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A relação adversativa: contrastando eventos

Capítulo 3: Análise dos Dados e Discussão dos Resultados

3.2 A coesão nas narrativas: as relações lógicas conjuntivas

3.2.2 As relações conjuntivas no corpus

3.2.2.4 A relação adversativa: contrastando eventos

O sentido básico da relação adversativa é o contrário da expectativa que pode ser derivado do conteúdo do que está sendo dito, ou do processo de comunicação, da interação falante/ouvinte (cf. Halliday e Hasan, 1976:250).

Nas relações de contraste, as situações e/ou os eventos conectados pelos elementos conjuntivos são concebidos como semelhantes em alguns aspectos e divergentes em outros, e são comparáveis com base nessas diferenças. A essa característica, Martin e Rose (2003:115) chamam de

comparação por similaridade ou comparação por contraste, sendo que a

conjunção prototípica da primeira é ‘como’ (like) e, da segunda, ‘mas’ (but). As conjunções adversativas encontradas no corpus e os padrões em que foram usadas encontram-se reproduzidas na Tabela 3.9.

Elementos

conjuntivos Padrões de uso

Conteúdo lógico- semântico Turmas (nº de ocorrências) Total 5U 5P 8U 8P MAS

oração + MAS + oração

adversativo 14 9 27 31 81 parágrafo + MAS + parágrafo - - 6 4 10 período + MAS + período - - 4 3 7

SENÃO oração + SENÃO +

oração adversativo - 2 5 1 8 PORÉM período + PORÉM + período adversativo - - 1 2 3 oração + PORÉM + oração - - - 2 2 Total 14 11 43 43 111

Tabela 3.9: Padrões de uso dos elementos conjuntivos adversativos.

A Tabela 3.9 mostra que o elemento prototípico ‘mas’ foi muito mais freqüente no corpus que os demais dessa categoria e foi o único usado pelos alunos da 5U. Chamou-nos atenção as duas ocorrências de ‘senão’ na 5P. Na realidade, essas duas ocorrências constituíram certa surpresa porque foi nessa turma que ocorreu menor uso e variação de elementos conjuntivos, como vimos na Tabela 3.5 (p. 108).

Cabe ressaltar ainda que, em termos de grafia, muitos desses alunos não distinguem o elemento conjuntivo ‘mas’ do advérbio de intensidade ‘mais’.

Vejamos cada elemento separadamente.

ƒ MAS

Halliday e Hasan (1976:237) explicam que a palavra ‘mas’ expressa uma relação que não é aditiva, mas adversativa; e, para Martin e Rose (2003:115), ‘mas’ (but) é ‘comparativo por contraste’, expressando um contraste lógico entre figuras.

Na mesma direção, Neves (2000:756) destaca que o elemento conjuntivo prototípico das relações adversativas é ‘mas’, cuja função é colocar o segundo segmento como de algum modo diferente do primeiro, ficando implícito que há semelhança entre as orações, uma vez que a relação adversativa coloca uma das orações como de algum modo diferente da outra.

1º padrão mais freqüente: oração + MAS + oração (81 ocorrências)

Esse foi o padrão mais freqüente. Predominou nas turmas de 8ª série, 31 ocorrências na 8P e 27 na 8U. Na 5ª série, houve 14 ocorrências na 5U e 9 na 5P.

Foi o único elemento prototípico utilizado pelos participantes deste estudo, exclusivamente, com seu sentido básico, adversativo.

96)

as índias inplora-

ram pra ele não matar os filhos delas

mas não adiantou ele matou as crianças, (5U12)

98)

Em uma reza pela vida

do filho na tumba, ela (Iaça) ou-

via chorar criança, mas não

via nenhuma criança. (8U5)

97)

Iaçá chorou por vários dias,

e depois houve choros de bebê no tumulo

de seu filho, mas ela ia ver não era nada.

(5P12)

99)

algumas vezes Iaçá escuto choros

de crianças por perto do tumolo mas nun-

ca encontrava nada, (8P19)

Nos exemplos 96 a 99, note-se que é estabelecida relação lógica adversativa entre orações, sendo que a primeira oração traz um evento que é contrastado na segunda. Nesse padrão, observamos que não há dificuldade de uso do elemento pelos alunos, tendo em vista que é o mais conhecido operador lingüístico de contraste de aprendizes nesse nível de ensino.

2º padrão mais freqüente: parágrafo + MAS + parágrafo (10 ocorrências)

Esse padrão ocorreu somente nas turmas de 8ª série. Na 8U, houve 6 ocorrências; na 8P, 4 ocorrências.

100)

... o cacique como tinha prome- tido matou os seus filhos que viveram um pouco.

Mas passou um tempo que sua

filha Iaçá apareceu gravida também, (8U25)

101)

... depois de um mês Iaçá resolveu voltar para a tripo e mostrar o seu filho para o seu pai.

Mas mesmo sabendo que Tubiraçá

era o seu neto o Cacique disse, que se nascesse criança na tripo ele não iria

perdoar. (8P3)

Nos dois exemplos, 100 e 101, o elemento conjuntivo estabelece relação lógica de contraste entre os parágrafos. Note-se que, em 104, o

cacique tinha acabado de matar algumas crianças, mas sua filha Iaçá aparece grávida. Fato semelhante acontece em 105, Iaçá volta para a tribo com o filho,

mas o cacique disse que não iria perdoar, mesmo sabendo que era seu neto. Com isso, vemos que o elemento conjuntivo foi devidamente empregado nesses casos, em seu sentido básico, adversativo.

ƒ SENÃO

No corpus, houve poucas ocorrências de ‘senão’. Foram encontradas 5 ocorrências na 8U, duas na 5P e uma na 8P. Esse foi um dos poucos casos em que as turmas 8U e 5P apresentaram maior número de ocorrências de um elemento conjuntivo.

Padrão geral: oração + SENÃO + oração (8 ocorrências)

---

103)

Jacira e Jandira tive-

ram seus filhos mortos pelo cacique

pois o cacique ordenou a morte se

não iria quebrar a sua promessa. (8U5)

102)

todos os filhos irão morre porque cinão ia A

caba A tribo (5P1)

104)

começou a complica, porque a tribo

estava aumentando cada vez mais, para que tan-

to índio se não havia nem comida, (8P7)

De 102 a 104, observa-se que a relação lógica entre as orações é adversativa. Em 94, todos os filhos morrerão, senão (=do contrário) a tribo

acabará. Em 95, o cacique ordenou a morte, senão (=do contrário) iria quebrar sua promessa. Em 96, contudo, o sentido expresso pelo elemento conjuntivo é

condicional: ‘se não havia comida, para que tanto índio?’.

Observamos que ‘senão’ foi pouco usado nos textos, parecendo não ser familiar aos alunos.

ƒ PORÉM

‘Porém’ foi outro elemento com baixa freqüência no corpus, apenas 5 ocorrências em textos da 8ª série.

Padrão mais freqüente: período + PORÉM + período (3 ocorrências)

105)

O cacique tupi com medo da extin- ção da tribo, proibiu, apartir daquele dia que qualquer índia tivesse filhas na aldeia.

Porém, o cacique não sabia que sua

filha Íaça estava grávida. (8U2)

106)

Um certo dia, o cacique tupi, chefe dos caiapós, decretou, que não poderia mais nascer qualquer criança que fosse, porque se nascesse iria matar e não teria dó. Porém a filha do cacique estava

gravida, (8P4)

Os exemplos 105 e 106 demonstram que esses alunos sabem a função desse elemento conjuntivo.

A exemplo de outros elementos, que foram pouco usados ou só utilizados pelos alunos da 8ª série, não há como dizer se o uso de conjunções foi ou não ensinado na escola, ou se foi apenas adquirido espontaneamente por alguns alunos.

Em síntese, pela análise individual de cada elemento conjuntivo foi possível perceber os padrões de uso mais freqüentes, os significados lógico- semânticos com que os elementos foram usados, as turmas que mais usaram e as que não usaram os elementos, as turmas que só usaram o(s) elemento(s) com seu significado básico e as que usaram com outros significados e, a partir disso, inferir que série e turmas apresentam maior ou menor grau de dificuldade no uso dos recursos coesivos conjuntivos nos textos.

O padrão de uso mais freqüente no corpus foi aquele em que o elemento conjuntivo conecta orações, como seria de se esperar, segundo característica de narrativas apontada por Labov e Waletsky (1967:359).

Observamos ainda que, predominantemente, as orações conectadas pelos elementos conjuntivos encontram-se combinadas parataticamente, combinação esta que compreende orações do mesmo estatuto, ou seja, uma não modifica a outra. (Halliday e Matthiessen, 2004:384).

O que mais chamou a atenção foi o uso do conector ‘e’, com diversidade de significados lógicos, uma vez que esse elemento, ontogeneticamente falando, é considerado por muitos autores como o arquiconectivo, o ‘paradigma dos relatores’ (Schneuwly, 1998), de tal forma que não era esperado que fosse o elemento em que os participantes deste estudo demonstrassem maior dificuldade de uso na produção escrita.

Em suma, percebemos que a organização dos textos em relação aos nexos coesivos conjuntivos evidencia várias dificuldades dos participantes no uso desses elementos, apontando para deficiências no ensino desse tópico em sala de aula e, conseqüentemente, para práticas de letramento ineficientes. Cabe à escola desenvolver atividades que permitam aos alunos perceber as nuances propiciadas pela utilização de um ou outro elemento conjuntivo, levando-os a entender os valores atribuídos aos enunciados quando da leitura ou escrita de um texto, bem como auxiliá-los na produção textual de forma a construir o sentido pretendido. Levar os alunos ao entendimento de como as conjunções operam nos mais variados contextos e situações interacionais é tarefa cada vez mais premente para se obter um conhecimento gramatical funcional e não apenas prescritivo da língua.

Encerrada esta seção, apresentamos, na seqüência, a análise das escolhas avaliativas atitudinais.