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A relação discurso e contexto na proposta sociocognitiva

CAPÍTULO 3 – O MODELO SOCIOCOGNITIVO E A TEORIA DA

3.1.1 A relação discurso e contexto na proposta sociocognitiva

Dentro de seus estudos sobre o discurso, Van Dijk (2012a) o relaciona à noção de contexto devido à complexidade e à variabilidade das situações comunicativas. Isso contribui, é claro, para que exista uma gama de contextos, ou seja, inúmeras representações mentais. Nesse sentido, esses modelos contextuais influenciarão toda a produção discursiva

dos participantes em uma dada interação. Contudo, há que se ressaltar, que essas representações mentais, não são produto de uma realidade concreta, mas de uma atividade interpretativa e subjetiva. Em outras palavras, o modo como os indivíduos concebem a relação discurso/contexto tem a ver com a construção que eles fazem das interações e situações sociais. Assim, o grau de consciência e de reflexão- de como se estruturam os modelos contextuais/situacionais- faz com que o usuário da língua seja mais ou menos consciente de sua atividade discursiva.

A abordagem sociocognitiva tem um modo diferenciado de definir o contexto. Van Dijk (2012a, p.34) argumenta, criticamente, que outras abordagens mais tradicionais entendem “os contextos como propriedades objetivas das situações sociais, políticas e culturais”, ou seja, não consideram que eles são construtos subjetivos. Nesse viés, não se trata de um quadro estanque, parado, no qual esses aspectos dão conta de definirem o contexto.

A teoria sociocognitiva sustenta que há outros pontos relevantes para entender o contexto, tais como as construções subjetivas de quem participa de uma determinada interação, as experiências únicas e particulares, os esquemas, os modelos mentais, a dinamicidade de cada contexto, o planejamento que há em torno deles, o fato de terem uma base social e o controle que os contextos exercem sobre a produção e a compreensão do discurso. Nesse sentido, mostramos, a seguir, como cada dimensão que caracteriza o contexto na visão sociocognitiva.

Nas situações cotidianas, os participantes das interações, de modo geral, interpretam- nas e é por meio dessa interpretação que as esferas sociais podem influenciar o discurso. Tomemos como exemplo alguns trechos da música Não vai ter Copa, do Mc PH Lima18, para observar como se manifestam as propriedades que caracterizam o contexto. Dentro do evento comunicativo, a letra musical, podemos dizer que a Copa (que é a temática da

18 A música acima está disponível em: http://letras.mus.br/ph-lima/nao-vai-ter-copa/. Acesso em: 05/08/2015, às 15:00h.

música), promovida no Brasil, pelo Governo Federal, em julho de 2014, é interpretado pelo ator social como lucro:

Figura 3 - Trecho da música Não vai ter Copa, do Mc PH Lima

Não, vai ter Copa! Não vai ter Copa aqui Só pra dar lucro pra burguês

Não vai ter Copa... Não vai ter Copa! Governo, eu vou pra rua

Te derrotar outra vez Não vai ter Copa...

Ou seja, a interpretação subjetiva desse evento pelo sujeito que fala influencia o discurso, pois ele se manifesta e se posiciona contrariamente à realização dos jogos esportivos em questão.

Desse modo, como os contextos são subjetivos, eles são experiências únicas. As experiências do aqui e do agora sentidas e vivenciadas pela sensação, percepção, opinião e emoção humanas, são pessoais e intransferíveis. Os contextos são modelos mentais: as construções subjetivas consistem em todos os dados que a memória autobiográfica armazena como relevante ou importante ao longo da linha cronológica. Em outro trecho da música, podemos observar como acontece o uso desse armazenamento daquilo que foi relevante para o ator social no período das manifestações de 2013 no Brasil. Nesse ano, muitos manifestantes usaram cartazes com dizeres que se posicionavam contra os diversos problemas sociais, políticos econômicos do país. A frase abaixo é de autoria de um desses cartazes19:

19 A imagem do cartaz está disponível em: http://denisfarias.comunidades.net/analise-discente-dos-cartazes. Acesso em 05/08/2015, às 15:00h.

Quadro 5 – Intertextualidade entre o cartaz e a música

Frase do cartaz Trecho da música Não vai ter Copa

Quando seu filho ficar doente, leve- o ao e$tádio. Aumentam a passagem mas não aumentam o salário,

se o pobre está doente o jeito é procurar um estádio

Fonte: Trechos referentes à frase do cartaz de um manifestante e à música Não vai ter Copa, do Mc PH Lima.

Por comparar os dois enunciados em negrito no quadro anterior, percebemos que houve uma intertextualidade entre a letra da música com os dizeres do cartaz, o que nos faz supor que o ator social pode ter ativado, em sua memória, esse dado a respeito do contexto das manifestações (TOMAZI, 2014). Logo, os contextos são planejados previamente, à medida que a comunicação se efetiva, as lembranças e as propriedades esquemáticas são ativadas, reorganizadas de maneira que os participantes façam o planejamento daquilo que vão falar adequadamente dentro do evento em que a interação está contida (VAN DIJK, 2012a, p.37).

Além disso, os contextos são esquemas dinâmicos que constituem uma base social e cultural compartilhada pelos participantes das esferas de comunicação, que ativam e atualizam online dados relativos ao tempo, o espaço, aos papéis dos participantes, às ações, aos propósitos, e aos conhecimentos, normas valores, regras, atitudes, ideologias, etc. (VAN DIJK, 2012a).

Por fim, o controle que os contextos exercem sobre a produção e a compreensão do discurso é evidente. O contexto das manifestações de 2013 influenciou, em muitos aspectos, as ações, o discurso, os enunciados de muitos manifestantes, adeptos da marcha e também de algumas pessoas que, embora não tenham aderido aos apelos da luta contra os diversos problemas sociais, políticos e econômicos do país, tinham certa afinidade pelo movimento. Para a produção da letra em questão não foi diferente. Nela, como um todo, podemos perceber as marcas linguísticas que apontam para o controle que esse

contexto/evento exerceu sobre do discurso musical. Na próxima seção, apresentamos a relação dos modelos mentais e do contexto.

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