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A representação cultural por meio do léxico

No documento Domínios de (páginas 120-123)

Cultura, cognição e uso: Aspectos de análise das expressões cromáticas fraseológicas e paremiológicas

2. A representação cultural por meio do léxico

O conceito contemporâneo de cultura define-se pelo comportamento e pelo que ele significa dentro de uma dada comunidade, concepção que leva a entender que a cultura é algo que pertence a todos e que ao mesmo tempo age como contraponto à universalidade, uma vez

que diferentes grupos sociais possuem diferentes culturas. Nesse contexto, a língua é o sistema simbólico que possibilita a sua expressão.

Os estudos linguísticos que enfatizam a relação entre língua e cultura têm uma longa tradição. A hipótese de Sapir-Whorf, por exemplo, formulada nos anos 30 pelo linguista e antropólogo americano Edward Sapir e pelo seu discípulo Benjamin Lee Whorf, já atentava para essa relação entre língua, percepção do mundo e interpretação do mesmo, argumentando que a forma como pensamos e agimos é influenciada pela língua que falamos.

Nas palavras de Sapir (1949 apud KUMARAVADIVELU, 2008), as línguas não apresentam similaridades suficientes ao ponto de representarem a mesma realidade social, isso porque nossas escolhas na produção e na interpretação são justificadas por nossos hábitos linguísticos. O estudioso enfatizava que a língua age como formadora da identidade, além de influenciar e ser influenciada pelo comportamento social. Para Whorf (1956), o sistema linguístico presente nas nossas mentes reflete as impressões que temos do mundo que nos cerca, delineando, organizando em conceitos e atribuindo significados que serão reproduzidos nos discursos.

É justamente o discurso que desponta nos estudos recentes que envolvem a temática da relação entre língua e cultura. Para Kramsch (2010), o discurso é visto como algo que oferece várias formas de se produzir significado por meio de um sistema simbólico, isto é, a língua, histórica e socialmente localizada nos discursos, articuladora dos sentidos até então inexistentes. Sem dúvida, os discursos são uma forma de organizar sentidos, de acordo com as possibilidades fornecidas pelo sistema, por meio dos quais nos posicionamos e sustentamos nossos interesses.

Estudiosos do léxico têm defendido que é nesse nível de análise em que a realidade de uma cultura está mais expressa, pois muitos dos itens lexicais que compõem o léxico de uma língua se caracterizam por refletir as experiências de um povo adquiridas no decorrer de sua história, perpetuando seu modo de pensar e a sua visão do mundo. Ademais, à medida que a sociedade vai se modificando através do tempo, também seu léxico se modifica para expressar a vivência desse povo. Assim, a percepção pela sociedade e seu repertório lexical estão em perfeita interação, refletindo um ao outro.

Dentre as diversas fatias em que o léxico pode ser dividido, recebe destaque na expressão da cultura e da identidade as unidades fraseológicas e as parêmias, pois é através delas que

(...) as singularidades de uma língua e a maneira de pensar de uma comunidade melhor se refletem, pois as unidades que a compõem descrevem o mundo real, as experiências quotidianas, o colorido e a sabedoria de um povo, tornando-se num importantíssimo veículo de identidade e de cultura (ÁLVAREZ, 2012, p.11).

Tomemos como exemplo a locução comer com farinha, que significa que alguém adora ou tem prazer em comer algo e que também remete ao hábito do brasileiro de compor suas refeições com farinha. Dessa locução deriva a expressão idiomática X não bebe, come com farinha, que expressa o prazer do brasileiro por bebidas alcoólicas, sobretudo pela cerveja.

As experiências cotidianas são frequentemente retratadas nos provérbios que representam linguisticamente uma moral comum para a comunidade que o emprega. Citamos como exemplo Cana na fazenda dá pinga; pinga na cidade dá cana, que remete em primeiro plano aos engenhos de pinga, bebida típica brasileira, localizados em áreas rurais, e em segundo, à ideia de que a pessoa quando bêbada acaba por se meter em confusão e, consequentemente, é presa.

Outro bom exemplo de unidade fraseológica que espelha o mundo real em que o falante se insere é a expressão idiomática É pra acabar com o pequi de/do Goiás. Pequi é uma planta nativa da região centro-oeste do Brasil e extremamente comum, cujo fruto é muito utilizado na culinária pelos habitantes dessa região. Tal expressão exprime a ideia de algo absurdo ou uma situação inesperada. São formas derivadas: É pra acabar com o pequi; e é pra acabar.

Ainda segundo Álvarez (2012), o uso das unidades fraseológicas e das parêmias é consolidado pelo movimento sócio-histórico e cultural de uma sociedade que conduz as escolhas de um indivíduo não apenas na produção discursiva, como também na sua compreensão em contextos determinados. Exemplificamos com a expressão só que não, amplamente utilizada nas redes sociais recentemente para contrariar uma afirmação. Por exemplo, Dia lindo, só que não (isto é, o dia não está lindo, ao contrário, está cinza, chuvoso, frio). Assim, cabe ao indivíduo ter a competência metafórica e, acima de tudo, extralinguística para identificar os elementos subentendidos, característicos dessa parte do léxico, para decodificar a mensagem, tarefa esta nem sempre fácil de realizar.

Por fim, reafirmamos que tais unidades lexicais compreendem uma parte do léxico que mais representa a cultura e a história de um povo, por isso a importância de seu estudo, da elaboração de metodologias adequadas que propiciem sua presença em obras de referência, tais como os dicionários mono e bilíngues, de modo a auxiliar no ensino de línguas e na prática

tradutória. Nas próximas linhas, discorremos sobre a idiomaticidade e o conteúdo metafórico das unidades fraseológicas e das parêmias.

3. Idiomaticidade e metáfora na construção das unidades fraseológicas e das parêmias

No documento Domínios de (páginas 120-123)

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