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A reestruturação do M.F.A da Guiné no pós-25 de Abril

4. A S ITUAÇÃO P OLÍTICO MILITAR NA G UINÉ APÓS 26 DE A BRIL DE 1974

4.3 A reestruturação do M.F.A da Guiné no pós-25 de Abril

Em 1 de Junho de 1974, o Boletim Informativo n.º 1 do M.F.A. na Guiné fazia a primeira página com um extenso texto sobre as “Directivas para a estruturação democrática do M.F.A. e preservação da disciplina e hierarquia”136. Estas directivas tinham como objectivo “assegurar a coesão de todos os militares à volta dos objectivos democráticos e patrióticos do Movimento das Forças Armadas”.

Por esta altura, o tom da mensagem revelava-se ainda prudente quanto aos temas da autodeterminação afirmando que “no caso da Guiné (...) a missão das Forças Armadas é agora a de assegurar seriamente e sem segundas intenções o exercício pleno, pelo Povo da Guiné e pelos seus legítimos representantes, do direito de autodeterminação com todas as suas consequências incluindo até a possibilidade da independência” e que, entre outros aspectos, “[o M.F.A.] não pode continuar a ser uma estrutura reduzida e fechada, tal como foi imposto pelas necessidades de defesa contra a repressão fascista e de segurança na preparação militar e política da insurreição de 25 de Abril”.

Ora, esta reorganização do M.F.A. procurava “vencer de uma vez por todas, as desconfianças e as reservas entre militares do serviço militar obrigatório e os militares dos quadros permanentes”, sem questionar a “autoridade das cadeias de Comando nos aspectos técnicos e militares”. Ao mesmo tempo, era preconizado que se deveriam constituir delegações do M.F.A., livremente eleitas, em cada unidade e serviço, que trabalhariam em conjunto com a Direcção do M.F.A., sem, no entanto, “prejudicar aspectos de serviço”.

Este alargamento e “democratização” do M.F.A. não foi alheio ao aparecimento do Movimento Alargado de Oficiais Sargentos ou Praças (ou Movimento Para a Paz) – MAOSP ou MPP –, considerado pelas cúpulas do M.F.A. como uma eventual ameaça à hegemonia e consolidação político-administrativa adquirida pelo M.F.A., a 26 de Abril de 1974, na Guiné, que se esforçavam por manter as já precárias disciplina e estabilidade governativa. Por esta razão, quando confrontado com o ideário do MAOSP, o M.F.A. procurou formas de incorporar e/ou desarticular aquele movimento, uma vez que ele punha em causa a estratégia política e administrativa deste último, na Guiné.

136 Cfr. Arquivo Pessoal do coronel Jorge Sales Golias, Boletim Informativo nº 1 do M.F.A. na Guiné, 1974,

O MAOSP foi constituído a 4 de Maio, em Bissau137, e representava um movimento paralelo ao M.F.A., na sua maioria constituído por milicianos, tendo chegado a contar com a presença de 1500 militares na Assembleia Geral realizada em 15 de Maio, nos Serviços de Educação da Guiné138. Os comunicados emitidos pelo MAOSP insistiam na necessidade de terminar o conflito colonial e de promover a retirada das forças portuguesas da Guiné, apelando à mobilização dos cidadãos na metrópole como forma de pressão sobre a J.S.N. para a evacuação de tropas no Ultramar.

Após discussões e negociações com a direcção do MAOSP os seus membros foram integrados no M.F.A.139, extinguindo-se a ameaça ao predomínio deste último.

Concretamente, a reestruturação do M.F.A. na Guiné definia que as delegações deste movimento passavam a contar com 1 oficial do QP, 1 oficial do QC, 1 Sargento do QP, 1 Sargento do QC e 2 Praças, todos eles “eleitos pelo conjunto dos militares da unidade”, devendo as eleições para estes cargos realizar-se “no mais curto espaço de tempo”.

Estas delegações teriam como responsabilidades: “[r]eceber informações; promover reuniões para informação dentro dos objectivos do Programa do M.F.A. e do Governo Provisório; preservar a hierarquia, a coesão e a disciplina; contactar com o Secretariado do M.F.A. quando verificar que estas directivas estão a ser desvirtuadas; não decidir, por não ter competência para tal, mas sim fazer as propostas que entender convenientes ao M.F.A. (Bissau)”. Previa-se ainda a responsabilização das delegações “por desvios destas atribuições”.

Paralelamente a esta realidade, os Comandos das Unidades e Serviços teriam de: “facilitar as reuniões [das delegações do M.F.A.] para informação e formação dentro dos espírito destas directivas; participar, se o entender, nessas reuniões; preservar a hierarquia na base da consciencialização apontada a promover a cooperação de todos os militares por objectivos comuns”. Também nesta sede se previa a responsabilidade dos Comandos pelos desvios às directivas agora distribuídas140.

Na mesma altura, foram ainda criadas estruturas semelhantes às do M.F.A. de Lisboa, tendo sido constituída uma Comissão Central – integrada pelo tenente-coronel Mateus da

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Cervelló, J. S. (2006). “Da África à Europa: Quando Portugal Descolonizou”. 30 anos da Democracia (1974-

2004) Actas do Colóquio realizado na Faculdade de Letras do Porto. Porto: Universidade do Porto, p. 108

138 Idem, ibidem

139 Arquivo Pessoal do coronel Jorge Golias, “COMISSÃO DE ASSUNTOS POLÍTICOS, Situação Sócio-

política da Guiné no Período de 25ABR74 a 31MAI74”, 1974, Guiné, p. 23

Silva do Exército, pelo primeiro-tenente Pessoa Brandão da Armadas, pelo capitão Jorge Golias do Exército e pelo capitão Faria Paulino da Força Aérea – que tinha como missão “coordenar a acção das comissões dos 3 ramos das F.A., pô-las ao corrente da situação e indicar quais as directivas recebidas da Comissão Coordenadora do M.F.A. em Lisboa”, e uma Comissão Coordenadora – composta pelo primeiro-tenente Pessoa Brandão, primeiro- tenente Marques Pinto, segundo-tenente Rosado Pinto, por parte da Armada, capitães Sousa Pinto, Duran Clemente e Jorge Golias, pelo Exército, e pelo major Sobral Bastos e os capitães Faria Paulino e Albano Pinela, pela Força Aérea. Esta Comissão Coordenadora era responsável pelo esclarecimento dos comandos das unidades e dos militares no terreno, em Bissau e no interior, sobre as directivas emanadas do governo da Província e da Comissão Central.

Outro órgão que resultou desta reorganização foi o Secretariado do M.F.A. da Guiné, que era constituído pelos oficiais anteriormente referidos a propósito da Comissão Coordenadora e da Comissão Central e, ainda, pelo primeiro-tenente Bouza Serrano, pelo capitão Jorge Alves e pelos alferes milicianos Barros Moura e João Teixeira.

O M.F.A. da Guiné reorganizava-se, assim, de acordo com as directivas trazidas pelo “mensageiro do M.F.A. em Lisboa”, o tenente-coronel Almeida Bruno, tendo em vista a aquisição de uma estrutura semelhante à do M.F.A. metropolitano. Para além disso, a reorganização do M.F.A. na Guiné permitiu-lhe alargar a sua base de sustentação através da incorporação de membros do MAOSP e da criação de delegações do M.F.A. nas unidades militares. Estes delegações do M.F.A. permitiram, como se viu, operacionalizar uma cadeia de comando diferente da anteriormente estabelecida e passou a esta inoperável após o 25 de Abril.

Sales Golias resume o propósito desta reorganização: “[e]ssas Delegações do MFA

tinham por obrigação colaborar com o Comandante na condução do processo. Já não havia processo militar simples, havia um processo político militar, mesmo dentro das unidades. Para evitar os problemas de indisciplina, de insubordinação, de exigências perante o Comandante”141.

Em acréscimo à reorganização do M.F.A. da Guiné, as restantes páginas do Boletim do M.F.A. n.º 1, de 1 de Junho, transcreviam o Programa do Movimento das Formas Armadas, bem como o Programa do Governo Provisório.

A última página centrava-se em questões guineenses, favorecendo uma imagem amigável do P.A.I.G.C, revelando o bom andamento das conversações de Londres e demonstrando o interesse, por parte de Portugal, no reconhecimento da independência da Guiné-Bissau.

Sem dúvida que este boletim, nos dois números publicados, foi uma ferramenta útil, também pela forma clara e concisa com que foi redigido, de informação e para a manutenção da disciplina nas Forças Armadas Portuguesas. Constituiu igualmente uma forma de pressão progressiva sobre o Governo da Província, fazendo eco da posição do M.F.A. na Guiné relativamente ao P.A.I.G.C. e ao caminho para o reconhecimento da independência da Guiné- Bissau.

4.4 O M.F.A. da Guiné perante o Reconhecimento da Guiné-Bissau e a

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