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Capítulo I – O conceito de juízo político: pressupostos da reflexão política na “Crítica do

3. A reflexão do sensus communis: comunicação, publicidade, sociabilidade,

Em suma, o que Arendt toma pela perspectiva filosófica inovadora de Kant é o fato de que a ação política é indissociável das relações sociais humanas, da sua natureza comunitária, conflituosa, sensível e plural. Segundo Arendt, no arranjo conceitual kantiano, a pessoa real e comum – não o filósofo, o príncipe, o sacerdote – se torna finalmente o sujeito político, cuja expressão elementar é a capacidade de um sensus communis: o sentido particular de um ser comunitário que se desenvolve, se educa e se transforma enquanto indivíduo, coletivo e espécie. A Crítica da Faculdade de Julgar seria, então, a obra na qual Kant elaboraria o conceito de ser humano na qualidade específica de sujeito social, identificando em sua análise o princípio da pluralidade humana: a comunicabilidade. Essa tese dá forma ao argumento de Arendt ao longo das lições; ela perpassa a escolha dos textos de Kant que contêm os elementos de um “sujeito político e social” possível. Um tal filtro também limita a análise daqueles outros textos que, de uma forma ou de outra, contêm possíveis elementos políticos, mas que acabam por não os considerar segundo uma perspectiva estritamente comunicativa.

O julgamento, essa atividade que exercemos refletindo sobre as questões políticas encontra a justificação dos seus ideais no princípio da razão prática – a organização política que acaba com toda a guerra deve concordar com o imperativo categórico –, mas essa ideia não é o seu objeto, apenas a sua orientação, o princípio regulador da ação. No campo da política – tal qual a arte, a história e a antropologia – é a faculdade de julgar que deve ela mesma “indicar um conceito, através do qual nenhuma coisa é propriamente conhecida, mas que apenas lhe serve de regra” (KU, AA 05: 169). Trata-se de uma capacidade da mente humana voltada inteiramente para os fenômenos que são dados no momento presente, que acontecem no mundo, e “cujo uso correto é tão necessário e universalmente exigível que com o nome de entendimento saudável não se designa outra coisa senão justamente essa faculdade” (ibidem,

idem). A política não constitui uma teoria específica no interior do sistema da metafísica (a sua

atividade não encontra um lugar específico), mas, como parte do sistema da crítica da razão pura, a faculdade de julgar se apresenta enquanto uma prática. Trata-se de um exercício de reflexão crítica sobre os acontecimentos do mundo, de caráter individual e coletivo, que pode partir de ou buscar a concordância e a discordância da sua posição com as demais pessoas que vivem nesse mundo partindo de uma orientação estritamente comunicativa e recíproca, capaz de consolidar a crítica do espectador. Por isso, a comunicabilidade que o sensus communis implica se aproxima muito mais da capacidade de reconhecimento recíproco das outras pessoas

do que uma empatia propriamente dita. Encontramos, aqui, a comunicação em seu sentido mais forte:

O pensa mento crítico é possível a pena s à medida que os pontos de vista dos outros estã o a bertos à inspeçã o. Desse modo, o pensa mento crítico, embora seja uma ocupa çã o solitá ria , nã o se sepa ra de “todos os outros”. Certa mente ele a inda se dá em isola mento, ma s, pela força da ima gina çã o, torna presentes os outros e, a ssim, move - se em um espa ço potencia lmente público, a berto a todos os la dos; em outra s pa la vras, ele a dota a posiçã o do cida dã o do mundo de Ka nt (Weltbetrachter). Pensa r com menta lida de a la rga da significa treina r a própria ima gina çã o pa ra sa ir em visita . Devo a dverti-los, a qui, sobre um ma l-entendido muito simples e comum. O a rtifício do pensa mento crítico nã o consiste em uma empa tia excessiva mente a la rga da, por meio da qua l podemos sa ber o que de fa to se dá no espírito a lheio. Pensa r, de a cordo com a compreensã o ka ntia na do Iluminismo, significa Selbstdenken, pensa r por si mesmo, “que é a máxima de uma razão nunca passiva. Entregar-se a uma tal pa ssivida de cha ma-se preconceito” (KU, AA 05: 294; p. 192), e o Iluminismo é, a ntes de ma is na da , a liberta çã o do seu preconceito. Aceita r o que se pa ssa no espírito da queles cujo ponto de vista (de fa to, o luga r em que se situa m, a s condições a que estã o sujeitos, sempre diferentes de um indivíduo pa ra o outro, de uma cla sse ou grupo compa ra dos com outros) nã o é o meu, nã o significa ria ma is do que a ceitar pa ssiva mente o pensa mento deles, isto é, troca r seus preconceitos p elos preconceitos ca ra cterísticos de minha própria posiçã o. Em primeiro luga r, o “pensa mento a largado” é o resultado da “abstração das limitações que contingentemente prendem-se ao nosso próprio juízo ”, é o resulta do da desconsidera çã o de sua s “condições subjetiva s e privadas” (KU, AA 05: 294; p. 191), isto é, da desconsideração do que usualmente cha ma mos de interesse próprio; este interesse, de a cordo com Ka nt, nã o é escla recido e nem e ca pa z de escla recimento, ma s é limita nte. Qua nto ma ior o a lca nce – quanto ma is a mplo é o domínio em que o indivíduo escla recido é ca pa z de mover-se de um ponto de vista a outro – ma is “gera l” será esse pensa mento. Ta l genera lida de, contudo, nã o é a genera lida de do conceito – por exemplo, o conceito “ca sa ”, a o qua l podemos subsumir vá rios tipos de ha bita çã o individua l. Ela está , a o contrá rio, intima mente conecta da a pa rticula res, a s condições pa rticula res dos pontos de vista que temos que percorrer a fim de chega r a o nosso próprio “ponto de vista gera l”. Aca ba mos de fa lar deste último em termos de impa rcia lida de; e um ponto de vista a pa rtir do qual considera mos, observa mos, forma mos juízos, ou, como diz Ka nt, refletimos sobre os a ssuntos huma nos. Ele nã o nos diz como agir. Nem mesmo diz como a plicar a sa bedoria – que é encontra da qua ndo se ocupa um “ponto de vista gera l” — a os pa rticula res da vida política . (Ka nt nã o tinha nenhuma experiencia de ta l a çã o, e nem poderia ter tido, na Prússia de Frederico II.) Ka nt nos diz como leva r os outros em considera çã o; ele nã o diz como nos a ssocia r a eles pa ra a gir.53

A ideia de sensus communis comporta um sentido forte de comunicação a partir de uma dupla articulação: o princípio de comunicabilidade e as máximas do entendimento comum. Se voltarmos para a Crítica da Faculdade de Julgar, na Analítica do Belo, Kant conclui a “Dedução do Juízo Estético Puro” com a introdução do conceito antropológico de sensus

communis.54 O sensus communis considerado na Dedução possui uma denominação filosófica

53 ARENDT, Lições, pp. 57-8.

54 Cf. V-L/Dohna, AA 24: 696-7; L, AA 9: 17; 19; 57; Anth, AA 7: 139-40; 145; 219. O sensus communis é

geralmente referido como “entendimento humano comum” (gemeiner Menschenverstand), “entendimento sa udá vel” (gesunder Verstand), “ra zã o comum” (gemeiner Vernunft) ou simplesmente como “senso comum” (Gemeinsinn). Apesa r de ser indica do por Ka nt como logica naturalis, o sensus communis nã o é considerado propriamente uma “lógica” (pois apenas possui princípios empíricos), mas antes uma “ciência antropológica”

que, a princípio, parece afastada do corriqueiro senso comum, enquanto “aquilo que se encontra em toda parte, algo que absolutamente não é uma honra ou vantagem possuir” (KU, AA 05: 293; p. 191). Seu significado filosófico indica “a ideia de um sentido de comunidade [gemeinschaftlicher Sinn]”: a “humanidade” dos seres humanos, considerados em comunidade — um conjunto de seres específicos que compartilham uma mesma forma de representação, e, portanto, de comunicação.55 As relações subjetivas do julgamento em geral refletem as

condições subjetivas, e esse relacionamento entre a possibilidade e a capacidade de se compreender mutuamente pode ser pressuposto em todos os seres humanos, visto que, “do contrário, não poderiam comunicar (mitteilen) suas representações e nem mesmo o conhecimento” (ibidem, 290; p. 187):

[...] Pois temos consciência de que essa rela çã o subjetiva , a dequada a o conhecimento em gera l, tem de va ler igua lmente pa ra todos e, porta nto, ser universa lmente comunicá vel [allgemein mitteilbar] – ta l como a contece com todo conhecimento determina do, que, em todo ca so, sempre se ba seia na quela rela çã o como condição subjetiva . (ibidem, idem)

Kant então altera o problema, passando-o de uma questão de universalização para termos de comunicabilidade (Mitteilbarkeit): essa decisão argumentativa reflete uma exigência mais ampla que mera lógica. O sensus communis permite “ir além das condições subjetivas privadas” de cada pessoa, e considerar um “juízo subjetivo privado” como passível de ser universalmente comunicável mediante um “procedimento da faculdade de julgar que ela também tem de executar em favor da experiência mais comum” (ibidem, 292; p. 190). Esse procedimento está relacionado ao resultado do livre jogo entre a imaginação e o entendimento, mantidos em harmonia pela faculdade de julgar: respectivamente, se a faculdade de julgar é determinante, ela compele o juízo privado a se tornar um “conceito empírico objetivo”; mas se ela é reflexionante, então o sujeito “sente o estado de representação com prazer” (ibidem, idem). O procedimento reflexionante é a capacidade de atribuir uma validade exemplar – ou validade comum (Gemeingültigkeit) – a juízos subjetivos privados, articulando em pensamento, como princípio regulador, o seu compartilhamento subjetivo. A validade exemplar, contudo, é apenas

(anthropologische Wissenschaft).

55 Leonel Ribeiro dos Sa ntos denomina essa ideia como “um sentimento de pertencimento à ra zã o humana

comum”, da qual brota “o que poderia ser chamado de o princípio tran scendental de comunidade e sociabilidade, o pressuposto de toda comunica ção, cultura e civiliza çã o, por fim, o pressuposto da existência socia l e política e do próprio sentimento de humanidade” (SANTOS, Regresso a Kant, p. 536). Em outro texto, Leonel também a rgumenta que os condiciona ntes do pensa mento político de Ka nt pa rtem de uma matriz a ntropológica a pa rtir das leitura s de Roussea u, mostra ndo a gênese da s noções de socia bilida de e destina çã o da na tureza na s a ula s de Antropologia (SANTOS, “Gênese e ma triz antropológica do pensamento político de Kant” in: Santos, R. e Chagas, F. C. (org). Moral e Antropologia em Kant, Pa sso Fundo: IFIBE; Pelota s: UFPEL, 2012).

uma pretensão (Anspruch) pressuposta com vistas ao acordo de todos os sujeitos:

[...] É uma mera norma idea l [Idealische Norm] sob cuja pressuposiçã o posso considera r como regra pa ra todos, com ra zã o, um juízo que com ela concorde e a sa tisfa çã o com um objeto expressa neste juízo; pois, embora o princípio só possa ser a dmitido subjetiva mente, ele o é como um princípio subjetiva mente universa l (uma ideia necessá ria pa ra todos) no que diz respeito à una nimida de de diferentes julga dores, como se exigisse um a ssentimento objetivo universa l [...]. (ibidem, 239; p. 136)

A pretensão de comunicabilidade de juízos privados, enquanto uma espécie de concordância transcendental, estabelece a sua possibilidade de comunicação, pois supõe, pela reflexão, em todos os seres humanos as mesmas condições subjetivas de produção de juízos. Trata-se daquele pressuposto que a faculdade de julgar reflexionante estabelece como princípio de concordância entre a forma da finalidade da natureza e a forma da sua compreensão da experiência em geral. Portanto, a força reflexionante constitui propriamente a comunicabilidade dos juízos subjetivos privados, isto é, o discurso em seu âmbito mais elementar enquanto a possibilidade da comunicação. É como se fosse necessário — desde a concepção de um julgamento — assumir a pretensão do assentimento de todos – isto é, vincular “o nosso juízo a outros juízos, não tanto efetivos quanto antes possíveis, e nos colocarmos no lugar de todos os demais, simplesmente abstraindo das limitações que se prendem de modo acidental ao nosso próprio juízo” (ibidem, 294; p. 191). A faculdade de julgar, que também pode ser chamada de

sensus communis, fundamenta a capacidade do acordo de uma variedade de pessoas entre si, a

partir de uma mera pretensão subjetiva (que se pressupõe a si mesma como comum) que

mantém junto o privado e o público, o particular e o universal (ibidem, 293; p. 190).56

Nesse ponto, nos parece frutífero retomar o particular interesse de Hannah Arendt em considerar a relação entre sensus communis e política. A comunicação humana é possível porque os seres humanos são capazes de comunicação; ou seja, justamente porque a razão humana é condicionada pela interação comunicativa, os seres humanos são capazes de compreender julgamentos e de terem seus julgamentos compreend idos (pela consciência de que as condições subjetivas refletem as mesmas relações subjetivas). Nesse sentido, compreender e ser compreendido é comunicação em sua concepção filosófica — que, no caso do sensus

communis aestheticus, é tomada como a atividade humana mais elementar, regulando a

produção de juízos subjetivos privados de acordo com a sua possibilidade de serem

56 Isso significa que, individua lmente, nós podemos a o menos reconhecer tenta tiva s de comunica çã o, e tentar

compreendê-la s melhor: “[...] And a ll successful communica tion requires some sort of recognition or upta ke by others, whether it consists in a n understa nding of the content communica ted or merely in a reco gnition tha t the other seeks to communica te; a nd a ttempted communica tion requires the possibility of such recognition” (O’NEILL, Constructions of Reason, pp. 30-1).

compreendidos por um conjunto de seres humanos, e direcionando a sociabilidade humana à mediação comunicativa com o outro.

Mas se o sentimento de prazer constitui uma espécie análoga de sentido comum, ele se refere apenas à produção de um tipo de sensus communis para o caso da beleza, e não para o de justiça ou de verdade, por exemplo. Assim, Kant estabelece a distinção entre o gosto enquanto sensus communis aestheticus, e o entendimento humano comum enquanto sensus

communis logicus: “[...] o gosto tem mais direito a ser denominado sensus communis do que o

entendimento saudável; e a faculdade de julgar estética poderia carregar o nome de um sentido de comunidade melhor do que a intelectual [...]” (ibidem, 295; p. 193). Através dessa distinção, fica claro que o procedimento puramente reflexionante — no caso exemplar do juízo de gosto — não deixa de ser individual. Apesar de o sujeito que julga produzir sua opinião devendo levar em conta a possibilidade de comunica-la, ele o faz apenas em pensamento; como se numa busca pela sua própria subjetividade, paradoxalmente, ele se descobrisse como resultado de uma pluralidade de saberes, opiniões e crenças que constituem sua visão de mundo expressa num julgamento.57 Por isso Kant afirma que sensus communis aestheticus teria “mais direito” a

receber a denominação de sensus communis (filosoficamente falando) do que o sensus

communis logicus: pois, na reflexão, o direcionamento às outras pessoas, a partir da ideia de

comunicabilidade universal, é a única condição não-subjetiva do juízo (apesar de não ser exatamente objetiva). Trata-se de uma analogia ilustrativa, que chama a atenção para o procedimento mais marcante de cada tipo de sentido compartilhado. Dessa forma, a faculdade de julgar reflexionante seria equivalente ao gosto enquanto sensus communis aestheticus, ressaltando a particularidade da “pura reflexão”, e o entendimento humano comum, enquanto

sensus communis logicus, é a faculdade de julgar determinante, que julga “não apenas segundo

o sentimento, mas sempre segundo conceitos, ainda que estes últimos não passem, em geral, de princípios obscuramente representados” (KU, AA 05: 238) — ou seja, ressalta-se a particularidade da determinação em geral, que também comporta, mas como resultado, uma reflexão. No entanto, isso não significa que, por se tratarem de tipos distintos, eles não digam respeito à mesma característica; no caso, ao mesmo núcleo comunicativo. A tipificação parece

57 Cf. LEBRUN, Kant e o Fim da Metafísica, p. 489. Lebrun defende a ideia de que a fa culda de de julga r, na

qua lida de de sensus communis, representa uma intersubjetivida de pa ra doxal na quilo que há de ma is elementar para constituição da subjetividade em Kant: “[...] no momento em que mais pareço curvar-me sobre minha singula rida de, eu me sinto universa l”. Isso quer dizer que na busca da sua própria subjetivida de, o sujeito é ao mesmo tempo plural ‒ ou seja, uma comunidade de singularidades, de outros pontos de vista. Ainda antes de Lebrun, Arendt já defendia o ca rá ter intersubjetivo do sensus communis. Pois ela a firma que “Ka nt esteve consciente desde muito cedo que ha via a lgo de nã o -subjetivo na quilo que pa recia ser o sentido ma is priva do e subjetivo”.

dizer mais respeito aos seus produtos, a saber, aos interesses pelos quais são mobilizados pelos seres humanos na sua composição antropológica:

O gosto é, porta nto, a fa culda de de julga r a priori a comunica bilida de dos sentimentos que se liga m a uma da da representa ção (sem a media çã o de um conceito). Ca so se pudesse a ssumir que a mera comunica bilida de universa l do próprio sentimento já teria de tra zer consigo um interesse pa ra nós (o qua l, toda via , nã o esta mos a utorizados a deduzir da constituiçã o de uma fa culda de mera mente reflexiona nte), poder-se-ia escla recer por que o sentimento de um juízo de gosto é como que presumido como um dever. (ibidem, 296; p. 193-4)

Quando distingue sensus communis logicus de aestheticus, Kant está com a atenção voltada para o sentimento da existência de um objeto, e não mais para a satisfação com a sua mera possibilidade. A reflexão deixa de ser individual e privada em sentido estrito e passa a significar a sua possibilidade a partir de “uma inclinação que é própria à natureza humana” (ibidem, idem). E, por isso, ele afirma:

Empirica mente, o belo só interessa na sociedade; e, ca so se a dmita o impulso à socieda de como na tura l a o ser huma no, e a a ptidã o e a tendência pa ra ta l, isto é, a sociabilidade, como exigência pa ra o ser huma no enqua nto cria tura destina da à socieda de, porta nto, como proprieda de pertencente à humanidade, entã o nã o se pode deixa r de considera r ta mbém o gosto como uma fa culda de de julga mento de tudo a quilo que permite comunica r a té mesmo o próprio sentimento a todos os dema is, porta nto, como meio de fomenta r a quilo que é requerido de ca da pessoa por uma inclina çã o na tura l. (ibidem, 296-7; p. 194)

Portanto, a atividade do sensus communis e a atividade da reflexão colocam em íntima relação a comunicabilidade, a sociabilidade e a humanidade a partir de um sentimento, um “senso comunitário”. O sentimento de um “senso comunitário”, enquanto a pretensão da partilha universal da mera possibilidade de um entendimento mútuo, significa um sentimento

da humanidade, isto é, um senso generalizado de reciprocidade e reconhecimento das demais

pessoas na qualidade de seres humanos. Ser humano significa, em Kant, sentir-se humano com outros, e a orientação máxima da qual a reflexão parte é a humanidade capaz de ser comunicada e que confere valor à cultura e à civilização humana, contida em nós e nas demais pessoas – portanto, não em uma única cultura e civilização, mas em todas aquelas que existem, na medida em que expressam, de uma maneira ou de outra, a destinação natural última dos seres humanos: a sociedade da humanidade, o mundo como a cosmopólis:

Pois é a ssim que se julga a quele que é inclina do e a pto a comunica r a os dema is o seu pra zer, e a quem o objeto nã o a gra da se ele nã o pode sentir com os dema is, em socieda de, a sa tisfa ção desse objeto. Cada um espera e exige de cada um, como que a partir de um contrato originário ditado pela própria humanidade, que leve em conta a comunicação universal; e, a ssim, começa ndo na turalmente pelos a trativos, como, por exemplo, cores pa ra pinta r (rocou entre os ca ribenhos e cinabre entre os iroqueses), ou flores, concha s, pena s bela s e colorida s de pá ssa ros, ma s com o tempo

pa ssa ndo ta mbém à s bela s forma s (como em ca noas, vestidos etc), que nã o implicam por si mesma s qua lquer contentamento, isto é, qua lquer sa tisfa çã o da fruiçã o, todas essa s coisa s vã o ga nha ndo importância na sociedade e se liga ndo a gra ndes interesses, a té que fina lmente a civiliza çã o, tendo a tingido seu ponto ma is a lto, fa ça dessas forma s qua se que a obra -prima da inclina çã o cultiva da , e só dê va lor à s sensa ções na medida em que podem ser universa lmente comunica das; nesse ponto, então, mesmo que o pra zer que todos têm em um ta l objeto seja negligenciá vel e sem qua lquer interesse digno de nota , a ideia de sua comunica bilida de universa l tem seu va lor a umentado quase infinita mente. (ibidem, 297; p. 195)

A pretensão do juízo reflexionante, aquela pressuposição da comunicação humana,