotadas pelo leitor de Noll, é que se inicia o processo de preenchimento dos vazios deixados na obra: o leitor passa a ser coautor por reestruturar a obra e assumir outro tipo de visão de mundo, experienciando um papel que não tem no mundo real, mas que lhe dá o prazer da leitura e da posição que assume. Tal acontecimento é sustentado na condição que a própria obra nooliana dá, pela sensação de incompletude que a linguagem e o próprio personagem da obra produz durante a história, o que instiga o leitor a buscar novas saídas de interpretação.

A partir da análise da obra em questão, os leitores mergulham no campo interpretativo do texto de forma a depositarem seus horizontes de expectativas na luta entre as disposições do texto. Com o mergulho no imaginário do leitor para compreender os sentidos da obra, é

que o leitor entra em contato com a fruição e o prazer do texto, pelo sentir, através das sensações.

À vista disto, fala-se sobre a conduta do prazer estético que se realiza nas três experiências:

para a consciência produtora, pela criação do mundo como sua própria obra (poiesis); para a consciência receptora, pela possibilidade de renovar a sua percepção, tanto na realidade externa quanto da interna (aisthesis); e, por fim, para que a experiência subjetiva se transforme em inter-subjetiva, pela ausência ao juízo exigido pela obra, ou pela identificação com normas de ação predeterminadas e a serem explicitadas. (JAUSS, 2002b, p. 102).

Hotel Atlântico, como se vê na teoria de Jauss, possibilita que o leitor passe pelas três

experiências sensitivas através do contato dualista entre leitor e obra: bem se vê, através das análises dos três leitores analisados, que a poiesis, experienciada pelo leitor que analisa a obra de acordo com seu horizonte de expectativas – e tal ação condutora induz ao resultado próprio de sua leitura – deve existir no campo da experiência.

Além disso, a aisthesis, pois o horizonte de expectativas da obra de Noll em si é determinante para a interação dialógica de que se comentou, pois sem ele não há interação e troca de raciocínio através da compreensão fruidora com os leitores. Enfim, a última experiência garante que o prazer se realize, pois a obra própria garante diversos sentidos pela interpretação através das expectativas de cada um – por isso a análise de três leitores que geram resultados ímpares.

A partir disto, pode-se entender um texto através do diálogo e da descoberta de sua dinamicidade. Eis que o papel do leitor entra em voga, tornando-se a chave para que essa comunicação aconteça. Já o sentido da obra é totalmente imagético, ou seja, dependerá de cada receptor e isto garante, no texto literário, a liberdade de interpretação. Para identificar a estética do livro de Noll e suas possibilidades de abertura, sabe-se que o entendimento da obra não é garantido somente por ela, mas por meio dos leitores, através da contribuição sensitiva. Por essa razão, a análise das três disposições a partir do contato leitor-texto é que garantem a esteticidade da obra, verificadas no segundo capítulo, sob a perspectiva do prazer de três leitores.

Somente através dos leitores coautores de Noll é que se pode compreender Hotel

Atlântico. Isto porque a capacidade da obra de ser completa e justificável por si só não existe,

já que o autor não se preocupa em ocupar os vazios incompletos ao longo da obra. Através dos vazios preenchidos a partir da sensibilidade do leitor, a obra está apta a ser compreendida.

No documento Download/Open (páginas 32-35)