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CAPÍTULO II – Fundamentação Científico-Pedagógica

2.6. A relevância dos Conhecimentos Prévios

A autonomia que os alunos-leitores demonstram em relação às suas preferências no âmbito da leitura também se verifica quando estes decidem quais os conhecimentos que devem ser mobilizados para auxiliar a interpretação de textos. Por essa razão, é nossa convicção que a intervenção na esfera dos conhecimentos prévios não só se torna muito enriquecedora para o desenvolvimento da leitura como, também, reafirma a essência da instituição escolar quando o aluno é considerado um dos principais agentes na construção do seu próprio conhecimento.

Como referido, o conceito de labirinto, do mito de Ariadne e Teseu, forneceu o mote para determinar quais seriam os contornos da intervenção pedagógica nas áreas do Português e das Línguas Clássicas. Numa primeira abordagem, o conceito de labirinto pode apontar para uma relativa confusão visto que se trata de um conjunto de caminhos sinistros e para os quais o indivíduo necessita de encontrar a sua saída. Neste sentido, a simbologia do fio que Ariadne entregou a Teseu pode muito bem ser equiparada à “ideia de que ler é um ato interpretativo que consiste em saber guiar uma série de raciocínios até à construção de uma interpretação da mensagem escrita, a partir tanto da informação que o texto proporciona como dos conhecimentos do leitor” (Colomer, 2003, p. 165). Precisamente, o objetivo da intervenção procurou contrariar a incapacidade que os alunos-leitores demonstram perante a organização e a seleção de conhecimentos prévios necessários no acesso à compreensão dos textos, isto é, a metáfora da saída do labirinto.

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A incapacidade acima mencionada surge porque os alunos-leitores nem sempre conseguem ativar oportunamente os conhecimentos prévios para o ato interpretativo em que estão envolvidos. Portanto, os conhecimentos adquiridos através da leitura rapidamente caem no esquecimento dos alunos porque não são devidamente valorizados. Os textos encontram-se repletos de informação preparada para ser processada; logo, a ‘responsabilidade do leitor’ consiste em estabelecer as correspondências necessárias para atingir a compreensão dessa informação e preencher os espaços ‘vazios’ encontrados ao longo dos textos. Não é novidade alguma se afirmarmos que o interveniente principal da interpretação é o leitor visto que o texto apenas se encontra “entretecido de espaços em branco, de interstícios a encher” (Eco, 1979, p. 55). Assim, os conhecimentos adquiridos nos textos tornam-se mais significativos e duradouros se existir uma relação profícua com os conhecimentos já presentes nos esquemas mentais dos alunos-leitores.

O processo de mobilização de conhecimentos aquando da leitura não possui a devida consciencialização em atividades desenvolvidas na sala de aula porque, normalmente, “a arte de ler é uma arte esquecida, interiorizada, reduzida a operações automatizadas em redes de neurónios inacessíveis” (Morais, 1997, p. 11). Torna-se possível concluir, então, que a leitura em sala de aula não é propriamente desenvolvida e limita-se, muitas vezes, a interpretações subtis dos textos que permitem com que o professor alcance os objetivos programáticos. De qualquer forma, os conhecimentos que vagueiam no sistema cognitivo dos alunos-leitores necessitam de ser constantemente problematizados e os próprios programas curriculares são o reflexo dessa mesma necessidade de “mobilizar os conhecimentos prévios” (Seixas et al., 2002, p. 55). Neste sentido, o objetivo do projeto também passou por consciencializar os alunos quanto à necessidade de desempenharem uma postura ativa na utilização de estratégias direcionadas para a mobilização de conhecimentos, visto que se pretende que “o aluno se torne progressivamente mais consciente dos saberes e estratégias de leitura que já possui e de como pode mobilizá-los para aumentar a sua eficácia enquanto leitor crítico” (Reis, 2009, p. 146). Os alunos devem ‘investigar’ as relações que estabelecem com o texto e fortalecer as ‘pontes’ que se criam com os seus conhecimentos prévios.

As chamadas ‘pontes do conhecimento’ não são mais do que elos de ligação que o leitor estabelece com o texto. O ato de ler não se traduz em raciocínios estáticos na nossa memória, “o significado é construído enquanto se lê, mas também é reconstruído, uma vez que devemos acomodar continuamente nova informação” (Goodman, 1990, p. 19). Assim, a capacidade dos

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textos atualizarem o nosso conhecimento é extremamente benéfico para uma seleção cuidada da informação a reter. Os pensamentos ‘armazenados’ em cada indivíduo correspondem a um fluxo constante de verificação partindo do princípio de que “nenhum texto é lido independentemente da experiência que o leitor tem de outros textos” (Eco, 1979, p. 86). Os conhecimentos prévios são o ponto de partida para uma reflexão sobre a autenticidade do conhecimento que se gera no momento da leitura, e é assim, também, que “ao lermos, continuamente construímos representações ou interpretações com base nas quais especulamos e formulamos hipóteses sobre o que pode acontecer a seguir, mantendo ou retificando as interpretações do que ficou para trás à luz do que lemos agora” (Castro & Dionísio, 1998, p. 58). Esta intervenção procurou que os alunos adquirissem um espírito crítico em relação à prática de leitura e que não a considerassem como um exercício mecânico e irrefletido na aprendizagem.

A preponderância deste Projeto de Intervenção não se encontra apenas relacionada com a capacidade de o aluno-leitor ativar o maior número de conhecimentos prévios a fim de rentabilizar o exercício interpretativo; a relevância do projeto justifica-se ainda mais se partirmos do princípio de que a “compreensão na leitura não pode dar-se, se não houver nada com que o leitor possa relacionar a nova informação fornecida pelo texto” (Giasson, 1993, p. 27). Assim, a intervenção foi desenvolvida preservando a ideologia de que a “profundidade de compreensão é um dos grandes pilares que suporta a eficácia desta competência” (Sim-Sim, 1997, p. 27). O interesse do projeto não se centrou, então, no número de textos a que os alunos tiveram acesso mas antes na profundidade com que estes descobriram as suas potencialidades cognitivas e linguísticas.

Contudo, os textos não se revelaram os únicos meios para desenvolver a competência de leitura. A criação de estratégias diversificadas pautou a planificação das aulas e essa postura possibilitou potenciar a mobilização de conhecimentos prévios através de conceitos, de imagens, ou até mesmo de palavras e/ou expressões. Desta forma, o capítulo que se segue apresenta todas as atividades que foram desenvolvidas na disciplina de Português e na Oficina de Latim com o intuito de alcançar o sucesso pedagógico-investigativo deste Projeto de Intervenção.

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