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A relação entre a Justiça do Trabalho e a regulamentação do trabalho sexual

CAPÍTULO III — A REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL DA PROSTITUIÇÃO E A

3.4. A relação entre a Justiça do Trabalho e a regulamentação do trabalho sexual

O Poder Judiciário brasileiro tem por função assegurar os direitos individuais, coletivos e sociais, bem como resolver os conflitos entre cidadãos, entidades e Estado. É composto pelos seguintes órgãos estabelecidos na Constituição da República, em seu artigo 92: Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, além dos Tribunais Regionais Federais e juízes federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Território.

A Justiça do Trabalho é um ramo especializado do Poder Judiciário, com a sua competência firmada no julgamento das demandas que envolvem relações de trabalho, nos termos estabelecidos no artigo 114 da Constituição Federal. É inegável, portanto, a relevância do tema para os juízes trabalhistas, face aos litígios que podem decorrer do PL que se pretende aprovar.

Ao considerar a prostituição um trabalho, a relação entre a prostituta — trabalhadora sexual — e o seu agente, ou o dono do estabelecimento, poderá ser considerada uma relação de trabalho e até mesmo relação de emprego, conforme a execução contratual. Mesmo que a lei não especifique, esta possibilidade existe, porque o Direito do Trabalho se rege pelo princípio da primazia da realidade.

Atualmente, as demandas de “trabalhadoras sexuais” apresentadas na Justiça do Trabalho são poucas, pois, embora a prostituição não seja considerada crime por inexistir sanção penal para a venda de serviços sexuais, a sua exploração e o agenciamento são considerados infrações penais. Logo, qualquer relação envolvendo uma prostituta, o seu agenciador e/ou o estabelecimento em que trabalha encontra o impeditivo legal e culmina no reconhecimento da ilicitude da prestação de serviços.

No direito brasileiro, trabalho ilícito não se confunde com trabalho proibido. Aquele não produz qualquer efeito, justamente por violar valores considerados essenciais pela sociedade que se espelha na legislação, a saber, valores ligados à moralidade, legalidade e ordem pública. Neste caso, o trabalhador sequer tem direito ao pagamento pelos serviços prestados que, eventualmente, não foram pagos. O trabalho proibido, por sua vez, embora imponha a sua nulidade absoluta, produz alguns efeitos, pois a proibição está em aspecto formal e não propriamente em valores fundamentais. Assim, considerando que não se pode restituir o trabalhador ao status quo ante, fixa-se indenização equivalente aos valores acertados e não pagos, mesmo diante de uma espécie de trabalho proibido.

O parecer dominante é o de que a prostituição prestada em estabelecimentos privados é uma atividade ilícita e, portanto, violadora da ordem pública. A exploração da atividade, como manter estabelecimento que a promova, é crime. Logo, qualquer pendência entre a prostituta e o seu intermediário, seja ele o proprietário do estabelecimento seja o agenciador, não pode ser resolvida judicialmente, porque o direito considera que a prática que une as duas partes contraria os valores essenciais proclamados pela sociedade.

Não obstante, o Judiciário, em posição de vanguarda e sempre a procurar defender os mais fracos, tem reconhecido direitos às prostitutas, mesmo que indiretamente, como se constata no seguinte caso:

DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO - Restando provado que a autora laborava no estabelecimento patronal como dançarina, sendo revelados os elementos fático- jurídicos da relação de emprego, em tal função, não se tem possível afastar os efeitos jurídicos de tal contratação empregatícia, conforme pretende o reclamado, em decorrência de ter a reclamante também exercido a prostituição, atividade esta que de forma alguma se confunde com aquela, e, pelo que restou provado, era exercida em momentos distintos. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado no aforismo utile per inutile vitiari non debet (TRT 3a R. - RO 1.125/00 - 5a T. - Rela Juíza Rosemary de Oliveira Pires - DJMG 18.11.2000) (ST 141/63).

No caso acima, o vínculo empregatício não foi reconhecido pelo exercício da prostituição, mas, sim, pela atividade de dançarina desempenhada pela autora, embora as duas atividades estivessem intimamente ligadas. Nessa linha, também se vislumbram inúmeras decisões que consideram a existência de um processo de descriminalização social da figura penal relacionada à manutenção de casas de prostituição e agenciamento de prostitutas. Tais decisões revelam uma tendência favorável à regulamentação (Anexo D).

Quanto à aceitação social relativa à manutenção de casas de prostituição, embora a jurisprudência caminhe fortemente no sentido de não criminalizar tal conduta ainda vemos julgados em sentido contrário (Anexo E). A jurisprudência é vacilante. São vários os casos em que a moralidade prevalece diante da prática comumente aceite na sociedade, o que revela a imperiosa necessidade de regular a situação, seja para descriminalizar e reconhecer direitos, seja para proibir definitivamente e permitir a aplicação de leis severas, com vistas à extinção dessa prática.

Em razão do PL 4.211/12 e do debate atual no Brasil e a nível europeu, busco visualizar — com foco nas perspectivas discutidas no Capítulo 2 — a opinião dos magistrados trabalhistas. Proponho-me verificar como eles se posicionam sobre a temática e como veêm a prostituição perante a questão de ser ou não trabalho para fins de profissionalização e regulamentação. Nesse sentido, aponto as seguintes hipóteses: 1) juízes preconceituosos não aprovam a regulamentação da prostituição como profissão e consideram a atividade uma opção pessoal, razão pela qual entendem que não cabe ao Estado interferir no modo de vida escolhido; 2) dentre os juízes que consideram a prostituição um trabalho, todos são favoráveis à regulamentação; 3) dentre os juízes entrevistados, tanto os favoráveis quanto os desfavoráveis à regulamentação profissional da prostituição, acreditam que a regulação poderá reduzir o estigma e o preconceito com relação às prostitutas e promover uma maior aceitação social.

CAPÍTULO IV — METODOLOGIA