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A relação significado e significante e o sujeito

Só se pode, verdadeiramente, dominar o signo, segui-lo como um balão no ar, com certeza de reavê-lo, depois de entender completamente a sua natureza, natureza dupla que não consiste nem no envoltório e também não no espírito, no ar hidrogênio que insufla e que nada valeria sem o envoltório (SAUSSURE, 2002, p. 102-103).

No capítulo anterior, observamos a teoria do signo do ponto de vista das diferenças, do sistema que cada signo guarda em si, razão pela qual ele só existe enquanto positivo por meio da reunião de diferenças. Chegamos, assim, à pergunta: o que une estas diferenças, o que faz o signo ser como um balão no ar, como Saussure comparou na citação acima?

Novamente, observaremos a citação que nos aponta para uma não anterioridade total dos signos e dos valores:

Aqui, ao contrário, é muito crítico começar a falar da diversidade do signo na IDÉIA una em vez de falar de sua diversidade no emprego uno ou significação una [...]: porque isso é cair no erro de acreditar que haja, anteriormente estabelecidas, quaisquer categorias ideais em que aconteçam depois, secundariamente, os acidentes do signo (SAUSSURE, 2002, p. 51, grifos do autor).

Em resumo, a língua não se apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão, dos quais bastasse estudar as significações e a disposição; é uma massa indistinta na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os elementos particulares (SAUSSURE, 1996, p.

120).

Essas palavras levam-nos a pensar que um signo só existe no momento de seu emprego ou por meio de um sujeito falante que o emprega. Para Saussure, é um erro acreditar que existam categorias ideais antes do signo: eles são “acidentes”, só existem no momento em que são empregados. A cada momento, ao falar, um sujeito comete um “acidente”. Isso resulta num sistema cuja complexidade impede qualquer definição simplista do que seria o signo que se faz no momento do corte, e este corte não está no passado, mas é realizado a todo o momento em que um signo é empregado por um sujeito falante, pois os signos não estão delimitados de antemão, mas é a atenção e o hábito de um sujeito falante que delimitam os signos no momento em que os empregam.

No fato puramente diferencial, repousa o que o professor designa de “realidade da língua”, mas, para que a língua “funcione”, é necessário que as diferenças sejam reunidas em um ponto de vista positivo. Vejamos novamente a citação, agora atentos ao modo como as diferenças são reunidas:

A primeira expressão da realidade seria dizer que a língua (ou seja, o sujeito falante) não percebe nem a idéia a, nem a forma A, mas apenas a relação a/

A; essa expressão seria, ainda, completamente grosseira. Ela só percebe, na verdade, a relação entre as duas relações a/AHZ e abc/A, [...]. É isso que chamamos de QUATÉRNION FINAL e, considerando o quatro termos em suas relações: a tripla relação irredutível. É, talvez, sem razão que renunciamos a reduzir essas três relações uma só; mas nos parece que essa tentativa começaria a ultrapassar a competência do lingüista. [...] Observa-se que não há, portanto, nenhum ponto de partida nem qualquer ponto de referência fixo na língua (SAUSSURE, 2002, p. 39-40).

Observamos, no capítulo anterior, a Quatérnon Final de Saussure como a constituição do signo teorizado por ele, e, desse modo, diferente do signo estóico. Mas agora devemos nos ater à primeira frase da citação: “a primeira expressão da realidade seria dizer que a língua (ou seja, o sujeito falante) não percebe nem a idéia...”. De faeto, parece que

Saussure nos diz que é o sujeito falante que percebe as diferenças e as reúne sob um ponto de vista positivo: o signo.

Mas observamos também que o som, ou a impressão acústica, não está ligado por um vínculo de complementaridade com o significado. Assim, a questão ainda reside no que conduz a essa união. A resposta talvez esteja nestas palavras escritas pelo professor:

Chama-se figura vocal que é determinada para a consciência dos sujeitos falantes. (A segunda menção é, na realidade, supérflua, porque nada existe além do que existe para a consciência; então, se uma figura vocal é determinada, ela o é imediatamente) (SAUSSURE, 2002, p. 47, grifos do autor).

A questão sobre o que une o signo está centrada numa questão sobre qual é a relação do sujeito com os signos que ele fala. É significativo que o professor tenha usado a consciência dos sujeitos como pedra de toque, como prova final não só da perspectiva sincrônica, como observamos acima, mas também da existência do signo, que nada é se não há quem o coloque no ar. Talvez por isso, por fixar sua teoria na consciência do sujeito, que Saussure diga que “nos parece que essa tentativa começaria a ultrapassar a competência do lingüista” (SAUSSURE, 2002, p. 40).

Apesar de não haver um só ponto de apoio fixo na língua ou na linguagem,

“nenhum ponto de partida evidente”, o professor se apóia na consciência dos sujeitos para definir as unidades da língua. O sujeito reúne diferenças e dão a estas um caráter positivo, vejamos as palavras do professor:

Parece-me que se pode afirmar, propondo para a consideração, o seguinte:

jamais se compreenderá o suficiente da essência puramente negativa, puramente diferencial, de cada um dos elementos da linguagem, aos quais atribuímos, precipitadamente, uma existência: não há nenhum deles, em nenhuma ordem, que possua essa suposta existência – embora talvez, eu admito, somos desafiados a reconhecer que sem essa ficção o espírito seria literalmente incapaz de dominar uma tal quantidade de diferenças, em que não há, em parte alguma, em momento algum, um ponto de referência positivo e firme (SAUSSURE, 2002, p. 61, grifos do autor).

Assim, o lugar da palavra, a esfera que ela adquire uma realidade, é puramente o ESPÍRITO, que é também o único lugar em que ela teria seu sentido: pode-se, depois disso, discutir para saber se a consciência que temos da palavra difere da consciência que temos de seu sentido (SAUSSURE, 2002, p. 76, grifos do autor).

A citação acima nos diz que natureza é “puramente diferencial”, mas

“atribuímos, precipitadamente, uma existência” ao que, na verdade, não existe enquanto

elemento positivo. É por meio de uma “ficção” que o “espírito” pode “dominar uma tal quantidade de diferenças, em que não há, em parte alguma, em momento algum, um ponto de referência positivo e firme” (SAUSSURE, 2002, p. 61). Nestas palavras de Saussure, percebemos que é o sujeito quem “cria”, por meio de uma “ficção”, uma positividade, ao reunir diferenças que são puramente negativas num sistema que não possui um ponto de referência fixo porque suas unidades são puramente negativas.

Na segunda citação, observamos que o lugar em que a palavra adquire realidade é a consciência, ou o espírito. Assim, é no sujeito que a palavra passa a ser real, passa a existir como realidade concreta por fazer uso dessas diferenças.

O signo é comparado por Saussure a um balão no ar: mas “o balão, por sua vez, nada é” (SAUSSURE, 2002, p. 103), nos diz o professor; ou seja, o signo nada é sem que exista alguém que o perceba como realidade. Esses valores só existem baseados na consciência de sujeitos falantes, pois os sujeitos percebem apenas as diferenças, ou seja, só há consciência dos valores.

Isso coloca o sujeito como aquele que percebe os valores, mudando a questão da dicotomia para a questão de um sistema dialético, extremamente complexo, “deslizante”, como nos ensina o professor, que permite perceber o sujeito no movimento desse sistema. As consequências dessas constatações não são calculáveis inicialmente. A primeira consequência, talvez, que se coloca diante de nós, é que um sistema baseado na percepção de sujeitos, que se forma a cada momento em que se fala, não pode ser homogêneo ou parado, um sistema assim não pode ser fechado, pronto e acabado, mas é um sistema plural, em constante movimento de mudanças e transformações que caminham lentamente, dia-a-dia, mediante o fator social da língua que a “condena” a ser sempre transmitida.

Longe de ser uma abstração, o professor fundamenta as unidades do sistema linguístico na consciência dos sujeitos, isto é o que dá permissão para falar de signos como um fato da realidade. Nada nos é mais concreto do que aquilo que podemos perceber. Essa ideia de sujeito é importante para o movimento que esta tese intenciona, não apenas olhar o sujeito falante que emprega os signos, mas também um sujeito que, sem intenção ou uso da razão, reúne fatos negativos e permite que eles existam como fatos positivos.

Essas rápidas considerações da reflexão do professor nos levam a colocar o sujeito como aquele que coloca o signo no ar, ou seja, lhe confere vida semiológica. E esta força vital, o ar em que o balão desliza – nos ensina Saussure – está na capacidade de ele ser transmitido, ou seja, repousa no fato social de que a língua é compartilhada.

Agora nos deteremos na teoria dos valores como lugar em que o sujeito pode ser percebido no sistema saussuriano de língua.