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A representatividade de sujeitos Surdos no Brasil

CAPÍTULO I Discutindo a integração

1.3 Representatividades do sujeito Surdo

1.3.2 A representatividade de sujeitos Surdos no Brasil

Surge, no Brasil, como uma das possibilidades da educação especial, vinculada, como já observamos, à educação de um modo geral, mas de modo assistencialista, com viés clínico, de correção de uma deficiência e não como diferença, como característica. Reconhecemos, portanto, especificidades (educação de surdos e educação especial) sem nos afastarmos da origem (educação como um todo).

Quando tratamos da questão da educação institucionalizada, fazemos referencia a influência que esta tem sobre a vida dos surdos de modo mais abrangente, bem como das demais pessoas. Pois, se todos ou alguns, por mais ou menos tempo passam ou não por ela e nela, conforme pesquisas comprovam a educação para alunos surdos ocorre de maneira precária. A educação é um dos fatores que influenciam diretamente em qualquer outra atividade que se queira desenvolver.

40 Fernandes (2011) utiliza Surdos com “S” maiúsculo, por ser desta maneira que se diferenciam os

surdos que incorporam e valorizam as lutas da comunidade Surda. Os surdos que teoricamente não se identificam como tais e se consideram mais próximos dos modelos de ouvintes, seriam surdos, com s minúsculo.

No entanto, a educação de surdos, no Brasil, apresenta algumas distinções que merecem destaque. A maioria das explicações sobre a surdez emerge dentro de um modelo clínico. Mas não se pode negar que uma transformação está em andamento, esta diz respeito ao respeito à pessoa surda e suas características. Teóricos afirmam que

Historicamente se sabe que a tradição médicoterapêutica influenciou a definição da surdez a partir do déficit auditivo e da classificação da surdez (leve, profunda, congênita, pré-lingüística, etc.), mas deixou de incluir a experiência da surdez e de considerar os contextos psicossociais e culturais nos quais a pessoa surda se desenvolve; é justamente destes aspectos, dentre outros, que os Estudos Surdos passam a se ocupar. (SÁ, 2006, p.67)

A mesma autora salienta ainda que

Uma pessoa surda é alguém que vivencia um déficit de audição que impede de adquirir, de maneira natural, a língua oral/auditiva usada pela comunidade majoritária e que constrói sua identidade calcada principalmente nesta diferença, utilizando-se de estratégias cognitivas e de manifestações comportamentais e culturais diferentes da maioria das pessoas que ouvem. (id.)

Isso denota que a pessoa surda percebe o mundo de sua própria maneira. Ainda que não sejam as maneiras percebidas pelos ouvintes, são maneiras específicas de um grupo que cria vínculos característicos, mesmo vivendo em lugares e comunidades diferentes no mundo e que nunca tenham se encontrado, ainda que utilizem línguas sinalizadas diferentes. Ao perceber o mundo de sua própria maneira, necessita de uma educação que a atenda, para assimilar os conteúdos historicamente acumulados e não somente estar em sala de aula sem participar ativamente do processo de ensino- aprendizado.

Assim sendo, não há aqui a invenção de um grupo novo, este grupo, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, carece de uma educação que evidencie a sua diferença e não a sua deficiência. Não utiliza a mesma língua no sentido de compreendê-la como "o esperanto sinalizado.” 41 Em cada local no mundo, existe a língua sinalizada, e elas se mantêm vivas e atualizadas, uma vez que não morrem, apesar de todas as dificuldades. Na verdade, por trás de uma história na qual se glorifica o abade L’epée e seus sucessores está o início das práticas de agrupamento de surdos em instituições, primeiramente chamadas de asilos e, depois, escolas. A história da perspectiva dos benfeitores destaca pessoas e feitos, mas esconde a prática social de colocar à margem os diferentes e asilá-los. (id., p.72)

41 Apenas um trocadilho com a língua Esperanto que é um pensamento de unificação de todas as línguas

Essas histórias continuam a ser (re) editadas com diferentes níveis de intensidade, veladas ou declaradas. Pois, afinal,

A surdez, como identidade cultural, perturba alguns: a modalidade "linguisticamente visual" (a língua de sinais) que os surdos utilizam ameaça âncoras de entendimento da linguagem, e sua confrontação gera consequências, como: as imprescindíveis mudanças nos objetivos educacionais, o desalojamento de posições de educadores ouvintes e incentivo para a formação e colocação de professores surdos e as obrigações estatais decorrentes, a providência de intérpretes de língua de sinais nos locais públicos etc. (SÁ, 2006, pp. 73-74)

Percebe-se que, na grande maioria dos casos, talvez seja mais fácil negar que exista uma diferença cultural, pois, não fosse assim, haveria outras consequências. Consequências estas que não foram produzidas pelos surdos. Os surdos e suas comunidades sempre esperaram ser reconhecidos, mas ficaram esquecidos e à margem. Esta marginalidade, na verdade, lhes propiciou exatamente o reforço de sua cultura e da língua de sinais. Ficou latente, à medida que se encontravam e se percebiam iguais. Os surdos que, antes, eram isolados em asilos, hoje, parecem isolados dentro de suas classes escolares, nas poltronas de seus lares com transmissões sem língua de sinais, na geração de caracteres para um público que não recebeu formação para o uso da língua de portuguesa.

Supõe-se que foi, e é, uma tentativa de produzir surdos aceitáveis por meio de aproximá-los obrigatoriamente da língua oral. Não se nega a necessidade da aproximação com a língua oral seja positiva, mas ela precisa emergir de uma demanda da própria comunidade surda, que, no avançar de suas expectativas, na valorização desses sujeitos, entendendo-se como tais. Percebe-se, pelo que pudemos observar nos momentos em que atuamos em sala de aula, que os surdos menos caracterizados como tais são mais valorizados, mais bem aceitos. Por exemplo, a fala de uma professora de educação de jovens e adultos no ensino médio,

Nossa eu gosto deste menino ele se esforça mais que os outros, por causa dele eu acredito na educação de surdos. Os outros têm uma preguiça imensa. Não produzem, não participam, não fazem tarefas. As respostas nas provas a gente não entende nada.42

42 O autor atuou e atua como Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais, na oportunidade, foi

esclarecido à professora que o surdo de que ela gostava mais era também o que mais se aproximava do modelo normal (o ouvinte), pois era parcialmente oralizado. Há outro agravante. Nem sempre os Tradutores Intérprete de Libras têm o conhecimento suficiente para orientar aos professores, e isso faz parte de sua função profissional, e, em alguns casos, mesmo tendo consciência, não têm disposição para tal, quando não acaba por concordar com o professor, que desconhece a natureza e cultura surda, o que ainda é pior.

PARO (2010) alerta para detalhes relevantes do processo educacional, quando diz que, numa suposta educação democrática, há exclusivamente um modo de poder, exercido pelo professor dentro de seu processo pedagógico: a persuasão. Persuadir, neste sentido, ocorre por meio do diálogo. Reconhecer, assim, que a educação é sempre uma possibilidade, não uma certeza, bem como que não se pode fugir do entendimento de que a educação se fundamenta na condição da formação de seu produto: educando como sujeito. Quais seriam, então, as possibilidades de se efetivar a construção deste sujeito ouvinte ou surdo dentro das perspectivas apresentadas até o momento na educação? De onde vêm as ideias? Os documentos oficiais trazem que concepções?