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6 EFEITOS DA SÚMULA NA TUTELA DO CONSUMIDOR: A INCIDÊNCIA

6.5 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FORNECEDORES

Segundo o novo entendimento sumulado do STJ, as entidades de autogestão não se constituem como fornecedoras, ainda que exerçam as atividades típicas de prestadoras do serviço de assistência privada à saúde. Deste modo, a responsabilidade por práticas de atos ilícitos será disciplinada exclusivamente pelo Código Civil, no qual se encontra estabelecido que o reconhecimento da responsabilidade do agente que praticou ato ilícito tem como requisito a demonstração de culpa, bem como ela esta limitada àquele que causou o dano153, como regra, sendo a responsabilidade objetiva prevista de forma excepcional. 154 Desta forma, a disciplina da responsabilidade no âmbito do direito do consumidor, que possui o mérito de ter trazido “meios de alforriar a vítima da prova de culpa, não só porque essa prova via de regra constituía obstáculo intransponível, mas também porque existem hipóteses de dano que

151 PICORELLI, Luis Fernando. Repercussões da decisão do STJ que afastou o CDC sobre as operadoras de planos de saúde na modalidade de autogestão. Jusbrasil, Salvador, 2016. Disponível em: https://luizpicorelli.jusbrasil.com.br/artigos/357837433/repercussoes-da-decisao-do-stj-que-afastou-o-cdc- sobre-as-operadoras-de-planos-de-saude-na-modalidade-de-autogestao. Acesso em: 05 nov. 2018.

152GAULIA, Cristina Tereza. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista da

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 4, n. 13, p. 95, 2001. Disponível

em: http://www.emerj.rj.gov.br/revistaemerj_online/edicoes/revista13/revista13_88.pdf. Acesso em: 10 nov. 2018.

153 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. Saraiva, 2009. p. 83.

154 NOVAES, Humberto Pollyceno. Diferenças essenciais entre responsabilidade civil e responsabilidade civil consumerista. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 15, n. 99, abr. 2012. Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11318. Acesso em: 01 dez. 2018.

não permitem a imputação de culpa a uma pessoa (...)”155, foi excluída do universo dos usuários de planos de autogestão.

No Código Civil, em seu art. 186, a culpa está estabelecida como fundamento da responsabilidade, indicando tanto a culpa em sentido estrito como o dolo, de maneira que a vítima pode obter a reparação do dano se provar a culpa do agente.156 Entretanto, esta lei também consagrou a responsabilidade de natureza objetiva, quando fundamentada em abuso de direito, fato do serviço e produto, fato de outrem, fato da coisa, prestação de serviço público.157 O parágrafo único do art. 927, do Código Civil, estabelece que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nesse sentido, o art. 931, da mesma lei, prevê que os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Em contrapartida, os arts. 12 a 17, do CDC, dispõem sobre a responsabilidade dos fornecedores pelo fato do produto ou serviço, ou seja, sobre o dever de reparação que surge quando o consumidor é violado por um dano provocado por um produto ou serviço. O modo como foi tratada pelo CDC tem como objetivo a superação da dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual, uma vez que o fundamento da responsabilidade civil do fornecedor passa a ser o vínculo jurídico representado pela relação de consumo, seja contratual ou não. Desta forma, ficou estabelecido um regramento mais apropriado para estes vícios de qualidade por insegurança, os quais expõem a desconformidade do serviço com as legítimas expectativas dos consumidores, bem como uma potencialidade danosa superior a periculosidade inerente e esperada.158

O legislador consumerista acolheu a teoria do risco criado para fundamentar o regramento da responsabilidade dos fornecedores, pois estes devem assumir todos os riscos nascidos do exercício de sua atividade, de modo que fica assegurada a proteção do consumidor contra danos causados por produtos e serviços disponibilizados. Nesse sentido, os direitos básicos elencados no CDC produzem diversos deveres a serem observados pelos fornecedores, como o dever de não oferecer produtos e serviços que acarretem riscos à saúde

155 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 85. 156 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 18. 157 Ibid., p. 170.

158 BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

e segurança dos consumidores, e a responsabilidade civil origina-se do descumprimento destes. A responsabilidade com culpa, amplamente difundida no direito privado, não se mostrou suficiente quanto aplicada às relações de consumo, seja pela dificuldade em comprovar a culpa do fornecedor, seja pela complexidade da cadeia de produção do bem ou prestação do serviço.159 Desta forma, a responsabilidade estabelecida no CDC é fundada no dever de segurança do fornecedor, conforme assevera Sergio Cavalieri Filho160, de maneira que “a responsabilidade objetiva, que era exceção em nosso Direito, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria responsabilidade subjetiva”.

No que se refere aos planos de saúde, ao verificar a essencialidade do bem jurídico objeto do contrato firmado entre estes e seus usuários, há uma legítima expectativa de segurança por parte destes, a qual, se violada, ensejará a responsabilidade por fato do serviço. Pela redação do art. 14, do CDC, a responsabilidade da operadora, que é fornecedora de serviço, está dissociada da configuração de culpa, de maneira que é suficiente o nexo causal entre o atendimento médico defeituoso e o dano. E tal preceito é aplicável independente do local onde a prestação do serviço danoso tenha se dado, seja em hospital e clínica da própria operadora, seja em estabelecimentos por ela contratados, nas redes credenciadas ou conveniadas. Quanto à responsabilidade dos médicos, isoladamente é considerada de caráter subjetivo, entretanto, as operadoras podem ser impelidas a reparar o dano, tendo em vista a responsabilidade solidária entre eles.161

Em atenção ao princípio da proteção do consumidor, ficou consagrada no CDC a responsabilidade solidária de todos os fornecedores, permitindo ao sujeito prejudicado voltar- se contra todos os envolvidos na cadeia de prestação do serviço.162 Isso porque a legislação consumerista buscou ampliar o “leque de opções subjetivas do dever de indenizar”, uma vez que a todos estes é imposto o dever de segurança, a consequência lógica é que todos são responsáveis pelo defeito do serviço comercializado, assim como por suas consequências. Com isso, caberá aos fornecedores entre si o ajuizamento de ações regressivas contra aquele que efetivamente causou o defeito.163

159 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 86-88. 160 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 18. 161 BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde: comentada

artigo por artigo, doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 337. 162 ALMEIDA, op. cit., p. 101.

163 BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

Frise-se que o usuário de plano de saúde não tem conhecimento técnico suficiente para comprovar a conduta ilícita da operadora, dependendo da inversão do ônus da prova, para que seja imposta à parte que detém o monopólio informacional a demonstração de ausência de prática de ato lesivo, e também é esta a condição de usuário de plano operado por entidade de autogestão.164 A partir do momento que a inversão do ônus da prova já se tornou de difícil aplicação para este, que passou a ser colocado em pé de igualdade com a prestadora do serviço médico, a sua proteção jurídica resta ainda mais fragilizada com o afastamento da responsabilidade solidária das autogestões, mantenedoras, patrocinadoras, etc, envolvidas no exercício da atividade de assistência à saúde, tendo em vista que resultará em um novo acréscimo ao ônus probatório que recairá sobre o sujeito que teve seus direitos violados.

Assim sendo, o plano de saúde, na condição de fornecedor de serviços, deve ser responsabilizado objetivamente, isto é, independente da ocorrência de culpa, quando prestar assistência à saúde de forma defeituosa, violando o dever de segurança e causando danos ao consumidor, bem como deve ser acionado de forma solidária com os demais envolvidos na cadeia de prestação do serviço. Em sua defesa, o plano apenas poderá alegar que não é responsável pelo fato lesivo, ou seja, que não prestou o serviço, ou que o defeito inexiste, sendo irrelevante a alegação de ausência de culpa ou dolo165. Por outro lado, para obter a reparação, o consumidor lesado deve demonstrar a conduta ilícita do fornecedor, qual seja a comercialização de serviço inadequado, a relação de causalidade deste ato com o resultado danoso sofrido, e por fim o prejuízo que lhe foi acometido166. Esta reparação, na forma do CDC, deve ser integral, abarcando todos os danos sofridos pelo usuário do serviço, seja de natureza patrimonial ou moral.167 Além disso, nos termos do CDC, esta responsabilização decorre de força de lei, de modo que não é necessária previsão de garantia contratual para que seja exigível.168

Dentre os danos patrimoniais sofridos por usuários de planos de saúde, é possível citar despesas com tratamentos, procedimentos, matérias e equipamentos, nas hipóteses de erro médico, ou quando o plano indefere a realização ou utilização destes, cabendo ao paciente arcar diretamente com este ônus, para salvar sua vida, compreendem-se nesta categoria ainda os custos relacionados com adaptações necessárias com eventuais sequelas decorrentes do

164 THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 120. 165 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 89. 166 Ibid., p. 91.

167 BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 187-188.

defeito na prestação do serviço, como aparelhos de respiração, cadeiras de rodas, ou até mesmo, equipamentos de higiene pessoal. Os danos morais, por sua vez, deverão ser suficientes para suavizar o sofrimento da vítima, bem como eficazes para desestimular novas condutas ilícitas por parte do causador do dano, levando-se em conta a capacidade econômica deste e a razoabilidade da quantia estipulada, para evitar o enriquecimento ilícito do sujeito que sofreu o dano.169

Para ilustrar as consequências negativas do afastamento das relações jurídicas entre os planos de saúde de autogestões e seus usuários da incidência desta norma, pode-se citar o Recurso de Apelação nº. 20130710308542, de relatoria do Desembargador Sérgio Rocha, julgado em 02/12/2015, o qual produziria resultado completamente diverso no novo contexto, tendo em vista que foi considerada solidária a responsabilidade entre a patrocinadora e a operadora do plano de saúde por danos causados pela recusa de procedimento.170 Com isso, a vulnerabilização do beneficiário de plano de autogestão é ainda mais reforçada, uma vez que é característica comum dos planos de autogestão a presença de pessoas jurídicas instituidoras, mantenedoras e patrocinadoras, que não mais serão responsabilizadas com a derrocada da solidariedade para estas relações. Da mesma forma, importante relembrar o próprio caso do REsp 1.285.483-PB analisado acima, cujo julgamento ensejou a edição da Súmula nº 608. Neste processo, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a qual constitui plano de saúde de autogestão, alegou em sede de agravo de instrumento a sua ilegitimidade passiva, a qual foi acolhida pelo Tribunal. Esta decisão foi confirmada no STJ, uma vez que se concluiu pela inaplicabilidade do CDC, e, por conseguinte, pelo afastamento responsabilidade objetiva e solidária entre a Casa de Saúde Santa Maria Ltda e a CASSI.

Diante do exposto, a inaplicabilidade das regras de responsabilidade solidária e objetiva, na forma do CDC, pode produzir uma sensação de impunidade para os planos de saúde de entidades de autogestão, especialmente no que se refere à ocorrência de erro médico. Isto porque, a aplicação dos art. 927, parágrafo único, e art. 931, ambos do Código Civil, dependerá de maior fundamentação, o que ampliará o ônus sobre o usuário do plano, bem como será sempre alegada pelas operadoras a sua ilegitimidade passiva para reparar o dano sofrido pelo usuário, o qual apenas poderá demandar judicialmente o profissional médico ou o

169 SCAFF, Fernando Campos. Direito à saúde no âmbito privado: Contratos de Adesão, planos de saúde e seguro saúde. Saraiva, 2010. p. 128-129.

170PICORELLI, Luis Fernando. Repercussões da decisão do STJ que afastou o CDC sobre as operadoras de

planos de saúde na modalidade de autogestão. Jusbrasil, Salvador, 2016. Disponível em: https://luizpicorelli.jusbrasil.com.br/artigos/357837433/repercussoes-da-decisao-do-stj-que-afastou-o-cdc- sobre-as-operadoras-de-planos-de-saude-na-modalidade-de-autogestao. Acesso em: 05 nov. 2018.

hospital onde recebeu atendimento. Deve-se inquirir se tal processo não irá ensejar a multiplicação de práticas abusivas por parte destes prestadores de serviços, uma vez que foi reforçada a aparência de intangibilidade destes.

7 CONCLUSÃO

A hipótese levantada pelo STJ, no REsp 1.285.483-PB, que cumulou na edição da Súmula nº 608, foi fundamentada nos aspectos peculiares que as entidades de autogestão possuem. Argumentou-se que a estrutura de organização dessas empresas é diferenciada das demais operadoras de planos de saúde, uma vez que são constituídas no âmbito das pessoas jurídicas empregadoras, fundos previdenciários, sindicatos ou associação de trabalhadores. Além disso, aduziu-se que estas entidades não possuem finalidade lucrativa e não disponibilizam seus serviços no mercado de consumo, tendo em vista a presença de um rol de beneficiários fixado previamente, o que também provoca a sua descaracterização como fornecedoras.

Entretanto, após concretizada a análise da configuração da condição de fornecedoras, possivelmente atribuída às entidades de autogestão, é possível confirmá-la, tendo em vista que basicamente estas prestam serviço de assistência à saúde aos usuários de seus planos, mediante contribuição destes. Consoante foi demonstrado no presente trabalho, a ausência de finalidade lucrativa não é suficiente para corroborar o afastamento da regra consumerista, uma vez que não se constitui como requisito previsto no conceito de fornecedor de serviços, estabelecido no CDC. Além disso, também se comprovou descabida a alegação de ausência de profissionalidade, quando é inquestionável a presença de habitualidade na prestação do serviço e de toda uma estrutura voltada para o exercício desta atividade.

Abordou-se ainda a alegação de ausência de remuneração por parte do usuário do plano de autogestão, a qual foi desconstruída com base no fato de que sempre haverá um agente do mercado que será responsável por esta contraprestação, o qual poderá ser os beneficiários, propriamente, os destinatários finais, as pessoas jurídicas contratantes que representam os empregados, associados ou sindicalizados. Desse modo, haverá sempre a disponibilização do serviço de atendimento médico hospitalar, mediante a contraprestação pecuniária da parte envolvida na relação jurídica, feita em nome próprio ou em benefício de outrem. Por conseguinte, todos esses sujeitos podem ser considerados consumidores, sejam diretos, indiretos ou equiparados, nos termos do CDC.

Os empregados, ex-empregados, ex-servidores, ex-administradores, aposentados, pensionistas e seus parentes consanguíneos ou afins são destinatários finais do serviço disponibilizado pela operadora e por isso ocupam a posição jurídica de consumidores, ou seja, o beneficiário qualquer, o terceiro previsto no contrato de prestação de serviço de assistência a

saúde, o utilizador gratuito, o absolutamente incapaz ou participante fortuito, todos estes são consumidores, na forma do art. 2º do CDC. Esta percepção facilita a compreensão de que a remuneração não precisa partir do destinatário final para que seja configurada a condição de consumidor, pois a sua definição está relacionada ao requisito de destinação final do serviço. A amplitude do conceito, ainda mais reforçada pela figura do consumidor equiparado, auxiliou na demonstração da presença dos elementos necessários para caracterização dos usuários de planos de autogestão.

Quanto ao argumento relacionado ao caráter fechado das autogestões, este também foi considerado insatisfatório para justificar a descaracterização da relação de consumo, já que a quantidade de usuários dos planos é bastante significativa, o modo de comercialização do plano segue o modelo das outras operadoras, e ainda os interessados possuem liberdade para decidir sobre a contratação ou não. Ademais, no que tange à alegação de poder decisório por parte dos usuários dos planos operados por autogestões, restou demonstrado que há um processo de criação de falsa aparência de poder atribuído a estes, no contexto interno das autogestões, uma vez que os fatores quantidade de membros, impossibilidade de comparecimento ao local da realização de deliberações importantes, e forte indicação de componentes por parte das patrocinadoras, contribuem para fragilização da parte menos que detém menos poder na relação jurídica, que é o usuário.

Além disso, o art. 35-G da Lei 9656/98, que prevê expressamente a aplicação subsidiária do CDC aos planos de saúde, constituiu mais um fator de falseamento da hipótese da súmula nº 608 do STJ, o qual, inclusive, não foi discutido na decisão que estabeleceu a edição deste enunciado. A existência desse dispositivo explica-se na intenção de consagrar a aplicação das normas do CDC às relações das operadoras com os usuários de seus planos de saúde, a qual é reforçada pela corrente doutrinária que defende a existência de aplicação cumulativa e concomitante das duas legislações. Desse modo, como as entidades de autogestão são subordinadas à abrangência da Lei nº 9656/98, foi possível concluir pela aplicabilidade da Lei nº 8078/90 aos usuários e operadoras de modalidade autogestão.

Com o fim da incidência do CDC nestas relações jurídicas, não haverá presunção de vulnerabilidade para os usuários do plano de autogestão, uma vez que na norma geral civil as partes são tratadas de forma equiparada, de modo que o afastamento deste princípio, que é responsável por explicar a existência do sistema de proteção normativa ao consumidor, produz graves prejuízos para estes sujeitos, os quais, entretanto, permanecem na posição de menos poder na relação entabulada com a operadora. Isto porque o reconhecimento da

vulnerabilidade pressupõe a constatação da necessidade de atuação positiva para restabelecimento do equilíbrio entre as partes. Além disso, a exclusão do tratamento diferenciado conferido pelo CDC ao princípio da boa-fé objetiva, com maior detalhamento e importância, também gera consequências negativas, em especial, no que tange à fase pré- contratual e os deveres anexos impostos às operadoras.

Dessa maneira, as cláusulas abusivas não vão ser declaradas nulas na forma do art. 51 do CDC, o direito de revisão do contrato de consumo é mitigado, a responsabilidade do plano não será mais objetiva, nem solidária, na forma do art. 12 e 14 do CDC, e não haverá inversão do ônus da prova em beneficio do usuário, nos termos do art. 6º, VII do CDC. Restou apenas a possibilidade de configuração da responsabilidade objetiva, a qual dependerá da comprovação por parte do usuário, de que o caso se adequa ao art. 927, parágrafo único, e art. 931, do Código Civil. Com isso, todos estes efeitos, provocados pela Súmula nº 608, do STJ, reforçaram a posição de fragilidade dos usuários de planos de autogestão, tendo em vista que o monopólio do conhecimento técnico médico é detido pela empresa que oferece o plano, de modo que nas hipóteses de práticas abusivas, erro médico, e demais violações de direitos por parte deste, o usuário terá grande dificuldade em demandar a devida reparação dos danos sofridos, bem como em realizar a comprovação de sua ocorrência, no âmbito dos juízos cíveis. Notou-se que este processo pode provocar uma multiplicação de condutas abusivas e ilícitas das operadoras, em razão da maior dificuldade em atingi-las e responsabilizá-las.

Diante do exposto, concluiu-se que os fundamentos da decisão que determinou a edição da Súmula nº 608 do STJ não são suficientes para o afastamento do CDC das relações jurídicas entre os usuários e os planos de autogestão, bem como se notou que a questão não