• Nenhum resultado encontrado

A redefinição do sujeito pelos teóricos do direito no século

A CRIAÇÃO DA CATEGORIA SUJEITO DO DIREITO NO SÉCULO

2.2. A redefinição do sujeito pelos teóricos do direito no século

A categoria sujeito do direito é uma construção teórica típica da era

moderna. Conforme analisado anteriormente, o Direito Natural45 e a filosofia iluminista desenvolvida ao longo dos séculos XVil e XVIII - pautados por uma exigência de ordem ética - contribuíram para o reconhecimento dos direitos naturais e universais do homem, que num primeiro momento apareceram na forma de declarações de direitos, como a norte-americana, de 1776 e a Declaração Francesa, de 178946.

Tendo sido recepcionados os direitos naturais do homem pelo legislador francês na Declaração de Direitos de 1789, estes ajudaram a compor o fundamento para a construção efetiva de um outro tipo de Estado, agora limitado - em oposição ao Estado Absolutista - que passa a conceber o poder político não mais com base na força arbitrária, mas limitado pela lei. O processo de racionalização do direito moderno, que passa a expressar o poder político com base em normas válidas para todos indistintamente, converte os direitos naturais do homem em direitos positivos, ou seja, como referências fundantes

Idem, ibidem, p. 33.

45 Um primeiro escorço do direito natural e do conflito histórico entre direito natural e direito positivo, pode ser claramente percebido em Antígona, de Sófocles, quando esta ao se rebelar contra as leis do Estado - representado por Creonte - invoca as leis divinas. Na referida tragédia grega, Antígona, condenada à morte e interrogada acerca dos motivos pelos quais desobedeceu a lei do Estado que negou sepultura ao seu irmão Polinices, aduz: “(...) pois não foi decisão de Zeus; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; tampouco acredito que tua proclamação tenha legitimidade para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, nunca escritas, porém irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje: são eternas, sim! E ninguém pode dizer desde quando vigoram! Decretos como o que proclamastes, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem merecer a punição dos deuses! Que vou morrer, bem o sei; é inevitável; e morreria mesmo sem o teu decreto”. SÓFOCLES. Antígona. Trad. Jean Melville.

São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 96.

46 PHILIPP), Jeanine Nicolazzi. O Sujeito de Direito: uma abordagem interdisciplinar.

da nova ordem jurídica positiva, que passava a impor-se como o novo modelo de regulamentação das relações humanas e sociais. Desta feita, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ao mesmo tempo que representa a certidão de nascimento do sujeito moderno e dos direitos fundamentais conferidos a esse sujeito, significa, também, o ponto de partida para a respectiva positivação desses direitos, que passaram a ser compreendidos como garantias individuais.47

Nesse sentido, esclarece Roberto Aguiar:

a origem divina das normas havia caído, mas uma outra divindade subia - a Razão - para ser a fonte até mesmo do Direito Natural e critério de justiça ou não do direito. A Razão burguesa, que derrubara o modo medieval de produzir o conhecimento, sob outro ângulo engendrara a ratificação do que havia destruído: tornou-se o grande paradigma que poderia ser preenchido com qualquer conteúdo, dependendo das conjecturas históricas, políticas e econômicas. Quando isso acontece, a razão se torna um significante aberto para todos os significados, um ícone brandido por posições diversas ou contraditórias.48

O impulso para a legislação e para a codificação das normas jurídicas se opera na modernidade - entendida em oposição ao modelo feudal de organização social - momento em que se materializa o nascimento de uma sociedade pluralista e diversificada. Verifica-se, portanto, nesse contexto, a falta de objetividade em relação aos valores que passam a encadear a sociedade e uma conseqüente crise de paradigmas, momento marcado por uma constante insegurança, principalmente jurídica. Valores como a justiça, carentes de conteúdo objetivo, não satisfazem mais como fundamento último do Direito, devido à falta de segurança científica e conceituai.

O Estado moderno nasce no intuito de sistematizar esses valores, preservando o conjunto social e “assegurando” a todos os cidadãos o gozo da

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 29-30.

48 AGUIAR, Roberto A. R. de. A crise da advocacia no Brasil: diagnóstico e perspectivas. São

73

liberdade, da propriedade, das condições de igualdade e da segurança jurídica. A ordem estatal - em função da sua especificidade - apresenta à sociedade plural um padrão objetivo de resolução de conflitos definido através da lei. Nesse momento, a lei é o comando do soberano, dada como válida pela sua origem independentemente do seu conteúdo; assim posta, ela se confunde com o que é justo e jurídico49. O próprio Direito diz e determina o que é o Direito. Conforme coloca Norberto Bobbio: Em síntese, o impulso para legislação nasce da dupla exigência de pôr ordem ao caos do direito primitivo e de fornecer ao Estado um instrumento eficaz para intervenção na vida sociaF°.

Mas para efeitos de um Estado liberal, a segurança deve existir também para o indivíduo contra o arbítrio estatal. Nesse ponto, o determinismo da lei não mais se resume às relações entre os particulares, mas alcança o próprio Estado, que não poderá agir fora dos limites estabelecidos por lei. O

poder exercido fora. da constitucionalidade e da legalidade é visto como um ato de força, desprovido de legitimidade51. Desse modo, o cidadão se encontra

protegido em relação ao poder Executivo, que não pode mais escapar à lei, e em face do próprio Legislativo, que se encontra subordinado e limitado pela Constituição. Assim, é o próprio direito que determina o jurídico na medida em que regula o seu próprio processo de produção52. A produção normativa

limitada pela própria lei identifica, por sua vez, o Estado de Direito cuja função consiste em garantir os direitos inalienáveis do homem e do cidadão consagrados pelas declarações de direitos contra os excessos e abusos do poder político.

Na esteira desse pensamento, o positivismo jurídico - filho do Estado liberal - nasce com o intuito de preservar o ideal de segurança das relações sociais.53 Para que isso se tornasse factível, impôs-se delimitar o jurídico fora

49 BARZOTTO, Luiz Fernando. O positivismo contemporâneo: uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. Unissinos. Série Acadêmica. São Leopoldo, 1999. p. 14.

50 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico, op. cit., p. 120.

51 BARZOTTO, op. cit., p. 15 52 BARZOTTO, op. cit., p. 18.

53 A relação entre a concepção liberal do Estado moderno e a construção da nova ordem

jurídica identificada com o positivismo jurídico fica bem explicitada nessa passagem do texto de Bobbio: “A relação estreita entre concepção absolutista e concepção liberal relativamente à

do campo das valorações éticas e políticas. Assim, passa o positivismo a definir o direito como um sistema normativo autónomo - que busca garantir (ao menos formalmente) os direitos naturais do homem - dissociado da moral e da política, para evitar as incertezas valorativas acerca da justiça, dos próprios limites do exercício do poder político. O Estado de Direito preserva, portanto, a avaloratividade e a neutralidade em relação ao aspecto axiológico referente à nova ordem jurídica, impondo, através da doutrina do positivismo jurídico, a obediência irrestrita à lei estatal, por parte daqueles que mandam e dos que obedecem. Nesse sentido, argumenta Norberto Bobbio:

A afirmação do dever absoluto de obedecer à lei encontra sua explicação histórica no fato de que, com a formação do Estado moderno, não só a lei se tornou a fonte única do direito, mas o direito estatal- legislativo se tornou o único ordenamento normativo,

o único sistema de regulamentação do

comportamento do homem em sociedade; e, como a valoração de um comportamento se funda numa norma, podemos acrescentar: o direito estatal- legislativo se tornou critério único e exclusivo para

valoração do comportamento social do hom em 54

Na passagem do século XVIII para o século XIX percebe-se a gênese de uma mudança paradigmática na forma de conceber o conhecimento jurídico. Tornou-se imperativo abandonar os fundamentos jusnaturalistas - Natureza, Deus ou Razão - da justificação do direito, para que este pudesse ser reconstruído em bases científicas, apresentando-se como ciência neutra, característica do positivismo jurídico55. A partir desse momento, foi desprezada, na análise do direito, toda e qualquer forma de investigação metafísica acerca de sua natureza. O direito passou, então, a ser concebido como um fato, um dado concreto que poderia vir a ser analisado e identificado cientificamente.

teoria da monopolização do direito por parte do Estado (e, portanto, com vistas à doutrina do positivismo jurídico) pode ser demonstrada pelo fato de que freqüentemente os antipositivistas modernos conduzem sua polêmica não tanto contra os teóricos do absolutismo quanto nos confrontos de pensadores tipicamente liberais”. BOBBIO, N. O positivismo jurídico..., op. cit., p.

39.

54 BOBBIO, N. O positivismo..., p. 226.

55 Cf. PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. O Sujeito de Direito: uma abordagem interdisciplinar.

75

O processo de codificação e positivação do direito culminou, no século XX, com a expressão hegemônica do positivismo normativista que, tentando eliminar os critérios éticos ou subjetivos na determinação do fenômeno jurídico devido à insegurança que gera justamente pela impossibilidade de estabelecer objetivamente o que é justiça e, para evitar a arbitrariedade e a imprevisão relativa à eficácia, passa a identificar o direito exclusivamente com a lei, propondo como critério de juridicidade a categoria da validade, conceito este meramente jurídico, do qual deriva a compreensão do Direito como conjunto de normas válidas, posto por autoridade competente no âmbito do Estado. Assim, os conceitos jurídicos são puramente normativos; a validade não decorre de um fato, nem pode ser um valor - norma jurídica não é a norma justa ou norma eficaz, mas a norma válida56

O que determina o Direito - a partir dessa compreensão normativista - não são critérios de justiça ou de eficácia social, mas o próprio direito; já o que determina uma norma válida é a sua pertinência ao ordenamento jurídico que, a partir da origem da norma, é suficiente para determinar também sua juridicidade. Ora, é perfeitamente plausível, para o positivismo que ignora os postulados éticos e a dimensão política na explicitação daquilo que deve ser considerado como jurídico, que o próprio Direito estabeleça para si os próprios padrões de regulação e produção.

A partir do momento em que nasce o Estado moderno como Estado centralizador, unitário, unificante, que tende à monopolização simultânea da produção jurídica (através da subordinação de todas as fontes de produção do Direito até aquela que é própria do poder estatal organizado, isto é, a lei) e do aparelho de coação (através da transformação dos juizes em funcionários da coroa e da formação de exércitos nacionais), pode-se dizer que não existe outro Direito além do estatal e não existe outro estado além do jurídico 57

5® BARZOTTO, op. cit., p. 20.

5/ MATTEUCCI, N. In: BOBBIO, N. Dicionário de Política. Direito. Trad. Carmem C. Varrialle (et.

Da mesma forma que se opera a racionalização do direito moderno, definindo-o por critérios objetivos e puramente científicos, redefine-se a categoria sujeito do direito que, idealizada a partir dos signos libertários e

igualitários da Declaração Francesa de 1789, passa a ser forjada na esteira do positivismo jurídico a partir de uma compreensão “darwinista” do ser humano, que, como foi visto anteriormente, acaba por descaracterizar os enunciados que lhe deram origem. A cidadania civil enunciada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão compreende o homem como ser racional, consciente de si, dotado de autonomia para usufruir da sua liberdade e dos seus direitos que são, também, prerrogativas de todos.

O princípio da igualdade, que nivela juridicamente os homens indistintamente, é conquista da modernidade, sendo este inexistente nos ordenamentos jurídicos precedentes. No direito romano, por exemplo, o indivíduo não era considerado em relação de igualdade com os demais pelo simples fato de ser humano, mas era valorado em razão de seu status social.58

Na Idade Média, o regime de servidão também distinguia os homens de acordo com a classe social da qual faziam parte - os servos (servidão da gleba) não eram reconhecidos juridicamente como pessoas. Até mesmo no início da Era Moderna vigorava o regime escravocrata, sendo que o indivíduo escravizado era tido como objeto, como propriedade alheia e não como pessoa para fins jurídicos, exceto para o direito penal, que reconhecia a personalidade do

escravo, que poderia ser considerado sujeito ativo ou passivo de um delito. Os ideais iluministas - que compreendiam a liberdade e a igualdade como direitos inatos ao ser humano - contribuem para o desenvolvimento de uma nova concepção de homem associada à distinção de um ser livre e

58 Se não, vejamos: “Em Roma, distinguiam-se basicamente três estados do cidadão: o de liberdade, o de cidade e o de família. Estes três estados serviam de fundamento uns para os outros, ou seja, a perda do primeiro implicava na perda dos demais. As perdas do status, por

sua vez, redundavam em restrições à capacidade do sujeito. A perda máxima correspondia à supressão da liberdade; a média, da cidade; a mínima, da família. O indivíduo que fosse reduzido à escravidão, portanto, sofria a capitis diminutio máxima, tornando-se inapto para ser

titular de qualquer direito, já que perdia seu status Ubertatis". Cf. PHILIPPI, J. N., op. cit., p. 76.

No mesmo sentido, em relação ao princípio da igualdade como atributo personalístico do homem, ver também: PEREIRA, Caio Mário da Silva, instituições de Direito Civil. Vol I. 19 ed.

77

racional, por isso igual em relação a todos os outros, que assim já não poderia ser tomado como objeto, pois era considerado como um fim em si mesmo. Com a posterior consagração desses direitos inalienáveis do homem na Declaração Francesa de 1789, abre-se espaço para a conseqüente positivação desses direitos nas legislações dos países ocidentais, garantindo, formalmente, a igualdade, a liberdade e a segurança para todos os indivíduos, indistintamente59.

Assim, “a nova lei, abdicando dos deuses, consagra o homem como fundamento primeiro de todo o poder. Fruto da razão humana, a norma jurídica converte o indivíduo em sujeito do direito, conclamando-o, igualmente, como seu autor^60. O homem racional, livre, igual e autônomo, portanto, legitima a

nova ordem jurídica ao mesmo tempo que lhe está completamente sujeito, devendo obediência à lei que deu a si mesmo, como efeito de uma obrigação de cunho jurídico e moral. Nesse sentido, Norberto Bobbio ensina:

O absolutismo ou incondicionalismo da obediência à lei (...): significa que a obrigação de obedecer à lei não é apenas uma obrigação jurídica, mas também uma obrigação moral. O que se quer dizer é que o homem deve obedecer às leis não só por motivos externos, mas também por motivos internos, não só porque a isto é constrangido, mas porque está convencido de que tal obediência é uma coisa intrínsecamente boa: a obediência não por constrição, mas por convicção. Podemos até dizer que tal dever é sentido não como uma obrigação heterônoma, mas como uma obrigação autônoma, porque a lei se transforma numa norma moral, por cuja observância respondo diante de mim, de minha consciência: portanto, há o dever de consciência de obedecer às /e/s.61

Nesse contexto, o positivismo jurídico institui o cidadão, o sujeito do direito, que acaba por converter-se em categoria jurídica “mediante a qual os

59 Idem, p. 75.

60 PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. Reflexões acerca do sujeito do direito. Revista Palavração, ano

2, n° 2. Biblioteca Freudiana de Curitiba, outubro de 1994, p. 170. 61 BOBBIO, N. O positivismo..., op. cit., p. 226.

agentes sociais são juridicamente qualificados, tendo em vista, com isso, mais segurança na decisão dos conflitos’62.

A partir dessas considerações, percebe-se que as normas jurídicas impostas por autoridade competente no âmbito do Estado, ao mesmo tempo que se destinam à proteção do indivíduo frente ao Estado só podem vir a se tornar eficazes por intermédio do mesmo poder que as instituiu. Como expõe José Eduardo Faria:

As condições de aplicabilidade e efetividade dessas declarações encerram, dessa maneira, o sério risco de sua própria perversão, ou seja, da negação, na prática, das garantias, prerrogativas e proteções concedidas em direito. Não é por acaso que, especialmente em regimes autoritários, as Declarações de Direitos têm apenas uma função tópica e retórica. Seu objeto, na verdade, não é garantir a sociedade e os cidadãos contra o Estado, nem assegurar a certeza jurídica nos atos que envolvem os poderes públicos, mas forjar as condições ideológicas necessárias e à assimilação acrítica da ordem jurídica autoritária. Nesses casos, as Declarações de Direitos, enquanto técnicas de controle jurídico dos poderes públicos, ficam apenas propostas, isto é, sua concreção é sempre negada por esses mesmos poderes.63

Apesar dessa sensível contradição, os ideais liberais - a igualdade de todos perante a lei, o livre-arbítrio enquanto capacidade racional do sujeito e a vontade da maioria, dentre outros - acabaram por ser positivados nas cartas constitucionais dos países ocidentais, inclusive no Brasil, onde a doutrina do positivismo jurídico de inspiração liberal marcou profundamente desenvolvimento do ordenamento jurídico pátrio.64

Não obstante a enunciação nas cartas constitucionais das garantias individuais, que fomentaram a emergência do Estado de Direito liberal pautado

62 PHILIPPI, J. N., O sujeito do direito: uma abordagem interdisciplinary op. cit., p. 51.

63 FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica - o direito como instrumento de transformação social. São Paulo, Editora da Universidade Federal de São Paulo, 1988, p. 143.

64 Nesse sentido ver: PHILIPPI, J. N. O Sujeito de Direito: uma abordagem interdisciplinar.

Dissertação de mestrado. UFSC/CCJ, 1991, p. 53-62; e AGUIAR, Roberto A. R. de. A crise da advocacia no Brasil: diagnóstico e perspectivas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1999, p. 32-55.

79

pelo positivismo jurídico65, percebe-se claramente que a neutralidade e a avaloratividade do discurso jurídico destinado à consagração da capacidade racional do indivíduo e da defesa dos direitos do homem, paradoxalmente, acabam sendo pervertidos em função de outra sorte de ideais que privilegiaram uma minoria em detrimento da maioria da população.

Na esteira desse pensamento, fez-se necessária a construção teórica de um padrão de sujeito livre, consciente, racional e, portanto, apto para contratar com outros indivíduos livres e racionais, que legitimasse, assim, a nova ordem política e jurídica imposta pelo positivismo jurídico com o fito de garantir, dentre outras questões, o desenvolvimento das relações capitalistas de produção.66 O positivismo jurídico, desta forma, apresenta uma concepção

65 Interessante a abordagem de Simone Goyard-Fabre acerca do que poderia ter sido o mérito do Estado Liberal pautado pelo positivismo jurídico, que acabou por reveiar-se, na esteira de um discurso retórico, um mito., Vejamos: “Do ponto de vista das idéias, o Estado DE direito ensina que os direitos do homem, em razão da necessária mediação do direito positivo, são diferentes de uma pura exigência ética. (...), o mérito do Estado DE direito poderia ser o de ter instituído, na maioria dos Estados ocidentais, uma garantia constitucional dos direitos e liberdades fundamentais. Nisso, é trazido um desmentido às proclamações tonitruantes que anunciam ‘a morte do homem’, O homem e, o humanismo são reconhecidos como tendo dignidade e valor suficientes para que sejam defendidos, até e inclusive no e pelo dispositivo do direito político. Nunca será demais repetir que cabe à positividade da lei e do direito objetivo conferir aos direitos do indivíduo sua dimensão jurídica e mediatizar assim a efetividade deles, ou seja, a produção dos efeitos jurídicos vinculados a eles. Em outros termos, os direitos que são definidos, determinados e fixados pela lei são, ao mesmo tempo, protegidos pela lei: os direitos privados estabelecidos pelo direito público estatal são garantidos pela lei pública. Isso significa, portanto, que no Estado DE direito que assume de certa maneira a herança filosófica do século XVIII, o Poder é menos a fenomenalização de um conceito político, isto é, de um instrumento decisorio absoluto e exclusivo do que um conceito jurídico (isto é, de uma competência organizacional, submetida por sua vez às suas próprias regras e às suas leis). A idéia do Estado DE direito corresponde dessa forma às exigências de uma normatividade formal de alcance geral, cuja vocação é articular juridicamente um ao outro, sem sacrificar nem um nem outro, os dois parâmetros da ordem pública e da liberdade das pessoas.” GOYARD- FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Trad. Irene A Paternot.