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1 POLÍTICAS DE ESTADO E A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO CAMPO BRASILEIRO

1.3 A reforma agrária no pós-

1.3.2 A Reforma Agrária no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002)

No período de gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as propostas neoliberais foram amplamente adotadas, especialmente em relação ao campo brasileiro. A prioridade do governo FHC foi a abertura dos mercados brasileiros ao capital estrangeiro, privatização de empresas estatais, bem como incentivo às exportações agrícolas para atender ao mercado externo, deixando em segundo plano a produção de alimentos para o mercado nacional.

Em seu primeiro mandato (1994-1997) foi implantada uma ampla política de assentamentos rurais, com o objetivo de “resolver” os problemas fundiários; “desse modo, acreditava que assentando somente as famílias acampadas, o problema agrário seria resolvido” (FERNANDES, 2003, p. 33).

Porém, nesse primeiro período, os conflitos no campo aumentaram, bem como as ocupações de terra, especialmente após os massacres de Corumbiara, no estado de Rondônia (1994), e em Eldorado dos Carajás, no Pará (1996). Observa-se esse aumento considerando que, em 1994, houve vinte mil famílias acampadas e, em 1998, esse número subiu para setenta e seis mil famílias (gráfico 1).

Gráfico 1: Número de ocupações de terra no Brasil no Governo FHC (1995-2002)

Fonte: Setor de Documentação da CPT Nacional – Caderno Conflitos no Campo Brasil, 2004. Org.: CARDOSO, L. F. de, 2011.

Em relação aos créditos para os assentados da Reforma Agrária, no primeiro mandato de FHC ainda existia o PROCERA (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária), criado em 1985. Esse programa apresentava como principal objetivo o aumento da produção e a produtividade dos assentados e, dessa forma, inserí-los no mercado e assim possibilitar sua emancipação (REZENDE, 1999).

Nesse momento, a existência de um crédito específico para as cooperativas foi um grande incentivador desse modelo de produção, ou seja, possibilitava a implantação de cooperativas em assentamentos rurais apesar de muitos assentados terem se endividado a partir da tomada de recursos desse programa4.

O governo FHC extinguiu o PROCERA e em seu lugar criou o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) no ano de 1996, com o intuito de financiar e fortalecer a capacidade produtiva da agricultura familiar. No entanto, alguns estudiosos da Reforma Agrária afirmam que a criação do PRONAF representou um retrocesso para os assentados, pois esse

4 Para melhor compreensão sobre esse tema consultar: Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária

programa teve como base as noções de produtividade e rentabilidade, demonstrando assim o mero caráter produtivista imposto aos assentados.

Além dessas políticas públicas de incentivo à capitalização dos assentados, o Estado utilizou outras formas para desmobilizar os movimentos de luta pela terra.

O Estado mudou as suas estratégias na tentativa de minar a ação política do MST. Além de empreender forte campanha de desmoralização das lideranças de cooperativas acusando-as de desvio de dinheiro público, criou mecanismos mais sutis de desmobilização do movimento de reforma agrária como, por exemplo: o Banco da Terra, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o cadastro dos demandantes de terra via agência do correio, a instituição da figura do “empreendedor social” que, em nome de uma suposta oferta de assistência técnica e social, realizava o controle político dos assentados (SCOPINHO, 2007, p. 89-90).

No segundo mandato de FHC, a política neoliberal adotada em seu governo tornara-se mais inflexível e repressora em relação aos movimentos de luta pela terra. Nessa época, a criminalização da luta pela terra e a mercantilização fundiária foram bases para violentas retaliações aos movimentos.

Um claro exemplo da criminalização dos movimentos de luta pela terra foi a criação da MP 2.027-38, em maio de 2000, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A medida impedia a vistoria e a desapropriação de propriedades rurais ocupadas, buscando, dessa forma, inibir a prática de ocupações, que aumentaram cerca de 300% nos quatro primeiros anos de seu mandato.

Segundo Alentejano,

a criminalização das ações do MST e demais movimentos de luta pela terra, consubstancia-se através da perseguição de suas lideranças, da proibição das entidades envolvidas em ocupações de imóveis rurais ou bens públicos de receber recursos públicos e dos cidadãos envolvidos em ocupações de terras ou prédios públicos serem beneficiárias de assentamento. No mesmo sentido, há uma clara tentativa de desarticular o movimento e desmobilizar os sem terra, com medidas como a proibição por dois anos (dobrando em caso de reincidência) da vistoria de latifúndios ocupados. Além disso, latifúndios improdutivos inscritos no programa de arrendamento de terras não podem mais ser desapropriados (ALENTEJANO, 2004, p. 8-9).

A postura do Judiciário frente aos movimentos foi um entrave à luta pela terra, pois tentou barrar as ações dos movimentos e criminalizar as lideranças, na tentativa de enfraquecer e pulverizar sua força política perante a sociedade. Nessa perspectiva, Mitidiero Junior faz a seguinte

afirmação: “a grande maioria das lideranças rurais respondem a vários processos ao mesmo tempo, preenchendo o seu cotidiano com intermináveis audiências judiciais, além de limitar sua atuação na luta pela terra” (MITIDIERO JR, 2007, p. 15).

A mercantilização da Reforma Agrária também foi uma estratégia adotada pelo governo em questão, por meio da criação do Banco da Terra, um projeto do Banco Mundial com propostas de desenvolvimento rural baseado em políticas neoliberais. Com o intuito de desarticular os movimentos de luta pela terra, viabilizavam-se créditos para a compra de terras, em vez de criar assentamentos.

[...] implantou o Banco da Terra, uma política de crédito para compra de terras e criação de assentamentos. No segundo mandato do governo FHC, essa política cresceu em detrimento das desapropriações. Também destruiu a política de crédito especial para a reforma agrária, criada durante o governo Sarney, e a política de assistência técnica, prejudicando centenas de milhares de famílias assentadas, intensificando o empobrecimento. Ainda proscreveu a política de educação para os assentamentos, que fora criada a partir de um conjunto de ações do MST (FERNANDES, 2003, p. 34).

O MST e demais movimentos enfrentaram um refluxo no processo de luta pela terra, especialmente, dos anos de 1999 a 2002 (FERNANDES, 2003). Por meio de ações de criminalização e punição dos trabalhadores rurais que se organizaram para exigir o acesso à terra, o governo dificultou e até mesmo inviabilizou o êxito dos assentamentos já implantados, pois não ofereceu o respaldo financeiro e técnico para o desenvolvimento de atividades necessárias à continuidade dos assentados em áreas de Reforma Agrária.

A partir da análise de Fernandes, é possível perceber as estratégias do governo para criminalizar os movimentos.

[...] líderes e coordenadores do Movimento são criminalizados por essas ações, perseguidos e presos, ao mesmo tempo em que os governos estadual e federal implantaram os assentamentos originados pelas ocupações de terra. Com a criminalização, o número de ocupações caiu e o governo não pode implantar novos assentamentos. Desse modo, o governo registrou como assentamentos implantados em 2001, diversos assentamentos criados na década de 1990 (FERNANDES et al. [200-], p. 2).

Com a principal finalidade de enfraquecer a capacidade de cobrança dos movimentos frente às arbitrariedades do governo e, ao mesmo tempo, não cumprir a desapropriação de latifúndios, o governo buscou a criminalização dos movimentos, mantendo assim, as grandes propriedades da classe ruralista intocadas.