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A relação: professores com seus saberes e saberes experienciais

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2. OS SABERES DOCENTES NA RELAÇÃO ENSINO E APRENDIZAGEM

2.3 A relação: professores com seus saberes e saberes experienciais

Embora necessitem dominar e transmitir os saberes disciplinares e curriculares para bem exercer sua função, os professores mantêm uma relação de exterioridade com tais saberes. Isto acontece porque o corpo docente não é responsável pela definição nem pela seleção dos saberes que a escola e a universidade transmitem. Tais saberes já se encontram praticamente determinados em sua forma e conteúdo, por meio da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais, como os pesquisadores ligados a universidades, e incorporados à prática docente mediante os Parâmetros Curriculares Nacionais, as disciplinas, os programas escolares, os currículos, das matérias, os livros didáticos e os conteúdos a serem transmitidos.

Segundo Fiorentini (2001) há um distanciamento e estranhamento entre os saberes científicos praticados/produzidos pela academia e aqueles praticados/produzidos pelos professores em sua prática, ocasionados pela relação que os professores e acadêmicos mantém com estes saberes. Esta relação decorre de um tipo de cultura profissional marcada ora pela racionalidade técnica ao supervalorizar o conhecimento teórico em detrimento do prático ora por um pragmatismo praticistaou ativista que recusa a formação, bem como a reflexão teórica e filosófica.

A prática docente é vista então, como um processo de aprendizagem pelo qual os professores têm a possibilidade de aprimorar sua função anterior e adaptá-la à profissão, procurando conservar apenas aquilo que contribui para a resolução de problemas da prática educativa. Na medida em que os professores constroem os saberes da experiência no exercício da docência, todos os demais poderão ser retraduzidos por eles, na forma de habitus, ou seja, de um estilo pessoal de ensino, em “truques do ramo”, em traços de personalidade, que se expressam por um “saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano” (Tardif, 2005).

Tardif define a prática docente como

[...] um processo de aprendizagem profissional, uma vez que o ensino ocorre num contexto formado por vários tipos de interações, resultando em problemas teóricos e principalmente, problemas práticos que exigem dos professores “certa parcela de improvisação e de habilidade pessoal, assim

como a capacidade de enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis”. (TARDIF, 2005, p. 181).

Tanto a noção de saberes da experiência quanto de habitus fazem parte de um conjunto de elementos que estruturam a epistemologia da prática. A epistemologia da prática baseia-se no pressuposto de que a “prática profissional constitui um lugar original de formação e de produção de saberes pelos práticos”, uma vez que é portadora de condições e de condicionantes específicos que não podem ser reproduzidos de forma artificial, tanto em laboratórios de pesquisa quanto por meio da teoria ministrada pelas universidades (Tardif , 2005).

Nesta perspectiva, a prática docente para Ghedin (2005) “se torna o núcleo vital da produção de um novo conhecimento, dentro das práxis”, ou seja, os saberes experienciais e a cultura se erigem e se constituem como o centro do saber docente. A partir dele os procuram “transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relação à interioridade de sua prática”. Por conseguinte, os saberes experienciais são produzidos por meio da prática refletida, uma vez que a experiência docente consiste num espaço “gerador e produtor de conhecimento”. No entanto, para que isto seja possível deve haver um constante diálogo entre a teoria e a prática, ou seja, na ação e reflexão sobre a mesma é que se dá a construção de conhecimentos. Por conseguinte, faz-se mister formar um profissional crítico-reflexivo e investigador de sua prática haja vista que o desempenho da profissão também se constitui em oportunidades de intensa aprendizagem e formação.

Sob esse paradigma a teoria recebida na formação inicial deve articular-se às reais condições de exercício da profissão docente, assim como com sua evolução e construção nas últimas décadas. Por esta razão, para a formação de um profissional que saiba refletir sobre sua prática deve-se acrescentar a capacidade de inovação, o olhar crítico e a teoria que, devidamente ordenados, oferecem elementos que deem aos professores condições de “analisar as situações de ensino e as reações dos alunos, como também as suas, e capaz de modificar, ao mesmo tempo, seu comportamento e os elementos da situação, a fim de alcançar os objetivos e ideais por ele fixados” (Tardif, 2005).

Pelo fato de dar maior ênfase ao processo de aquisição/construção de saberes profissionais pelos professores durante o exercício da docência, apontou de forma mais específica os saberes experienciais, ou seja, aqueles saberes que os docentes são capazes de

construir quando desempenham sua profissão, “baseados em seu trabalho cotidiano e conhecimento de seu meio” (Tardif, 2005).

Tardif (2005) afirma que os saberes experienciais são formados por todos os demais saberes sendo retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência. Trata-se de um saber que possibilita ao professor organizar e conduzir o seu ensino de forma a possibilitar que o aluno aprenda, se tornando assim o sujeito do processo de ensino e aprendizagem. Na medida em que os professores constroem saberes ao longo do exercício da docência mostram que são portadores de uma capacidade que extrapola o simples papel de executores, mas que também podem conduzir o processo educacional visando à melhoria da qualidade da educação.

No entanto, Perrenoud (2002) diz que a experiência em si não produz saberes, e quando o trabalho docente se transforma numa rotina, não dá lugar para questionamentos e reflexões. Para ele, “a experiência só produz aprendizagem se estiver estruturada em conceitos, se estiver vinculada a saberes que a tornam inteligível e inserem-se em alguma forma de regularidade”. Neste caso, os saberes construídos a partir da experiência possuem a capacidade de guiar e refinar o olhar do professor durante a interação, de ajudá-lo a ordenar observações e relacioná-las a outros elementos do saber e a teorizar a experiência.

Perrenoud (2002) enfatiza que se o professor não receber uma formação que lhe dê a capacidade para relacionar os saberes teóricos a situações singulares que acontecem a todo momento na sala de aula, seu conhecimento apenas se resumirá a saberes didáticos e pedagógicos necessários para serem aprovados em exames, mas não conseguirá mobilizá-los em sala de aula e, desse modo, enriquecê-los por meio da experiência.

Gauthier (1998) relata que apesar da importância dos saberes para o desempenho do trabalho dos professores, as experiências vivenciadas por eles permanecem limitadas a cada da sala de aula. Por esse motivo, o saber da experiência pode ficar limitado a cada professor em particular, pelo fato de ser “feito de pressupostos e argumentos que não são verificados por meio de métodos científicos”. O autor ainda acrescenta o saber da ação pedagógica, definindo-o como

[...] o saber experiencial dos professores a partir do momento em que se torna público e que é testado através de pesquisas realizadas em sala de aula. Os julgamentos dos professores e os motivos que lhes servem de apoio

podem ser comparados, avaliados, pesados, a fim de estabelecer regras de ação que serão conhecidas e aprendidas por outros professores. (GAUTHIER, p. 1998).

Para que os saberes experienciais possam ser reconhecidos, torna-se imperativo que os professores “manifestem suas próprias ideias sobre os saberes curriculares, das disciplinas, e, sobretudo, sobre sua própria formação profissional”, submetendo seus saberes da prática cotidiana e da experiência vivida a um reconhecimento por parte dos outros grupos produtores de saberes, impondo-se assim como “produtores de um saber originado em sua prática e sobre o qual poderiam reivindicar um controle socialmente legítimo” (Gauthier, 1998).

Os estudos sobre os saberes docentes se constituem numa possibilidade de se analisar os processos de formação e profissionalização dos professores, se inserindo no movimento internacional das reformas pela profissionalização, objetivando revelar os saberes que os docentes têm produzido em seu contexto de trabalho.

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